O modelo de cooperação do tribunal penal internacional

AutorJoão Irineu de Resende Miranda
CargoProfessor Adjunto do Departamento de Direito das Relações Sociais da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Páginas103-135
doi: 10.5102/prismas.v7i2.1128
O modelo de cooperação do
tribunal penal internacional
João Irineu de Resende Miranda1
Resumo
Este artigo estuda o modelo de cooperação do Estatuto de Roma para buscar
determinar a razão pela qual o Tribunal Penal Internacional tem enfrentado proble-
mas nessa área. Acredita-se que uma análise sistemática do tema à luz da Teoria da
Responsabilidade Internacional do Estado por Atos Ilícitos pode contribuir signica-
tivamente para o trato da questão. Para isso, o artigo realiza uma análise dos artigos
do Capítulo IX do documento para, por meio do método dedutivo, evidenciar suas
lacunas e contradições. Conclui-se que o atual modelo de cooperação presente no Es-
tatuto de Roma não permite que o Tribunal Penal Internacional cumpra elmente suas
funções porque preserva prerrogativas estatais em demasia e não prevê sanções espe-
cícas para o não cumprimento dos pedidos de cooperação endereçados aos Estados.
Palavras-chave: Tribunal Penal Internacional. Estatuto de Roma. Cooperação in-
ternacional.
1 Introdução
O Tribunal Penal Internacional entrou em funcionamento em julho de 2002
com a missão de julgar os indivíduos acusados dos mais graves crimes no enten-
dimento da comunidade internacional.2 Concebido à semelhança dos tribunais
1 Professor Adjunto do Departamento de Direito das Relações Sociais da Universidade
Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo.
2 BRASIL.Decreto nº 4388/2002 (Estatuto de Roma). Disponível em www.planalto.gov.br Acesso
em 20/04/2010. Artigo 1º. O Tribunal. É criado pelo presente instrumento, um Tribunal Penal
Internacional (“o Tribunal”). O Tribunal será uma instituição permanente, com jurisdição
sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional,
de acordo com o presente Estatuto, e será complementar às jurisdições penais nacionais. A
competência e o funcionamento do Tribunal regular-se-ão pelo presente Estatuto.
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criados pelo Conselho de Segurança da ONU, sua jurisdição complementar e seu
caráter permanente tornaram-no um marco para os Direitos Humanos e para o
Direito Internacional. Além disso, suas implicações para a Ordem Internacional
são profundas, pois sua jurisdição foi concebida de forma a alcançar potencial-
mente qualquer indivíduo que tenha cometido crimes de sua competência. Não é
de se estranhar, dessa forma, que o Tribunal Penal Internacional tenha enfrentado
a oposição de importantes Estados dentro da Ordem Internacional.
Às vésperas de sua primeira Conferência de Revisão, contudo, o Tribunal
enfrenta diculdades em cumprir seu papel. Como não possui polícia judiciária,
o Tribunal precisa da ajuda dos Estados para acolher e preservar provas, obter de-
poimentos de funcionários públicos, proteger testemunhas e cumprir mandados de
prisão, além de outros procedimentos. Os Estados destinatários de requerimentos
de cooperação, muitas vezes, apresentam obstáculos para seu cumprimento ou sim-
plesmente os ignoram. Muito embora a responsabilidade por crimes internacionais
seja individual, para que possa existir efetivo julgamento e punição aos responsá-
veis, é indispensável o concurso, ou, pelo menos, a não obstrução desses Estados.
A recente história das instituições penais internacionais demonstra que a
falta de cooperação ou mesmo a sabotagem de indivíduos que se encontram na
posição de órgãos de Estado tem sido um importante obstáculo para o sucesso dos
tribunais.3 Tal situação também pode ser percebida quando se analisam os casos
em andamento ou sob investigação do Tribunal Penal Internacional. Na República
Democrática do Congo, a prisão e entrega dos acusados depende de sua posição
política perante o governo central e não da magnitude de seus crimes.4 Em Ugan-
da, o pedido de investigação e o consequente indiciamento de líderes rebeldes fo-
ram subvertidos pelo governo de Kampala em matéria de barganha de um confuso
processo de paz que até o momento não foi capaz de encerrar a longa guerra civil
3 PENROSE, Mary Elizabeth. Lest we fail […].the importance of enforcement in
international criminal law. American University International Law Review, Washington
D.C. v. 15, n. 2, p. 321-94, 1999.
4 AKHAVAN, Payam. Are International Criminal Tribunals a disincentive to peace?:
Reconciling judicial romantism with political realism. Human Rights Quarterly, Cincinnat,
n. 31, p. 624-654, 2009.
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naquele país.5 No Sudão, o indiciamento do Presidente Bashir revelou a debilida-
de do mandado de prisão internacional expedido pelo Tribunal. Alguns Estados
Parte parecem cooperar silenciosamente a favor da impunidade do líder sudanês,
avisando-o da existência de um pedido de cooperação em sua prisão feito pelo Tri-
bunal ou detendo-se em questionamentos jurídicos a respeito de sua obrigação de
cooperar. Outros Estados chegam mesmo a contrapor-se ao Tribunal, endossando
as posturas hostis da Liga Árabe e da União Africana.6
Em vista disso, o modelo de cooperação com os Estados e organizações
internacionais previsto pelo Estatuto de Roma é um dos assuntos constantes da
pauta de discussão de sua primeira Conferência de Revisão deste documento, a ser
realizada entre os dias 31 de maio e 10 de junho de 2010.7
Este artigo analisa as disposições do Capítulo IX do Estatuto de Roma de for-
ma a tentar demonstrar porque suas disposições, embora formalmente implementa-
das com a entrada vigor do Estatuto em 2002, parecem carecer de efetividade. Utili-
zando-se do método dedutivo para analisar os artigos que regulamentam a obrigação
dos Estados de cooperarem com o Tribunal à luz da Teoria da Responsabilidade In-
ternacional do Estado por Atos Ilícitos, propõe-se que a não efetividade do Tribunal
está relacionada à falta de previsão, no Estatuto de Roma, de sanções especícas para
o descumprimento pelos Estados de pedidos de cooperação enviados pelo Tribunal.
Desse modo, este artigo inicia-se com uma sintética apresentação acerca do
Estatuto de Roma para, em seguida, aprofundar-se na análise dos artigos de seu
Capítulo IX, referentes à cooperação internacional, seguindo-se de uma breve re-
missão aos conceitos afetos à Teoria da Responsabilidade Internacional do Estado
por Atos Ilícitos concernentes ao objetivo proposto.
5 PESKIN, Victor. Caution and confrontation in the International Criminal Court’s pursuit
of accountability in Uganda and Sudan. Human Rights Quarterly, Cincinnati, v. 31, n. 3, p.
655-691, Aug. 2009.
6 PESKIN, Victor. Caution and confrontation in the International Criminal Court’s pursuit
of accountability in Uganda and Sudan. Human Rights Quarterly, Cincinnati, v. 31, n. 3, p.
655-691, Aug. 2009.
7 INTERNATIONAL CRIMINAL COURT. Assembly of the States Parties. Report of the
bureau of stocktaking: cooperation, New York, p. 22-25, Mar. 2010. Session 8.

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