A modulação de efeitos temporais no controle de constitucionalidade promovido pelo supremo tribunal federal e sua importância para a unidade e para a estabilidade do sistema jurídico. Estudo de caso em matéria trabalhista: a prescrição do FGTS

AutorStefania Menezes
Páginas181-190

Page 181

Stefania Menezes

Servidora Pública Federal

Por controle de constitucionalidade, entende-se o mecanismo de adequação ou correção, adotado por um ordenamento jurídico, com a finalidade de promover a aferição da conformidade de uma lei ou de um ato normativo com a constituição vigente. O ponto de partida, portanto, é a existência de uma normatividade de grau superior, a Constituição, cuja supremacia e unidade demandam a busca por harmonia de todo o sistema jurídico aos seus preceitos fundamentais (compatibilidade vertical). Dessa forma, após esgotados todos os recursos interpretativos passíveis de compatibilizar o objeto de controle (lei em sentido amplo) com o seu respectivo parâmetro (Constituição), o controle de constitucionalidade busca restabelecer a unidade constitucional ameaçada, tendo em conta sempre a supremacia, a eficácia e a rigidez da Constituição. Ao fim e ao cabo, invalidada a norma e afastada a inconstitucionalidade verificada, mantém-se hígida a estrutura fundante do ordenamento jurídico.

Mas a utilização do referido mecanismo gera repercussões importantes não apenas no mundo das ideias e das teses jurídicas, mas igualmente e principalmente no mundo dos fatos, sendo certo que a invalidação de determinado ato norma-tivo nem sempre possibilita, sem prejuízo às partes envolvidas ou ao grupo ou à categoria destinatários da norma, o restabelecimento das situações jurídicas anteriores ou das posições de vantagem antes existentes (status quo ante).

Assim, os próprios órgãos jurisdicionais encarregados do controle de constitucionalidade, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF), no ordenamento jurídico pátrio, passaram a adotar fórmulas destinadas a conformar as decisões produzidas no âmbito do controle de constitucionalidade (e a consequente invalidação de normas que daí decorre) com a realidade fática derivada da atuação da norma jurídica antes considerada válida, considerando especialmente os atos já definitivamente consolidados sob a égide de tais normas. No ordenamento brasileiro, tal procedimento deu-se inicialmente por criação e atuação jurisprudenciais, passando, posterior-mente, a ser regulamentada por leis específicas.

A fim de que se possa bem compreender em que medida se dá a “conformação” antes referida entre as decisões em controle abstrato e a realidade fática a que elas se referem, faz-se necessário delimitar, de um lado, o regime geral de invalidação dos atos considerados inconstitucionais, e, de outro lado, os efeitos das decisões proferidas nas ações diretas de controle de constitucionalidade, para, a partir daí, tratarmos do procedimento da modulação de efeitos e das suas repercussões no ordenamento jurídico.

1. O regime de invalidação dos atos considerados inconstitucionais

A respeito do regime de invalidação dos atos considerados inconstitucionais, a doutrina (BERNARDES; FERREIRA. 2017, p. 313/314) descreve as teses (I) da nulidade, (II) da anulabilidade, e (III) da declaração de simples incompatibili-dade (inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade).

Por aplicação da tese da nulidade, o órgão responsável pelo controle de constitucionalidade apenas declara um vício preexistente. A sentença proferida pelo órgão jurisdicional é

Page 182

de natureza declaratória da nulidade do ato, não se podendo, pois, atribuir eficácia jurídica e consequências válidas ao ato eivado de inconstitucionalidade, uma vez que a invalidade do preceito atinge o seu mais alto grau. Disso decorre que os efeitos da decisão ora referida são retroativos ou ex tunc, ou seja, passíveis de alcançar a totalidade das consequências jurídicas do ato.

Esse é o regime geral aplicado à depreciação da inconstitucionalidade e adotado originalmente pelo ordenamento jurídico norte-americano desde o julgamento, em 1803, do caso Marbury vs. Madison1, no qual se assentou que a lei inconstitucional sempre é nula. Tal regime é também adotado no Brasil, sendo aqui concebido na qualidade de princípio constitucional implícito.

Pela tese da anulabilidade, não se tem a declaração de uma nulidade já existente, mas sim a cassação do ato inconstitucional a contar do dia da promulgação da decisão por parte da Corte Constitucional. Considera-se o ato apenas anulável, e não nulo, de modo que a eficácia da decisão que reconhece a inconstitucionalidade, de regra, não atinge os efeitos jurídicos do ato anulado. Configura-se, em tal situação, a denominada eficácia ex nunc (“daí para a frente” ou “desde agora”, em livre tradução da expressão latina).

Trata-se do sistema adotado originalmente no ordenamento austríaco, tendo Hans Kelsen (1881-1973) como um de seus grandes precursores. Dos seus estudos a respeito do tema, adveio ainda a ideia de que a tese da anulabilidade poderia comportar efeitos somente a partir de data futura (pro futuro), a ser eleita pelo operador do direito, momento a partir do qual a sanção decorrente do ato anulado passaria a ser aplicada.

Em países como o Brasil, que adotam a nulidade como regra geral, a tese da anulabilidade vem sendo adotada de modo subsidiário com crescente frequência, em razão da complexidade das questões levadas à análise da jurisdição constitucional. Por aqui, a tese da anulabilidade encontra previsão expressa de aplicabilidade, consoante disposto nos arts. 27 da Lei n. 9.9682 e 11 da Lei n. 9.8823, ambas de 1999, n. 9.868/1999, julgou procedentes as ações diretas, e, por maioria, decidiu não pronunciar a nulidade dos atos impugnados, mantendo a sua vigência pelo prazo de 24 meses, dentro do qual poderia o legislador estadual, em cada caso, reapreciar o tema, tendo como base os parâmetros da lei complementar federal a ser promulgada pelo Congresso Nacional.

que preveem a modulação dos efeitos temporais da decisão do STF que declara a inconstitucionalidade no bojo das ações de controle abstrato.

É certo, porém, que muito tempo antes da referida previsão explícita contida nas leis de 1999, o Supremo Tribunal Federal, em controle concreto, já excepcionava os efeitos ex tunc típicos da teoria da nulidade dos atos inconstitucionais, a exemplo dos Recursos Extraordinários (REs) 78.209-SP, 79.628-SP e 122.202-MG, este último já na vigência da Constituição Federal de 1988.

A tese da declaração de simples incompatibilidade (inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade), por seu turno, estatui que, não obstante reconhecida a inconstitucionalidade de determinado preceito, deixa-se de aplicar o regime das sanções pertinentes à declaração de invalidade, ou seja, não se pronuncia nulidade ou anulabilidade da norma ou do ato impugnado, mantendo-se quase que em sua totalidade os efeitos jurídicos do ato considerado inconstitucional. Isso se dá em face do reconhecimento de que a declaração de nulidade ou de anulabilidade acabaria por trazer consequências danosas aos respectivos beneficiários, agravando ainda mais o estado de desconformidade inconstitucional e não logrando eliminar os percalços da insuficiência da norma (no caso das omissões parciais) ou da discriminação indevida (no caso de omissões relativas).

Cuida-se de produto da jurisprudência alemã, que, ao aplicar a teoria, entende possível a sua incidência, ainda, nos casos de inconstitucionalidade progressiva (situações constitucionais imperfeitas), situação em que o ato é considerado “ainda constitucional”, em razão da necessidade concreta de mantê-lo eficaz, de modo total ou parcial, enquanto aguarda-se determinado lapso temporal ou mesmo o implemento de uma condição futura.

Com a inovação contida nos arts. 27 da Lei n. 9.868/1999 e 11 da Lei n. 9.882/1999, possibilitou-se de modo expresso a aplicação da tese da simples incompatibilidade em casos excepcionais no âmbito do controle abstrato de constitucionali-dade, a exemplo das ADIs 3.489/SC e 2.240/BA4.

Page 183

2. Efeitos das decisões de mérito proferidas no âmbito das ações diretas de controle de constitucionalidade (adi e adc) atenuação por força da técnica da modulação de efeitos

Com relação ao controle de constitucionalidade de atos comissivos e das principais ações diretas (ADI – ação direta de inconstitucionalidade – e ADC – ação declaratória de constitucionalidade) que lhe servem de instrumento5, as decisões finais de mérito proferidas em tais ações apresentam efeitos ordinários e também extraordinários. (BERNARDES; FERREIRA. 2017, p. 476/505)

Quanto aos efeitos ordinários, é certo que, regra geral, a eficácia das decisões proferidas no controle abstrato (sentenças finais e liminares) tem início com a publicação da ata de julgamento do Diário da Justiça da União. Assim, transcorrido o prazo para a interposição de embargos de declaração, as decisões finais aqui referidas transitam em julgado e fazem (a) coisa julgada, tornando-se irrecorríveis. A partir daí, a questão decidida não mais pode ser debatida, nem mesmo por ação rescisória.

O STF consagrou, portanto, entendimento no sentido de ser inadmissível a rescisão dos julgados proferidos em processos objetivos (AR 878/SP e AgRg na AR 1.365/BA). Dessa forma, por razões de segurança jurídica, o julgamento definitivo de mérito nessas ações e a coisa julgada ali formada não podem ser rescindidos6, o que encontra previsão expressa, inclusive, nos arts. 26 da Lei n. 9.868/1999, e 12 da Lei n. 9.882/1999 (ADPF).

Outro efeito ordinário previsto é (b) o ex tunc, tendo em vista que, no ordenamento pátrio, a regra é a adoção da tese da nulidade do ato inconstitucional. Assim, a decisão final do controle abstrato possui efeitos retroativos, de modo que o ato é...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT