A monocultura do eucalipto na Bahia: um retrato da apropriação privada da natureza

AutorMaicon Leopoldino de Andrade - Gilca Garcia de Oliveira
CargoPossui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal da Paraíba (2000). Engenheiro Agrônomo do Centro de Estudos e Ação Social. Atua principalmente nos seguintes temas: Direito, Segurança Alimentar e Nutricional, Reforma Agrária, Agroecologia e Soberania Alimentar. Mestrando do Curso de Pós Graduação em Geografia da Universidade ...
Páginas109-141
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Cadernos do CEAS, Salvador, n. 237, p. 294-326, 2016
A MONOCULTURA DO EUCALIPTO NA BAHIA: UM RETRATO DA
APROPRIAÇÃO PRIVADA DA NATUREZA
The eucalypt monoculture in Bahia: a portrait of private appropriation of nature
Maicon Leopoldino de Andrade
Gilca Garcia de Oliveira
Resumo
Os primeiros plantios comerciais de eucalipto no Brasil remontam ao início do século XX, nos Estados
de São Paulo e Minas Gerais, no sentido de consolidar a incipiente indústria siderúrgica brasileira. A
base de expansão da eucaliptocultura no campo brasileiro foi impulsionada por diversos incentivos
fiscais com significativo apoio do Estado, visando à consolidação da atividade no Brasil. No caso da
Bahia, a porta de entrada da atividade da eucaliptocultura se deu no final da década de 1970 quando
investimentos vultosos no setor foram realizados na microrregião do litoral norte baiano, estimulados
pelo preço atrativo da celulose no mercado internacional e, sobretudo, pela proximidade do recém-criado
Polo Petroquímico de Camaçari, do Centro Industrial de Aratu (CIA) e da capital do Estado. Diante
desse cenário, este estudo apresenta a evolução e a expansão da eucaliptocultura no Brasil e, mais
especificamente, no Estado da Bahia.
Palavras-chave: eucaliptocultura, Bahia, produção do espaço
INTRODUÇÃO
As monoculturas agrícolas avançam rapidamente pelos campos baianos para a
produção de soja, algodão e celulose, dentre outros, especialmente, nas regiões Oeste, Sudoeste,
Sul e Extremo Sul. Essa transformação nos espaços agrário e agrícola não se deu de forma
isolada, mas fundamentalmente alicerçada numa estratégia de “desenvolvimento nacional”
orquestrada pelo aparato estatal, desde meados da década de 1960, onde a passagem de uma
Este artigo baseia-se na dissertação de Mestrado de Maicon Leopoldino de Andrade defendida no
PPGEO/UFBA intitulada A monocultura do eucalip to: conflitos socioambientais, resistencias e
enfrentamentos na região do sudoeste baiano”.
 Possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal da Paraíba (2000). Engenheiro
Agrônomo do Centro de Estudos e Ação Social. Atua principalmente nos seguintes te mas: Direito, Segurança
Alimentar e Nutricional, Reforma Agrária, Agroecologia e Soberania Alimentar. Mestrando do Curso de Pós
Graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia e pertencente ao Grupo de Pesquisa Geografar. E-
mail: mleopoldinodeandrade@gmail.com
 Possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal de Lavras (1993) e doutorado em
Economia Rural pela Universidade Federal de Viçosa (2001). Atualmente é professora da Universidade Federal
da Bahia lecionando as disciplina Desenvolvimento Socioeconômico e Introdução às Teorias Econômicas. Atua
no Mestrado de Economia (CME/UFBA) e no Mestrado em Geografia (POSGEO/UFBA). Membro dos Grupos
de Pesquisa Projeto GeografAR e GEPODE nas áreas de Economia Agrária, Trabalho Escravo e
Desenvolvimento. E-mail: ggo@ufba.br
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economia agrário-exportadora para urbano-industrial destacou-se na reprodução das condições
da expansão capitalista no campo e na cidade (OLIVEIRA, 1972).
A farta concessão de créditos e subsídios seletivamente direcionados para o ramo do
setor agroflorestal, na década de 1970, buscou disseminar tecnologias e agregar valor no
emergente setor industrial, agravando não somente as relações sociais, mas também
consolidando uma apropriação privada do espaço por empresas multinacionais e nacionais no
campo brasileiro, como o caso da Veracel Celulose.
Tal realidade conflitiva, gerada pelas contradições entre a apropriação de terras pela
plantação industrial de árvores, fomentada pelo Estado, e a expropriação do trabalho camponês
expressam o cotidiano dos camponeses e das organizações e grupos sociais que lutam e resistem
para permanecerem e defenderem seus territórios.
Este estudo tem como objetivo principal apresentar a espacialização temporal da
eucaliptocultura no Brasil e, mais específicamente, no estado da Bahia como expressão do
domínio privado da natureza por grandes empreendimentos agrícolas.
Analisar e discutir este modelo de produção capitalista no campo nos remete
necessariamente à questão agrária brasileira, não como centralidade de análise desse trabalho,
mas para delimitar este tema como um problema anterior ao da eucaliptocultura que, neste caso,
reflete exemplarmente a forma como o espaço agrário vem sendo apropriado por empresas
transnacionais no Brasil e, sobretudo, com forte apoio do Estado. Esta apropriação da natureza
pelo capital agroflorestal, de acordo com Gonçalves (2004), revela um comprometimento à
biodiversidade, pois a monocultura simplifica o sistema produtivo, promovendo amplamente o
uso de uma matriz energética dependente de recursos naturais finitos, alheio ao manejo
equilibrado da natureza.
O eucalipto em seu habitat natural e em seu país de origem, Austrália, convive com
outras espécies de plantas e animais que, nesse caso, encontra-se num ambiente denominado de
floresta. Como premissa teórica fundamental, neste estudo não se adota o termo floresta
plantada, largamente utilizada pelas empresas plantadoras de eucalipto, que buscam com isso
amenizar os custos ambiental e social que esta atividade proporciona no campo brasileiro.
Nesse sentido, não se considera que essa atividade é uma floresta plantada, por
entender que floresta apresenta as seguintes características (WRM1, 2011):
1 World Rainforest Movement.
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a) diversidade de espécies vegetais de tamanhos e idades variadas;
b) grande variedade de espécies animais;
c) e, principalmente, pela capacidade de interação da atividade humana nesse
ambiente, onde se busca alimentos, sementes, água e outros bens e serviços que
uma floresta fornece para a sobrevivência humana.
Paralelamente, este trabalho não se alinha com o conceito construído pela Organização
Mundial das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO2), que há anos define a
floresta como “área medindo mais de 0,5 ha com árvores maiores que 5m de altura e cobertura
de copa superior a 10%, ou árvores capazes de alcançar estes parâmetros in situ (FAO, 2000
apud WRM, 2011, p.2). A importância da atividade de papel e celulose junto à FAO revela-se
pelas estreitas relações mantidas através de diversas assessorias, como por exemplo, a
Comissão Consultiva sobre Produtos de Papel e Madeira (ACPWP3), que incorpora executivos
da indústria de papel e madeira (WRM, 2011). Essa Comissão mantém encontros regulares
buscando oferecer direção política e cnica ao Departamento de Silvicultura da FAO
justificando interesses em esforços com vistas ao desenvolvimento sustentável.
De todo o modo, a eucaliptocultura se torna uma atividade agrícola como qualquer
outra, visando a fins comerciais e, nesse caso, a forma de manejo e plantio trazidos para as
Américas e para o resto do mundo têm sido nos moldes do monocultivo, com extensas áreas de
plantio, utilização de maquinarias e insumos químicos, com vistas a maior produtividade.
A partir desses argumentos, utiliza-se o termo eucaliptocultura por entender que se
trata de uma atividade comercial agrícola, reafirmando o eucalipto como monocultura nos
moldes do setor de plantação industrial de árvores e não como atividade florestal.
Concomitante e contraditoriamente, esse modelo de produção, apesar do discurso
propalado de desenvolvimentista, de sustentabilidade ambiental e de geração de divisas,
carrega, em si, conflitos socioambientais relevantes.
2 Food and Agriculture of the United Nations.
3 Advisor Committee on Paper and Wood Products.

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