A modulação de efeitos em matéria tributária e sua realização em favor da fazenda pública

AutorDiego Diniz Ribeiro - Maysa de Sá Pittondo Deligne
Páginas107-142
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A MODULAÇÃO DE EFEITOS EM MATÉRIA
TRIBUTÁRIA E SUA REALIZAÇÃO EM FAVOR DA
FAZENDA PÚBLICA
Diego Diniz Ribeiro1
Maysa de Sá Pittondo Deligne2
Sumário: 1. Introdução. 2. Considerações históricas, conceito e pressupostos de
aplicação da modulação de efeitos. 3. Posições contrárias à aplicação da modu-
lação de efeitos em favor do Estado em matéria tributária. 4. A modulação de
efeitos em favor do Estado em matéria tributária. 5. A modulação de efeitos em
favor do Estado no específico caso do RE n.º 574.706. 6. O termo inicial para a
modulação de efeitos no caso do RE n.º 574.706.
1. Introdução
Com a pendência da definição pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) da modulação dos efeitos no julgamento do
1. Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
– PUC/SP. Conselheiro titular representante dos contribuintes na 3ª Seção de Jul-
gamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF Advogado licen-
ciado. Professor em cursos de graduação e pós-graduação na GV Law, IBET, IBDT,
EPD, ESA, ESPGE e IMESB.
2. Doutoranda e mestra em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da USP,
graduada pela Faculdade de Direito da UFMG. Conselheira titular representante
dos contribuintes na 3ª Seção de Julgamento do Conselho Administrativo de Re-
cursos Fiscais – CARF. Professora em cursos de pós-graduação em Direito Tributá-
rio do IBDT, PUC-Minas e FUMEC/CAD.
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PROCESSO TRIBUTÁRIO ANALÍTICO
Recurso Extraordinário (RE) n.º 574.706, em sede de reper-
cussão geral e em favor do Estado, a discussão proposta no
presente artigo ganhou ainda maior relevância, o que se deve
não só pela importância pragmática da questão, mas também
pelo fato do instituto da modulação de efeitos convergir para
um redimensionamento do conceito de coisa julgada, em es-
pecial nas relações jurídicas de trato sucessivo, as quais pre-
ponderantemente marcam o Direito Tributário.3
Pois bem. Naquele processo o STF concluiu que o impos-
to estadual sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS)
não deve compor a base de cálculo das contribuições destina-
das ao Programa de Integração Social (PIS) e ao financiamen-
to da seguridade social (COFINS) por não integrar o conceito
constitucional de receita ou faturamento prescrito no art. 195,
Diante da grande repercussão orçamentária na repetição
do indébito decorrente da exclusão do ICMS do cálculo das con-
tribuições por todos os contribuintes e sustentando que se tra-
ta de uma modificação da jurisprudência anterior do Superior
Tribunal de Justiça (STJ),4 a União pleiteou em sua sustentação
3. Para maiores considerações a respeito do diálogo entre coisa julgada e relações
jurídicas de trato sucessivo no âmbito do Direito Tributário sugerem-se as seguin-
tes leituras: RIBEIRO, Diego Diniz. Coisa julgada, direito judicial e ação rescisória
em matéria tributária. CONRADO, Paulo César (org.). Processo Tributário Analítico
II. 2. ed. São Paulo: Noeses. 2016. p 85-128; MASSUD, Rodrigo Giacomeli Nunes.
Coisa julgada, rescisória, súmula STF 343 e parecer PGFN 492/2011: impactos com
o Código de Processo Civil de 2015. ARAUJO, Juliana Furtado Costa. CONRADO,
Paulo César (orgs.). O novo CPC e seu impacto no direito tributário. 2. ed. São Paulo:
Fiscosoft. 2016. p. 141-180.
4.
Já de longa data a discussão aqui travada encontrava-se sedimentada no âmbito da
jurisprudência do STJ, ao ponto, inclusive, de redundar na edição das súmulas 68 e 94,
segundo as quais, respectivamente, “A parcela relativa ao ICM inclui-se na base de cál-
culo do PIS.” (Súmula 68, Primeira Seção, julgado em 15/12/1992, DJ 04/02/1993, p. 775) e
“a parcela relativa ao ICMS inclui-se na base de cálculo do Finsocial.” (Súmula 94, Pri-
meira Seção, julgado em 22/02/1994, DJ 28/02/1994, p. 2961).
Não obstante, provavelmente com o escopo de acomodar este entendimento em um pre-
cedente formalmente tratado pela legislação processual como tal e, com isso, dificultar o
conhecimento de recursos especiais com a mesma discussão, o STJ afetou tal questão
(inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS) para que fosse julgada em
sede de recurso especial representativo de controvérsia. Trata-se do Recurso Especial
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PROCESSO TRIBUTÁRIO ANALÍTICO
oral a modulação dos efeitos em favor do Estado para restringir
os efeitos do acórdão para o ano seguinte à sua prolação, im-
pedindo a repetição de indébito pelos contribuintes. Contudo,
este pedido, sob a justificativa de não ter sido formulado nos
autos, não foi apreciado no momento do julgamento realizado
em 15/03/2017, ressaltando a relatora Ministra Cármen Lúcia
que essa questão poderia ser apreciada “em embargos de de-
claração interpostos com essa finalidade e trazendo elementos
para a análise”. Tais embargos foram então interpostos pela
União em 19/10/2017, oportunidade em que expressamente se
vindicou a modulação de efeitos da decisão lavrada pelo STF.
Tal decisão transitou em julgado em 13/03/2017.
Enquanto essa questão não é sedimentada pelo Pretório
Excelso, intensifica-se o debate na doutrina acerca da possi-
bilidade, à luz do sistema jurídico brasileiro, de se convocar a
modulação de efeitos em favor do Estado em matéria tributá-
ria. A relevância desse debate é maior diante da existência de
julgados anteriores daquela Corte Suprema tanto no sentido
da impossibilidade da modulação em favor do Estado com fun-
damento exclusivo na negativa repercussão orçamentária,5
n.º 1.144.469/PR, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator para o Acórdão
Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 10/08/2016, DJe
02/12/2016, e que, inclusive, faz referência às súmulas editadas anteriormente pelo extin-
to Tribunal Federal Regional (Súmula n.º 258/TFR) e pelo STJ (Súmula n.º 68/STJ e
Súmula n.º 94/STJ). Tal decisão transitou em julgado em 13/03/2017, conforme extrato
de andamentos disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=-
tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=200901124142&totalRegistrosPorPagi-
na=40&aplicacao=processos.ea. Acesso em 11/07/2017.
5. Cite-se como exemplo as conclusões alcançadas na Ação Direta de Inconstitucio-
nalidade (ADI) 1102 (Rel. Ministro Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em
05/10/1995, DJ 17/11/1995), no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento AI
627770 AgR (Relator Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em
04/10/2011, DJe-203 publicado em 21/10/2011), e mais recente no julgamento dos
Embargos de Declaração no Recurso extraordinário (RE) 559.937, em caso seme-
lhante ao pendente de julgamento quanto a não inclusão do ICMS na base de cálcu-
lo do PIS e da COFINS Importação, no qual foi indicado, na ementa que, “modular
os efeitos no caso dos autos importaria em negar ao contribuinte o próprio direito
de repetir o indébito de valores que eventualmente tenham sido recolhidos” (Rela-
tor Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 17/09/2014, DJe-200 14/10/2014)

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