Mulher, Estado e Revolucao - politica da familia Sovietica e da vida social entre 1917 e 1936 Wendy Goldman.

AutorVestena, Carolina Alves
CargoRESENHA

Como seria organizada uma sociedade em que as mulheres tivessem ampla liberdade sobre suas escolhas, sobre insercao no mercado de trabalho e em relacao a maternidade? Este era o projeto do governo bolchevique apos a Revolucao de Outubro. Lutou-se pela construcao de uma associacao de mulheres e homens baseada em quatro preceitos: uniao livre, emancipacao das mulheres, socializacao do trabalho domestico e definhamento da familia, como sistematiza Wendy Goldman, autora de Mulher, Estado e Revolucao, publicado pela editora Boitempo neste ano de 2014.

A autora nos apresenta um extenso trabalho baseado em fontes primarias de pesquisa, traduzidas dos originais da epoca, para reconstruir o contexto social e economico frente ao qual o novo projeto de sociedade comunista foi erguido na Russia. O trabalho de Goldman oferece subsidios para as pesquisas atuais nos campos da teoria critica, dos estudos marxistas e de genero e, tambem, para a teoria e sociologia do direito. Em sua reconstrucao historica, a autora mostra os projetos legislativos, as politicas institucionais e o conteudo ideologico que sintetizou um periodo de profundas transformacoes sociais, cujos efeitos diretos nao apenas foram sentidos na vida cotidiana das trabalhadoras e trabalhadores russos, mas se difundiram globalmente. Ate hoje, os estereotipos e a falsa ideia de unidade do chamado "socialismo real" como bloco monolitico stalinista e autoritario contribuem para a construcao do imaginario social a respeito das alternativas ao sistema capitalista. Sendo assim, conhecer as primeiras ideias do periodo bolchevique, desconstruir os mitos do "machismo comunista", observar os avancos legislativos propostos e seus limites, e por fim, compreender a virada ideologica conservadora do periodo estalinista sao desafios centrais para o aprofundamento teorico dos debates criticos e para a militancia por outros mundos possiveis.

A partir de temas centrais como o papel da mulher revolucionaria e os arranjos institucionais para a garantia de sua libertacao o livro levanta as seguintes questoes: e possivel que se crie total liberdade sexual para homens e mulheres? Em que condicoes tal cenario pode ser construido? O tema nao e recente e foi um dos pontos centrais dentre as reivindicacoes da Revolucao Russa. Para os bolcheviques, a constituicao de uma sociedade igualitaria perpassava preocupacoes relacionadas nao so ao trabalho, mas tambem a familia e aos papeis de genero reforcados nos seus meandros. Estes sao pontos umbilicalmente ligados, como se depreende da analise de Wendy Goldman,

Desde o primeiro capitulo, Goldman mostra que, naquele contexto, defendia-se um novo modo de vida, uma nova organizacao familiar e novas relacoes humanas que em geral dependiam da emancipacao das mulheres. Para isso, seria necessario problematizar a monogamia, a "escravidao do lar" e a divisao sexual do trabalho. A busca por um novo modelo de relacoes sociais nao se limitou ao campo discursivo. Foi ratificada pela legislacao da epoca: o Codigo do Casamento, da Familia e da Tutela (1918), regulamentacao que os juristas encaravam como transitoriamente necessaria. Entre outras coisas, a legislacao familiar mais progressiva que o mundo havia conhecido ate entao, aboliu o status legal inferior das mulheres, reformulou o carater da entidade familiar, separando-a do conceito de casamento, e prescreveu os direitos das criancas e dos jovens. Contudo, como frisou a autora, Kollontai - entre outras liderancas feministas do...

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