Modificação do regime de bens no casamento: questões controvertidas

AutorChristiano Cassettari
Páginas245-266

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Ver Nota1

1 Introdução

De acordo com o art. 230 do Código Civil de 1916, o regime de bens escolhido pelos cônjuges era irrevogável.

Art. 230. O regime dos bens entre cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável.

Mas o princípio da imutabilidade do regime de bens foi abandonado pelas principais legislações no mundo há muito tempo.

Em 1882 a Inglaterra o repudiou.

O Código Civil alemão permite a mudança que não prejudique terceiros, consoante art. 1.434.

No Código Civil suíço há autorização para se modiicar o regime de bens desde que o pacto seja aprovado pela autoridade tutelar (art. 248).

Questão interessante de ressaltar é que na Alemanha, Suíça e Áustria as convenções sobre regime de bens podem ser feitas antes ou depois do casamento.

Na América Latina, o Código Civil Peruano (art. 1.984) e o Paraguaio (art. 1985) admitem a mudança.

O Código Civil francês foi alterado, no art. 1.395, pela Lei 65.570 de 13/07/1965, que permitiu a mudança, desde que com autorização judicial, no art. 1.397.

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O Anteprojeto de Código Civil de Orlando Gomes (que é de 1963), permitia a mudança no art. 167, desde que a mesma ocorresse judicialmente, que resguardasse direito de terceiro, sendo vedada no regime da separação obrigatória. Na revisão que foi feita por Orozimbo Nonato e Caio Mário da Silva Pereira, o dispositivo foi mantido, tornando-se o art. 159.

O Código Civil português de 1966 (art. 1.174), francês (art. 1.443), argentino (art. 1.294, alterado pela Lei 23.515/87), alemão (art. 1.469), suíço (art. 185) e o espanhol (art. 1.393), admitem a separação judicial de bens, que não põe im ao casamento, mas que coloca im ao regime de bens, passando a vigorar o regime da separação.

Mas, no Brasil, foi o artigo 1.639 do Código vigente, que, no § 2º, permitiu a modiicação nos seguintes termos:

É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

Dessa forma, para que o regime de bens entre cônjuges possa ser modiicado, devem ser observados os seguintes requisitos: a) autorização judicial; b) pedido formulado por ambos os cônjuges; c) motivação do pedido; d) demonstração da procedência das razões invocadas; e) resguardo dos direitos dos próprios cônjuges e de terceiros.

Porém, algumas dúvidas práticas surgem em razão da simplicidade do legislador ao regulamentar tal matéria. É exatamente isto que pretendemos analisar.

2 Do procedimento da ação judicial de modificação do regime de bens

Entende-se que, no caso em tela, o procedimento judicial adotado será o da jurisdição voluntária.

Explica Arruda Alvim2, que a jurisdição voluntária é o instrumento de que se serve o Estado para resguardar, por ato do juiz, quando solicitado, bens reputados pelo legislador como de alta relevância social.

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Tratando-se de jurisdição voluntária, o procedimento a ser observado deverá ser o descrito nos artigos 1.103 a 1.111 do Código de Processo Civil, até não vier a ser instituído por lei um procedimento especial para tal inalidade.

Ademais, cumpre salientar que a Corregedoria do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, publicou o Provimento de nº 24 em 10 de setembro de 2003, estabelecendo no artigo 1º que a hipótese trata-se de procedimento de jurisdição voluntária.

3 Da legitimidade ativa

A ação deve ser proposta, obrigatoriamente, por ambos os cônjuges (litisconsórcio ativo necessário).

Se um dos cônjuges não concordar com a mudança, impossível será a propositura da ação, já que não cabe suprimento judicial neste caso.

Possui o mesmo entendimento o Desembargador Luiz Felipe Brasil dos Santos: Como segundo requisito, dispõe a norma que o pedido deverá ser formulado por ambos os cônjuges. Assim, inadmissível postulação unilateral, que, se formulada, deverá ser de pronto rejeitada, por carência de ação. Sinale-se que não é cabível pedido de suprimento judicial de consentimento para a alteração de que se trata.3Como já mencionamos anteriormente, o artigo 1o4 do Provimento 24 da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, publicado em 10 de setembro de 2003, estabelece que a ação judicial de modiicação do regime de bens deve ser proposta por ambos os cônjuges.

Para Paulo Luiz Netto Lôbo5, a falta de concordância de um dos cônjuges não poderá ser suprida pelo juiz.

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Débora Vanessa Caús Brandão6defende, excepcionalmente, o cabimento do suprimento judicial, quando icar evidenciada a hipótese de que o cônjuge não está de acordo com a modiicação por capricho pessoal, trazendo prejuízos sérios à família.

Respeitamos o posicionamento, mas com ele não concordamos. Se o regime de bens foi escolhido por ambos deve ser alterado somente havendo a vontade dos dois, não importando a justiicativa para a negativa, nem tampouco se há ou não prejuízos sérios para a família, que não tem o direito de interferir na relação casamentária dos cônjuges.

4 Do pedido motivado

Descreve o § 2º do artigo 1.639 do Código Civil, que a alteração do regime de bens exige um pedido motivado de ambos os cônjuges.

Mas o que seria pedido motivado?

O Código Civil vigente abandonou a técnica hermenêutica de se utilizar de dispositivos legais que utilizem conceitos, ou explique detalhadamente hipóteses de cabimento de algum instituto.

Isto se deu em razão do princípio da eticidade, em que o legislador utiliza nos artigos de lei, as chamadas cláusulas gerais, que são expressões impregnadas de subjetividade, que tem por objetivo não engessar o magistrado, permitindo que, em razão de uma maior lexibilização, ele possa, analisando cada caso, fazer justiça.

Assim sendo, o justo motivo apto a fundamentar a ação de modiicação do regime de bens, é uma cláusula geral que deve ser preenchida pelo juiz caso a caso.

Somente a análise dos casos jurisprudenciais é que pode nos dar uma ideia do que seria um motivo que poderia ensejar a modiicação do regime de bens.

Possui o mesmo entendimento o Desembargador Luiz Felipe Brasil dos Santos: Penso, no entanto, que não deva ser por demais rígida (a ixação jurisprudencial das hipóteses que autorizará a modiicação pretendida) a exigência quanto aos motivos que sirvam para justiicar o pedido, caso contrário icará esvaziada a própria inalidade da norma.7

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Já existem em nosso país inúmeras decisões que permitiram a modiicação do regime de bens.

Um dos casos conhecidos é dos cônjuges que, casados pela comunhão universal, modiicaram o regime de bens para poderem abrir uma sociedade empresarial, já que nesta situação há proibição do artigo 977 do Código Civil.

Art. 977. Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória.

Cumpre salientar que segundo o Parecer do DNRC/COJUR8125/03, do Comunicado JUCESP 04/03 e do Enunciado 29 da Uniformização do Critério de Julgamentos Singulares na JUCESP, a norma do artigo 977 do Código Civil só produz efeito para as sociedades constituídas após a vigência do Código Civil de 2002, não atingindo as que foram criadas antes em veneração ao ato jurídico perfeito.

5 Da intervenção do ministério público

Por se tratar de matéria ligada ao casamento, a intervenção do Ministério Público é obrigatória.

Possui o mesmo entendimento o Desembargador Luiz Felipe Brasil dos Santos: No que diz com a intervenção do Ministério Público – embora admita controvertido o tema – considero-a necessária, ante o disposto nos artigos 1.105 e 82, II, do CPC, considerando que se trata de causa atinente ao casamento, não obstante de conteúdo meramente patrimonial. Ocorre que os dispositivos em foco não operam tal distinção, determinando que a intervenção se dê em atenção à natureza do instituto.9

Com isso, em razão do Código de Processo Civil estabelecer no artigo 1.105 a necessidade de intimação do Ministério Público em procedimentos de jurisdição voluntária, bem como no artigo 82, inciso II, quando a causa versar sobre

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estado das pessoas e casamento, entendemos necessária a sua intervenção nas ações de modiicação de regime de bens.

6 Da citação de credores do casal e publicação de editais

Na referida ação seria necessário:

A citação dos credores do casal (art. 1.105 do CPC)?

Abrir prazo para os credores impugnarem a pretensão, no prazo do artigo
1.106 do CPC?

Juntar certidões negativas dos distribuidores forenses, da Justiça Comum, da

Justiça Federal e Trabalhista, assim como certidões negativas de protesto de títulos?

A citação editalícia de credores incertos?

O enunciado 113 do Conselho da Justiça Federal acentua que é necessária a comprovação de inexistência de dívida de qualquer natureza (com particulares e entes públicos), vejamos:

Enunciado 113 – Art. 1.639: é admissível a alteração do regime de bens entre os cônjuges, quando então o pedido, devidamente motivado e assinado por ambos os cônjuges, será objeto de autorização judicial, com ressalva dos...

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