Morte digna na Índia: análise do caso Aruna Ramchandra Shanbaug

AutorLuciana Dadalto e Úrsula Bueno do Prado Guirro
Ocupação do AutorDoutora em Ciências da Saúde pela faculdade de Medicina da UFMG/Doutora e Mestre em Medicina pela Universidade de Federal do Paraná
Páginas147-162
MORTE DIGNA NA ÍNDIA:
ANÁLISE DO CASO ARUNA RAMCHANDRA SHANBAUG
Luciana Dadalto
Doutora em Ciências da Saúde pela faculdade de Medicina da UFMG. Mestre em
Direito Privado pela PUCMinas. Professora Universitária. Sócia da Luciana Dadalto
Sociedade de Advogados. Administradora do portal www.testamentovital.com.br.
Úrsula Bueno do Prado Guirro
Doutora e Mestre em Medicina pela Universidade de Federal do Paraná. Professora
Adjunta do Curso de Medicina na Universidade Federal do Paraná.
Sumário: 1. Relato do caso – 2. O ponto de partida – 3. Suspensão de terapias de manutenção
da vida – 4. Diretivas antecipadas de vontade – 5. Tomada de decisão em m de vida por
terceiro – 6. Considerações nais – 7. Referências.
1. RELATO DO CASO
Em 27 de novembro de 1973, Aruna Ramachandra Shanbaug, 25 anos, enfer-
meira no King Edward Memorial (KEM) Hospital, em Mumbai-Índia, foi atacada
dentro de seu local de trabalho por um assistente de limpeza do hospital. Ele envol-
veu uma corrente ao redor do pescoço de Aruna e a golpeou-a no crânio, torcendo a
corrente para imobilizá-la enquanto a sodomizava. No dia seguinte, às 07h45, outro
funcionário da limpeza encontrou-a ensanguentada e inconsciente.
O neurologista do hospital diagnosticou uma lesão irreversível no tronco cere-
bral com lesão associada ao córtex e Aruna permaneceu sob os cuidados dos médicos
do KEM Hospital até 18 de maio de 2015, tendo como causa do óbito complicações
decorrentes de uma pneumonia.
Ocorre que em 2009, a jornalista e ativista Pinki Virani ajuizou uma ação na
Suprema Corte indiana, alegando ser amiga próxima da paciente, pedindo que
suspendessem a alimentação da paciente e a deixassem “morrer em paz”. Virani
embasou seu pedido no suposto estado vegetativo persistente (EVP) da paciente,
alegando que:
Ela é peso-pena e seus ossos frágeis podem quebrar se sua mão ou perna for colocada sob seu
corpo. Ela parou de menstruar e sua pele agora é como papel machê esticado sobre um esqueleto.
Ela é propensa a ter escaras. Seus pulsos são torcidos para dentro. Seus dentes se deteriorado
causando dor imensa. Ela só sobrevive porque é alimentada por via oral com comida triturada,
Morte Digna nos Tribunais.indb 147Morte Digna nos Tribunais.indb 147 11/05/2020 16:41:5611/05/2020 16:41:56
LUCIANA DADALTO E ÚRSULA BUENO DO PRADO GUIRRO
148
mas não é capaz de mastigar ou provar qualquer alimento. Ela não consegue engolir nem alimen-
tos líquidos, portanto, conclui-se que a comida desce pelo tubo digestivo sem qualquer esforço
voluntário da paciente. No entanto, apesar de ser alimentada, é praticamente um esqueleto. Suas
urina e fezes caem diretamente na cama, e, de vez em quando, a equipe do hospital faz a limpeza,
mas em pouco tempo a sujeira retorna. Nenhum parâmetro permite armar que Aruna é uma
pessoa viva e o feixo de vida que ainda paira sobre ela dá-se por causa dos alimentos triturados
que são colocados em sua boca, mas esse feixo é desprovido de qualquer elemento humano.
Não há qualquer possibilidade de melhoria de sua condição e seu corpo vive em uma cama no
KEM Hospital como um animal morto, e essa tem sido a situação de Aruna nos últimos 36 anos.1
O referido pedido foi arquivado pela Suprema Corte indiana ainda no ano de
2009 sob a alegação de que a paciente aceita comida e responde a comandos fazendo
sons; e reexaminado em janeiro de 2011.
Nessa ocasião, a Suprema Corte af‌irmou que
Poderíamos ter rejeitado esta petição pelo breve entendimento que, nos termos do artigo 32 da
Constituição indiana, o peticionário deve provar a violação de um direito fundamental e, no caso
Gian Kaur vs. Estado de Punjab, 1996 (2) SCC 648, cou decidido que o direito à vida garantido
pela Constituição não inclui o direito de morrer. Portanto, a peticionária desta ação não mostrou
qualquer violação a direitos fundamentais da paciente. Contudo, tendo em vista a importância
das questões envolvidas, decidimos aprofundar o mérito desse caso.2
Interessante notar que no primeiro parágrafo do acórdão af‌irmam que se sen-
tem “como um navio em um mar inexplorado, buscando alguma orientação na luz
lançada pelas normas e decisões judiciais de países estrangeiros, assim como pelas
1. She is featherweight, and her brittle bones could break if her hand or leg are awkwardly caught, even
accidentally, under her lighter body. She has stopped menstruating and her skin is now like papier mache’
stretched over a skeleton. She is prone to bed sores. Her wrists are twisted inwards. Her teeth had decayed
causing her immense pain. She can only be given mashed food, on which she survives. It is alleged that
Aruna Ramachandra Shanbaug is in a persistent negetative state (p.v.s.) and virtually a dead person and has
no state of awareness, and her brain is virtually dead. She can neither see, nor hear anything nor can she
express herself or communicate, in any manner whatsoever. Mashed food is put in her mouth, she is not
able to chew or taste any food. She is not even aware that food has been put in her mouth. She is not able
to swallow any liquid food, which shows that the food goes down on its own and not because of any effort
on her part. The process of digestion goes on in this way as the mashed food passes through her system.
However, Aruna is virtually a skeleton. Her excreta and the urine is discharged on the bed itself. Once in
a while she is cleaned up but in a short while again she goes back into the same sub-human condition.
Judged by any parameter, Aruna cannot be said to be a living person and it is only on account of mashed
food which is put into her mouth that there is a facade of life which is totally devoid of any human element.
It is alleged that there is not the slightest possibility of any improvement in her condition and her body lies
on the bed in the KEM Hospital, Mumbai like a dead animal, and this has been the position for the last 36
years. The prayer of the petitioner is that the respondents be directed to stop feeding Aruna, and let her
die peacefully.
2. We could have dismissed this petition on the short ground that under Article 32 of the Constitution of
India (unlike Article 226) the petitioner has to prove violation of a fundamental right, and it has been held
by the Constitution Bench decision of this Court in Gian Kaur vs. State of Punjab, 1996(2) SCC 648 (vide
paragraphs 22 and 23) that the right to life guaranteed by Article 21 of the Constitution does not include
the right to die. Hence the petitioner has not shown violation of any of her fundamental rights. However,
in view of the importance of the issues involved we decided to go deeper into the merits of the case.
Morte Digna nos Tribunais.indb 148Morte Digna nos Tribunais.indb 148 11/05/2020 16:41:5611/05/2020 16:41:56

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT