A sociedade, suas mudanças e seus conflitos. A intervenção estatal e o seu papel dentro da sociedade como garantidor de um sistema

AutorLeandro Niedzwiecki; Célio Roberto Corri
Páginas2-12

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1 Introdução

A solidariedade mecânica consistia na semelhança dentro de uma sociedade cujos membros desta compartilhavam em sua maioria dos mesmos pensamentos e sentimentos, aderiam as mesmas ideias, respeitavam os mesmos valores.12 A igualdade era soberana entre eles e a personalidade coletiva era imposta sobre as individualidades.

A solidariedade mecânica perde forças com o crescimento das populações e a consciência do coletivo, somada ao pelo progresso industrial e de novas tecnologias que surgiam, criam um novo perfil de sociedade que busca individualmente sua ascensão. Se na solidariedade anterior a igualdade era o centro, aqui o individualismo é o foco. Cada um desempenha seu papel sozinho. A busca de crescimento e liberdade também individual fortalece a solidariedade orgânica e a divisão do trabalho o conceitua dentro da sociedade.

A industrialização muito importante, a Globalização também. Esta última, até então um fenômeno sem grande relevância mas ganha forças e evidencia um novo padrão de sociedade. Se a priori existe uma ideia de integração mundial na prática ela também separa, pois e cria lacunas entre as camadas sociais, evidenciando assim diferenças.

Estas disparidades causam aos Estados problemas de ordem social que acabam por atingir, ferindo aos direitos individuais e coletivos, seja no acesso a esses direitos ou mesmo na quanto a resolução dos litígios levados ao Estado.

2 A evolução das sociedades: solidariedade mecânica

A evolução da sociedade primitiva denotou um cenário até então desprovido de funções inerentes ao Estado, ou seja, a inexistência de poder coercitivo desde os primórdios até então.3 A criação, quase que instintiva da integração social nos remete a solidariedade mecânica, denominada assim por Émile DURKHEIM. Tida como sociedade pré-capitalista, esta contava com membros que em sua maioria tinham como Page 3 foco a família, a religião e suas tradições. Enfim, primavam pelo senso comum, como nos explica SELL através da frase, "... indivíduos vivem em comum porque partilham de uma "consciência coletiva comum."4, ou seja, coloca-se como bem maior os interesses do grupo, acima do bem pessoal. Nesse regime predomina e vigora um direito repressivo, direito esse que por característica tem a forma de punição quanto a transgressões efetuadas por algum membro de sua sociedade, punições estas que se faziam necessárias para servir de exemplo para aos outros indivíduos, isso é claramente observado com a passagem que propõe SELL.

Logo, não são admitidas transgressões nas condutas individuais: os transgressores são punidos para mostrar aos outros membros do grupo o quanto custa desviar-se das regras coletivas. É neste sentido que o direito repressivo é um indicador bastante seguro do predomínio da consciência coletiva sobre a conduta dos indivíduos, indicando que se trata de uma sociedade de solidariedade mecânica 5 .

Podemos ainda verificar através de DURKHEIM, quando o mesmo se refere a essa coerção como um controle social, imposta à sociedade em geral.

O controle social é "o processo pelo qual uma sociedade ou grupo procura assegurar a obediência de seus membros por meio de padrões de comportamento existentes". "Conjunto de meios utilizados pelos grupos e sociedades a fim de obterem a conformidade de seus membros aos valores e padrões estabelecidos". O controle social existe em função da manutenção da organização social. Esta se impõe ao indivíduo de uma maneira mais ou menos rígida, coativa. Já Durkheim considerava a coerção social como um dos processos básicos da vida social6.

Esse poder coercitivo pode ser mais bem compreendido por meio de nossa própria história, quando retomamos passagens da inconfidência Mineira, por exemplo, onde Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes), após ser punido com a morte foi esquartejado e exposto em praça pública, para que assim servisse de exemplo a outros membros da sociedade quanto a punição que poderiam sofrer caso frustrassem as expectativas da sociedade e as regras existentes daquele tempo, e esse tipo de coerção empreendido pelo estado não era ilegal.

Estas sociedades de solidariedade mecânica são tidas como sociedades segmentadas, uma vez que são isoladas e portadoras de vida própria. O crescimento de um indivíduo não implica no crescimento do grupo, mas sim a divisão deste, formando assim um novo grupo, que faria repetições do grupo originário. Estes mesmos grupos com o passar do tempo sofrem mutações, evoluem, aumentam e fazem surgir a divisão social do trabalho. Tratada por DURKHEIM em sua obra "De la division du travail Page 4 social"7, o autor afirma que a sociedade necessita de três fatores para obter um crescimento suficiente para essa evolução, estas são: volume, densidade material e densidade moral. Com este crescimento os indivíduos passaram a obter especializações de suas funções, passando por um processo denominado por DURKHEIM como solidariedade orgânica8.

3 O início da organização: solidariedade orgânica

Na solidariedade orgânica, cada indivíduo desempenha um papel específico, voltado para resultados individuais, ou seja, cada um desempenha seu papel sozinho e a divisão do trabalho o conceitua dentro da sociedade. Porém com um direcionamento para um bem maior, mesmo sem ter ele qualquer tipo de simpatia pela sociedade em questão.

A "divisão social do trabalho" é um dos fatores mais poderosos da coesão das sociedades civilizadas. Durkheim compara estas a organismo, em que cada órgão desempenha funções específicas que só têm sentido num contexto total, e chama de solidariedade orgânica esta modalidade de coesão social, em relação à qual afirma que se torna gradativamente mais importante, à medida que aumenta a complexidade da vida social. É pois, uma solidariedade de fato, decorrente, diretamente, dos interesse individuais e dispensando qualquer ligação emotiva entre indivíduo e sociedade9.

Os indivíduos procuram sempre por melhores condições próprias, por exemplo, um indivíduo não se torna empresário apenas por prazer ou por vontade de ajudar outras pessoas quando cria novos postos de empregos, ou mesmo para contribuir no desenvolvimento de sua sociedade, procuram sim um desenvolvimento pessoal que lhe traga mais riqueza, e satisfação, porém mesmo sem vontade e involuntariamente acaba por trazer desenvolvimento para o meio onde vive.

Essa mudança, com a característica de divisão do trabalho não começou intencionalmente, aconteceu sim, por simples evolução. Nas sociedades mecânicas algumas tidas como tribos, os homens saiam para caçar, pescar, faziam pratica da agricultura enquanto as mulheres ficavam em casa com os filhos. Com o passar do tempo percebeu-se que alguns tinham melhores aptidões que outros, e assim começaram a fazer divisão, quem caçava melhor dedicava-se a caça, quem pescava melhor ficava inteiramente dedicado a pesca, dando inicio a divisão do trabalho. Porém essa visão de individualista não nasceu a partir do comum e sim o contrário conforme DURKHEIM, "A vida coletiva não nasceu da vida individual mas, pelo contrário, foi a segunda que nasceu da primeira. É só com esta condição que se pode explicar como é que a Page 5 individualidade pessoal das unidades sociais pode formar-se e crescer sem desagregar a sociedade."10.

Observamos isso com grande clareza na revolução industrial, onde empresários começaram a montar linhas de produções, e cada individuo era responsável por uma parte do produto, um colocava o parafuso, outro a porca; ou seja, uma divisão do trabalho estabelecida e com regras. As pessoas tendem a realizar tarefas deste modo para minimizar esforços e atingir um fim comum, logicamente que todos que compunham este grupo devem obedecer a regras ou ordens de um indivíduo superior.

Os homens cooperam, assim, para atingir determinados fins, mas também, para objetivos mais gerais e amplos. Atribuir a cada qual determinados papéis e definir os limites dos seus poderes no desempenho deles, requer consenso entre todos ou, pelo menos, numa maioria capaz de impor o seu pensamento aos demais e exige, ainda, que este consenso se manifeste por medidas que assegurem a observância de papéis e limites. Em outras palavras: a cooperação ordenadora é "pré-requisito" da divisão social do trabalho11.

O fato de as pessoas terem tarefas a serem executadas e regras a cumprir acarreta um fato que até o surgimento da solidariedade orgânica não existia. Trata-se da criação do Estado que deu-se pela necessidade da aplicação de regras estabelecidas, pela vigilância ou mesmo pelas punições daqueles que ignorassem tais regras, com único objetivo, o bom funcionamento da solidariedade orgânica. "A origem do Estado, baseada no contrato social foi defendida por Thomas HOBBES e por Jean Jacques ROUSSEAU"12, cada um...

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