O que está mudando nos arranjos de consumo do século XXI?

AutorMelissa Guimarães Castello
Ocupação do AutorProcuradora do Estado do Rio Grande do Sul
Páginas89-143
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2. O QUE ESTÁ MUDANDO NOS ARRANJOS
DE CONSUMO DO SÉCULO XXI?
Conforme indicado na Introdução, este livro pressupõe
que ocorreu uma mudança nos arranjos de consumo nos úl-
timos anos, mudança esta que é denominada, para fins didá-
ticos, de alteração dos arranjos de consumo do século XXI,400
ainda que não haja uma correlação direta e imediata entre
a virada do século e o processo de mudança nos padrões de
consumo. No presente capítulo, o estudo desta mudança será
feito sob uma perspectiva econômica – e não sociológica, de
marketing ou antropológica – pois o interesse está nas altera-
ções de valor e de forma de aquisição que alguns bens estão
sofrendo, em virtude das novas relações de consumo.
A nova forma de consumir está intrinsecamente relacio-
nada à chamada economia digital, com progressiva virtuali-
zação dos bens de consumo e com a aceleração do tráfego de
400. Em sentido semelhante, Ingo Sarlet e Carlos Molinaro falam nas “revoluções
tecnológicas do século XXI, que se assentam em domínios transversalmente inova-
dores, segundo os autores. (SARLET, Ingo Wolfgang; e MOLINARO, Carlos Alber-
to. Sociedade da Informação – Inquietudes e Desafios. Revista de Estudos e Pesqui-
sas Avançadas do Terceiro Setor. Brasília, v. 4, n. 1, p. 462, jan-jun/2017). São
precisamente estas revoluções tecnológicas que estão transformando os arranjos de
consumo. Vide também: CORREIA NETO, Celso de Barros; AFONSO, José Rober-
to R.; FUCK, Luciano Felício. Desafios Tributários na Era Digital. In: AFONSO,
José Roberto R.; SANTANA, Hadassah Laís. Tributação 4.0 [recurso eletrônico],
SP: Almedina, 2020. p. 25.
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UM NOVO IVA?
OS TRIBUTOS SOBRE O CONSUMO E A ECONOMIA DIGITAL
ideias, que “viajam pelo mundo na velocidade da Internet”,
para utilizar a expressão de Kaplan.401 Não só as ideias, mas
também as mercadorias físicas “viajam pelo mundo” em uma
escala crescente no século XXI, dado o incremento das pe-
quenas importações, seja importações realizadas por peque-
nos e médios empresários, que antes não costumavam ter
acesso direto aos fornecedores de mercadorias em outros paí-
ses, seja compras internacionais realizadas diretamente pelo
consumidor final.
A mensuração do comércio eletrônico global, tanto na
variável B2B, quanto na B2C, ainda esbarra em dificuldades
estatísticas. Contudo, há um projeto sendo desenvolvido em
conjunto pela OCDE, pela Organização Mundial do Comércio
(OMC) e pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio
e Desenvolvimento (UNCTAD) para medir este comércio, com
relatórios preliminares já apresentados.402 Com base nesses
estudos, antes da pandemia de COVID-19, estimava-se que
as vendas internacionais on-line, para consumidores finais,
401. KAPLAN, Saul. Business model innovation factory: how to stay relevant when
the world is changing. Hoboken: John Wiley & Sons, 2012, p. xiii.
402. Vide, entre outros, ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION
AND DEVELOPMENT (OCDE). Result of the 2018 WPTGS Stocktaking Question-
naire. 28 fev. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3yC9Pc5 Acesso em: 04 jun. 2018;
ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT
(OCDE). Handbook on Measuring Digital Trade – Version 1 (OECD, WTO and IMF).
2020. Disponível em: https://bit.ly/3qTVFk6 Acesso em: 22 abr. 2020. No relatório da
UNCTAD de abril de 2016, a organização apresentou dados compilados por alguns
países e por algumas empresas de comércio eletrônico global, que apontavam uma
tendência de crescimento desta modalidade de consumo. Contudo, os autores do
relatório concluíram que não era claro se o comércio eletrônico internacional cres-
ceria no ritmo estimado em estudos anteriores, por duas razões: 1) devido à estraté-
gia de algumas empresas multinacionais, que passaram a abrir estabelecimentos
nos países de residência de seus consumidores, deixando de efetuar uma exporta-
ção B2C; e 2) devido ao incremento na competitividade das empresas de comércio
eletrônico nacionais, que reduziram seus preços para evitar a concorrência estran-
geira (UNITED NATIONS Conference on Trade and Development. Technical Notes
on ICT for Development n. 6 - In search of cross-border e-commerce trade data. Abr-
2016. Disponível em: https://bit.ly/3hpDT4U Acesso em: 04 jun. 2018, p. 22).
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MELISSA GUIMARÃES CASTELLO
importavam na circulação de dois trilhões de dólares, poden-
do chegar a quatro trilhões e meio de dólares em 2021.403
Com dados mais recentes, e evidenciando as dificulda-
des de mensuração deste setor, a UNCTAD concluiu que o
comércio eletrônico como um todo, nas variáveis B2B e B2C,
alcançou U$ 26,7 trilhões em 2019,404 dos quais U$ 440 bilhões
seriam de importações por consumidor final.405 Além disso, a
pandemia teve um impacto grande na representatividade do
comércio eletrônico sobre o total de vendas. Os dados prelimi-
nares da UNCTAD indicam que, de 2019 para 2020, as vendas
a varejo efetuadas on-line subiram de 16% para 19% do total
de vendas a varejo.406
Em paralelo, e também como consequência da veloci-
dade com que os arranjos de consumo estão mudando, virou
lugar-comum falar em “exponencialidade”,407 e na crescente
rapidez com que produtos e modelos de negócio se tornam
ultrapassados. Nesse sentido, Kaplan afirma que o grande
objetivo dos empreendedores, hoje, deve ser evitar se tornar
netflixed”, em uma alusão à morte das videolocadoras devi-
403. ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT
(OCDE). The Role of Digital Platforms in the Collection of VAT/GST on Online Sales.
Paris: OECD, 2019, p. 12.
404. UNITED NATIONS Conference on Trade and Development. UNCTAD Techni-
cal Notes on ICT for Development nº 18 – Estimates of Global E-Commerce 2019 and
Preliminary Assessment of Covid-19 Impact on Online Retail 2020. Disponível em:
https://bit.ly/3AC7xvz Acesso em: 28 maio 2021, p. 5.
405. Ibid. p. 6.
406. Ibid. p. 2. A OCDE tem dados semelhantes, mas o estudo foi restrito aos seus
estados-membros (ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND
DEVELOPMENT (OCDE). E-commerce in the time of COVID-19. 07 out. 2020. Dis-
ponível em: https://bit.ly/3hsX1Pq Acesso em: 28 maio 2021).
407. BRYNJOLFSSON e McAFEE trazem uma boa explicação do crescimento ex-
ponencial e da chamada “Lei de Moore” no livro Race Against the Machine – How
the Digital Revolution is Accelerating Innovation, Driving Productivity, and Irre-
versibly Transforming Employment and the Economy (EUA: Digital Frontier Press,
2011). Na mesma linha, vide: RIFKIN, Jeremy. Sociedade com Custo Marginal Zero
– A Internet das Coisas, os Bens Comuns Colaborativos e o Ecplipse do Capitalis-
mo. SP: M Books, 2016. p. 100-2.

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