Monismo jurídico: entrave estatal à efetivação dos direitos humanos dos povos indígenas

AutorAlessandra Matos Portela
CargoUniversidade de Tiradentes (UNIT), Aracaju, SE, Brasil. (Doutora em Direito)
Páginas15-36
MONISMO JURÍDICO: ENTRAVE ESTATAL À
EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DOS POVOS
INDÍGENAS
JURIDICAL MONISM: STATE IMPEDIMENT TO THE
EFFECTIVENESS OF HUMAN RIGHTS OF INDIGENOUS PEOPLES
Alessandra Matos PortelaI
I Universidade de
Tiradentes (UNIT),
Aracaju, SE, Brasil.
(Doutora em Direito).
E-mail: aleportella@
hotmail.com
Sumário: Introdução. 1 Quem são os Índios para o
Ordenamento Jurídico Pátrio. 2 Tratamento Jurídico dos
Povos Indígenas no Direito Brasileiro. 3 Tratamento
Jurídico dos Povos Indígenas no Direito Latino-Americano
e no Direito Internacional. 4 Monismo Estatal e o Problema
do Reconhecimento dos Sistemas Jurídicos Indígenas.
Conclusão. Referências.
Resumo: O Estado brasileiro, desde os primórdios, nunca
se preocupou com os direitos dos povos indígenas. A
mudança de paradigma nesta questão só começou a ser
alterada no início do século XX, mais precisamente em 1910,
quando foi assinado o Decreto 8.072, criando o Serviço
de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores
Nacionais (SPILTN), transformado em 1918 no Serviço
de Proteção ao Índio (SPI). A cidadania indígena, contudo,
nunca fora reconhecida. A mudança teve início apenas
a partir da Constituição Federal de 1988, a qual dedicou
um capítulo exclusivo para tutelar os direitos dos povos
indígenas. A partir desse marco legal, o Brasil assinou e
raticou decretos importantes no âmbito internacional, que
ampliaram os direitos desses povos com vistas a dar-lhes
dignidade. Porém, ainda hoje o Brasil se nega a reconhecer a
organização social ameríndia, seus sistemas jurídicos e suas
sociedades como autônomas, uma vez que adota em sua
matriz jurídico-constitucional o monismo jurídico.
Palavras-chave: Direitos dos Povos Indígenas. Cidadania
Indígena. Dignidade. Monismo Jurídico.
Abstract: The Brazilian State, from its earliest days, never
cared about the rights of indig enous peoples. The paradigm
shift in this issue only began to change at the beginning of
the 20th century, more precisely in 1910, when Decree 8,072
was signed, creating the Service of Protection to Indians and
Localization of National Workers (SPILTN), transformed
in 1918 into the Service of Protection to the Indian (SPI).
Indigenous citizenship, however, had never been recognized.
The change began only after the Federal Constitution of
1988, which dedicated an exclusive chapter to protect the
rights of indig enous peoples. From this legal landmark,
Brazil signed and ratied important decrees at international
level, which extended the rights of these peoples with sight
to giving them dignity. However, even today, Brazil refuses
Revista Direito e Justiça: Reexões Sociojurídicas
Santo Ângelo | v. 18 | n. 32 | p. 15-36 | set./dez. 2018 | DOI: http://dx.doi.org/10.31512/rdj.v18i32.2268
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1 INTRODUÇÃO
É curial o ostracismo vivido pelos povos indígenas no território
brasileiro desde o seu descobrimento pelos europeus. Considerados como
selvagens, foram relegados à condição de incapazes e despossuídos de
direitos, sendo as políticas públicas destinadas a esses agrupamentos
humanos consideradas como uma graça, um favor, tutelados quase em
grau de misericórdia.
Cidadania indígena era algo que não se mencionava, anal, os índios
enquanto incapazes e inimputáveis não podiam ser considerados cidadãos,
possuidores de direitos e prerrogativas frente ao Estado brasileiro. A
política destinada a eles era de cunho integracionista, sendo classicados
segundo o nível de interação com a “comunhão nacional”, variando de
isolados, leia-se sem integração alguma, até integrados, quando partícipes
dos valores morais, tradições, usos e costumes da sociedade dos ditos
civilizados, havendo um meio termo entre essas categorias denominadas
de “em integração”, consoante disposto no art. 4º do Estatuto do Índio,
ainda em vigor no Estado heterogêneo, multifacetado e plural como o
brasileiro.
Essa situação discriminatória só veio a ser modicada, ao menos,
em tese, no nal do século passado, quando minorias étnicas, religiosas,
de origem, raça, cor, gênero começaram a reivindicar seus lugares
de direito no Estado multicultural e multiétnico brasileiro. Políticas
públicas começaram a ser criadas para esses grupos de excluídos, sendo a
um marco histórico nesse sentido.
O maior entrave, entretanto, hodiernamente, continua sendo a
matriz constitucional do monismo jurídico adotado pelo ordenamento
jurídico pátrio. Isso porque impede o reconhecimento da soberania das
nações indígenas em território nacional, apesar de as mesmas serem,
de fato, sociedades à parte, constituídas por cosmologias díspares,
dissonantes do resto da comunidade nacional. Seus sistemas de valores,
normativos, tradições, línguas, usos e costumes destoam substancialmente
da denominada “comunhão nacional”.
O monismo jurídico acaba sendo, nesse diapasão, um entrave
à concretização dos direitos fundamentais dos povos indígenas no
to recognize Amerindian social organization, its legal
systems and its societies as autonomous, since it adopts
juridical monism in its legal-constitutional matrix.
Keywords: Rights of Indig enous Peoples. Indigenous
Citizenship. Dignity. Juridical Monism.

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