Modificações relativas à extinção do contrato de trabalho instituídas pela Lei n. 13.467/2017: dispensa individual e coletiva, distrato e direitos rescisórios

AutorAntônio Gomes de Vasconcelos
Páginas244-260

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1. Introdução

A Lei n. 13.467/17 trouxe significativas alterações na regência das formalidades, procedimentos, documentação e direitos concernentes à extinção do contrato de trabalho por inciativa do empregador, além de instituir a figura do distrato — a extinção consensual (“comum acordo”) do contrato de trabalho.

A apreensão do sentido profundo de tais alterações requer uma breve abordagem das premissas subjacentes à nova lei, cuja extensão e profundidade ensejaram o uso generalizado da expressão “reforma trabalhista” com referência ao regime jurídico-trabalhista que vigorará a partir de 11 de novembro de 2017.1

Tais considerações não pretendem ir além de explicitar aspectos dos discursos de justificação levados em conta pelo parlamento para a aprovação da nova regulamentação concernente aos institutos aqui estudados.

No embate discursivo antecedente à aprovação da lei confrontaram-se, de um lado, ideias de que a superação da crise econômica, do desemprego e da “informalidade da mão-de-obra”, dependeria da flexibilização da legislação trabalhista, que estaria ultrapassada, excessivamente burocrática, exacerbadamente interventiva e cerceadora da liberdade das pessoas, em descompasso com as transformações tecnológicas, com o surgimento de novas profissões, com a complexidade das relações econômico-produtivas oriundas da globalização, convertendo-se, nestes termos em obstáculo ao desenvolvimento econômico e social; de outro, ideias de que a crise e o desempenho econômicos não decorrem do regime de proteção trabalhista adotado no país, que, coerente com os princípios fundamentais do Estado Constitucional Democrático de direito adotado na Constituição Federal que tem por fundamento a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e a justiça social consagra o princípio do não retrocesso social, a reforma trabalhista tal como proposta e aprovada significaria, em múltiplos aspectos, exclusão, redução ou flexibilização dos direitos trabalhistas à medida que normas instrumentais de garantia desses direitos foram mitigadas ou revogadas, além da sobreposição da vontade individual ou coletiva sobre a legislação protetora de direitos indisponíveis dos trabalhadores2. Nessa perspectiva a retomada da economia decorre não do sacrifício dos direitos sociais, do agravamento da desigualdade e da injustiça social. A retomada da economia decorre da alocação de investimentos em infraestrutura e na adoção de medidas econômicas de fomento ao desenvolvimento, condição para o crescimento econômico e para uma maior distribuição de renda.

Em favor desta tese têm sido invocados estudos recentes, inclusive do próprio FMI por surpreendente que possa parecer considerando que esta instituição foi um dos arautos condutores das políticas liberalizantes no mundo, tardiamente ora em curso no Brasil. Com efeito, a revista do FMI Finance & Development publicou artigo em que alertou no sentido de que:

Os benefícios de algumas políticas que são uma parte importante da agenda neoliberal parecem ter sido um pouco exagerados... Em vez de gerar crescimento, algumas políticas neoliberais aumentaram a desigualdade, colocando em risco uma expansão duradoura...

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O aumento da desigualdade prejudica o nível e a sustentabilidade do crescimento... Mesmo que o crescimento seja o único ou principal objetivo da agenda neoliberal, os defensores dessa agenda devem prestar atenção nos efeitos de distribuição...

A abordagem tradicional para ajudar os países a reconstruir suas economias por meio de corte de gastos do governo, privatização, livre comércio e abertura de capital podem ter custos “significativos” em termos de maior desigualdade (tradução livre)3.

Os que se posicionam nesta perspectiva trazem em amparo de tal tese o alerta dos citados economistas do Fundo Monetário Internacional, Jonathan D. Ostry, Prakash Loungani e Davide Furceri, também no sentido de que, a despeito dos aspectos positivos da agenda neoliberal, vêm grandes problemas nas políticas de remoção generalizada das restrições ao fluxo de capital e na rigidez orçamentária dos governos. Reforçam que políticas de austeridade, que frequentemente reduzem o tamanho do Estado, não somente “gera custos sociais substanciais”, mas também “prejudica(m) a demanda”, além de aprofundar o desemprego4.

Na mesma direção invocam os estudos de Simon Keakin, Jonas Malmberg e Prabirjt Sarkar, que, adotando metodologia longitudinal, considerando longo período de tempo e tomando como objeto de investigação as economias de cinco países da OCDE, revelaram que a legislação trabalhista em geral (regras de proteção contra a dispensa, jornada de trabalho, direito de greve, representação sindical) não têm relação com os índices de desemprego. Muito, ao contrário, a existência de regulação da jornada de trabalho e da representação sindical têm relação com o aumento de taxas de emprego e de distribuição da renda nacional.5

Estudos nacionais como o Dossiê da Reforma Trabalhista do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho do Instituto de Economia da Universidade de

Campinas (junho/2017) também são invocados por que este assim concluiu:

A estratégia de desmonte das políticas sociais e de retirada de direitos serve a dois propósitos: reduzir o tamanho do estado na formulação e implementação de políticas públicas, reservando fatias cada vez maiores para a iniciativa privada em setores como saúde e educação, e possibilitar a privatização de empresas públicas como a Petrobrás, entre outras. Com a diminuição do papel do Estado abre-se caminho para a redução da carga tributária, atendendo pleito antigo dos empresários, que pressionam por redução de impostos e pela reforma trabalhista.

Em sintonia com todos estes estudos evoca-se também o pronunciamento do Comitê de Peritos em aplicação de Convenções e Recomendações da OIT, a propósito da reforma trabalhista brasileira para reafirmar que os objetivos das Convenções ns. 98, 151 e 154, são o de “promover a negociação coletiva sob a perspectiva de tratativas de condições de trabalho mais favoráveis que as fixadas em lei”, no sentido de desregulamentar ou flexibilizar direitos.

Essas duas posições políticas em disputa no curso do processo legislativo da reforma se confrontaram, especialmente, em relação à flexibilização da legislação trabalhista seja para reduzir garantias legais pela via da negociação coletiva, seja para conceder mais vantagens do que aquelas prevista em lei com base numa interpretação construtiva a partir de premissas constitucionais.

Consta dos discursos de justificação da nova legislação6 o objetivo de aprimorar as relações de trabalho mediante o fortalecimento da autonomia coletiva7 e da autonomia individual8. Aquela, pela valorização da negociação coletiva; esta, pela valorização da manifestação da vontade individual com a dispensa ou redução de formalidades assistenciais e do concurso de vontade coletiva

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ou da vontade pública como condição de validade dos atos jurídicos praticados pelo empregado, especialmente no que diz respeito aos atos jurídicos concernentes à extinção do contrato de trabalho. A reforma compreende que a limitação das autonomias coletiva e individual decorrentes da legislação vigente são fatores que favorecem a informalidade e o desemprego e, em consequência a retração econômica, com o que almeja estimular a economia e aumentar a oferta de empregados formais, sem comprometimento dos direitos. Procura-se superar o excesso de rigidez das normas trabalhista, visto como fator gerador de insegurança jurídica e fator inibidor da contração de mão de obra e, em consequência, obstáculo ao crescimento do País à medida que provoca a fuga de investimentos e a transferência de postos de trabalho para outros países.9

No plano da autonomia individual, bem ilustra o espírito da reforma texto de Ives Gandra Martins Filho para quem o acentuado intervencionismo estatal e judicial nas relações de trabalho são fatores de desequilíbrio comprometedor do desenvolvimento econômico e da empregabilidade, pelo que a legislação trabalhista deve assumir um viés menos intervencionista e regular mini-mente as relações contratuais, atendo-se mais à definição das regras do jogo negocial entre “o poder econômico das empresas” e o “poder sindical dos trabalhadores” para “reequilibrar a balança”. 10

Além disso, na perspectiva reformista, a rigidez da legislação trabalhista não mais se justifica nos tempos atuais em que o predomínio das atividades campesinas, há muito, cedeu lugar à industrialização e a inúmeras novas atividades e profissões potencializadas pelas novas tecnologias, especialmente as tecnologias da informação.11

Em síntese, o propósito declarado pelo legislador reformista é de reverter as perdas econômicas e o crescimento negativo presentes no país nos últimos anos, pelo combate ao desemprego, à informalidade, por meio de instrumentos legais que proporcionem maior liberdade e segurança jurídica para os empreendedores.

No que diz respeito ao regime jurídico relativo à terminação do contrato de trabalho a justificação situa-se na excessiva judicialização das relações de...

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