Modelo socioambiental global e mineração no Brasil: a relação entre estado e mercado em discurso

AutorPaulo Everton Mota Simões - Sóstenes Ericson
CargoDoutor em Administração, professor pesquisador da Universidade Federal de Alagoas - Doutor em Linguística, professor pesquisador da Universidade Federal de Alagoas
Páginas134-165
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 46, n. 252, p. 134-165, jan./abr., 2021 | ISSN 2447-861X
MODELO SOCIOAMBIENTAL GLOBAL E MINERAÇÃO NO BRASIL:
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E MERCADO EM DISCURSO
Global socioenvironmental model and mining in Brazil: the relationship between
State and market in discourse
Paulo Everton M. Simões
Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil
Sóstenes Ericson
Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil
Informações do artigo
Recebido em 03/12/2019
Aceito em 07/06/2021
doi>: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2021.n252.p134-165
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons
Atribuição 4.0 Internacional.
Como ser citado (modelo ABNT)
SIMÕES, Paulo Everton M.; ERICSON, Sóstenes.
Modelo socioambiental global e mineração no Brasil: a
relação entre Estado e mercado em discurso. Cadernos
do CEAS: Revista Crítica de Humanidades.
Salvador/Recife, v. 46, n. 252, p. 134-165, jan./abr. 2021.
DOI: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2021.n252.p134-165
Resumo
O artigo examina os efeitos da relação entre Estado brasileiro e
o mercado da mineração tendo em vista o desenvolvimento
sustentável como modelo socioambiental vigente no
capitalismo. Parte do pressuposto de que o relatório Brundtland
forjou um modelo socioambiental, cujo objetivo central é
remover a contradição entre crescimento econômico e
preservação da Natureza. Utiliza-se o aporte teórico e
metodológico da Análise do Discurso pecheuxtiana, cujos
procedimentos teórico-analíticos são definidos à luz do
materialismo histórico. No modelo socioambiental vigente, as
grandes corporações, como é o caso da Vale, realizam uma
apropriação privada dos bens naturais coletivos, pois
necessitam aumentar sua produtividade e alcançam esse fim ao
transformar bens não mercantis em mercadoria, ao mesmo
tempo em que transferem os danos socioambientais à
sociedade. A parceria entre Estado e mercado, no atual modelo
socioambiental vigente, faz com que o poder do Estado conduza
a tal apropriação, por parte da grande corporação transnacional
de mineração, dos bens naturais coletivos, ao mesmo tempo em
que transferem os danos socioambientais, decorrentes da
atividade produtiva, à sociedade.
Palavras-Chave: Desenvolvimento Sustentável.
Sustentabilidade. Estado. Vale.
Abstract
The article examines the effects of the relationship between the
Brazilian State and the mining with a view to sustainable
development as a prevailing social and environmental model in
capitalism. It assumes that the Brundtland report has forget a
socio-environmental model whose central objective is to
remove the contradiction between economic growth and nature
conservation. The theoretical and methodological support of
the pecheuxtian Discourse Analysis is used, whose theoretical-
analytical procedures are defined in the light of historical
materialism. In the prevailing socioenvironmental model, large
corporations, such as Vale, carry out a private appropriations of
collective natural g oods, as they need to increase their
productivity and achieve this end by transforming non-market
goods into commodities, as the same time as they transfer their
assets environmental damage to society. The partnership
between State and market, in the current socio-environment
model, makes the State power lead to such appropriation, by
the large transnational mining corporation, of collective natural
goods while transferring the social and environmental damage
resulting from the productive activity, to society.
Keywords: Sustainable Development. Sustainability. State.
Vale.
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Introdução
Este artigo expõe a relação de parceria entre o Estado brasileiro e o mercado da mineração,
analisando a atuação da Vale a partir da sua privatização até os recentes crimes socioambientais por
ela protagonizados em Mariana e Brumadinho, no estado de Minas Gerais. O aporte teórico e
metodológico advém da Análise do Discurso Pêcheuxtiana, cujos procedimentos teórico-analíticos
são definidos à luz do materialismo histórico. O objetivo do trabalho é analisar os efeitos da relação
entre Estado brasileiro e o mercado da mineração, tendo em vista o desenvolvimento sustentável
como modelo socioambiental vigente no capitalismo.
Inicialmente, são apresentadas as discussões teóricas fundamentais para definir o modelo
socioambiental vigente, apresentando as suas origens para, então, revelar como tal modelo se tornou
global e funcional ao capitalismo neoliberal. Demonstra-se que o desenvolvimento sustentável é um
modelo socioambiental oriundo do ideário desenvolvimentista no capitalismo que, posteriormente,
se transfigura em sustentabilidade, convertendo-se em uma perspectiva gerencialista do
desenvolvimento sustentável vigente no mercado. Em seguida, são explicitados os procedimentos
metodológicos e as reflexões, a partir da análise da sequência discursiva de referência. O artigo
finaliza destacando que a parcer ia entre Estado e mercado, no atual modelo socioambiental
vigente, faz com que o poder do Estado conduza a uma apropriação, por parte da grande corporação
transnacional de mineração, dos bens n aturais coletivos, ao mesmo tempo em que há transferência
dos danos socioambientais, decorrentes da atividade produtiva, à sociedade.
As primícias do modelo socioambiental vigente
Os primórdios do atual modelo socioambiental estão na fundação do subdesenvolvimento, a
partir do final da década de 1940, quando aos países da periferia do capitalismo se impunha uma
lógica de estímulo ao desenvolvimento, sinônimo de progresso material, um “dispositivo ideológico”,
por meio do qual, potências capitalistas se tornaram o modelo de desenvolvimento a ser alcançado
pelas demais nações (MORAES, 2006). Em 1945, os Estados Unidos da América (EUA) se destacavam
pela preeminência militar e econômica, pelo movimento de expandir o mercado para seus produtos
e encontrar locais para investir seus excedentes de capital (ESCOBAR, 2007, p. 67).
Nesse contexto, o presidente estadunidense, Harry Truman, convocou os países pobres a
seguirem a trajetória dos EUA e demais nações ricas, oferecendo-lhes conhecimento científico e
tecnológico para livrá-los do atraso, da pobreza e da ignorância (SANTOS FILHO, 2005). O
pronunciamento de posse é o acontecimento histórico que possibilitou aquilo que Escobar (2007) e
Rist (2002) chamam de invenção do desenvolvimento. Nesse sentido, um en unciado funda o
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desenvolvimento, concomitantemente com a criação do seu oposto, o subdesenvolvimento: “we
must embark on a bold new program for making the benefits of our scientific advances and industrial
progress available for the improvement and growth of underdeveloped areas.” (TRUMAN, 1949, grifo
nosso)
1
.
Tal enunciado ressignifica a noção de desenvolvimento, fundando um sentido novo: o do
subdesenvolvimento. Os EUA se impuseram como nação desenvolvida, capaz de tornar disponíveis
os benefícios de seus avanços científicos e do seu progresso industrial às áreas subdesenvolv idas do
mundo. Ao tempo em que se autodenominavam um país avançado, do ponto de vista científico e
industrial, também instauraram, por meio da designação underdeveloped areas, o
subdesenvolvimento de diversos países. Ao designar os países pobres, receptores de sua ajuda, como
áreas subdesenvolvidas, necessitadas de desenvolvimento, fundou-se sentido, estabelecendo um
novo sítio de significância (ORLANDI, 1993a).
O período imediatamente após a Segunda Guerra Mundial inaugura a fase
desenvolvimentista da história recente, na qual o desenvolvimento era sinônimo de industrialização,
modernização tecnológica e crescimento do Produto Interno Bruto. O interesse estadunidense e de
outras potências voltou-se à periferia, em especial à América Latina (AL), sob a justificativa de
oferecer apoio para o seu desenvolvimento, fazendo-a alcançar relevância no contexto político e
econômico por dois motivos principais: primeiro, tornou-se um grande mercado para o capital dos
países desenvolvidos; e, segundo, porque representava um território propenso a aderir ao comunismo
(MORAES, 2006; ESCOBAR, 2007). A ameaça comunista é tratada por Harvey (2006) como um
recurso ideológico, tanto para impossibilitar o surgimento de algum agrupamento rival dentro do
mundo capitalista, bem como para favorecer a internacionalização do capital, principalmente dos
EUA.
Para Moraes (2006), a política externa estadunidense atuava para oferecer um exemplo de
nação e a intervenção para que o exemplo fosse seguido. O autor aponta o desenvolvimentismo como
mecanismo ideológico que auxiliou a estruturar, social e politicamente, as nações jovens e também
aquelas que estavam a se reconstruir, forjando a “imagem-destino”, uma novidade, o país
desenvolvido, como uma projeção a ser alcançada pelo Terceiro Mundo. Os EUA, portanto, se
apresentavam como o “[...] mais bem acabado dos caminhos para a mais moderna das sociedades
modernas [...]” (MORAES, 2006, p. 46).
1
“[...] devemos embarcar em um novo programa ousado para disponibilizar os benefícios de nossos avanços
científicos e progresso industrial para a melhoria e o crescimento de áreas subdesenvolvidas.” (TRUMAN, 1949,
tradução nossa).

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