Mulheres e controle policial no Recife do início do século XX

AutorManuela Abath Valença - Marilia Montenegro Pessoa de Mello
CargoFeminismo. - Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Doutoranda em Direito pela Universidade Nacional de Brasília (UnB). Professora de Teoria Geral do Estado e Processo Penal da Universidade Federal e da Universidade Católica de Pernambuco. E-mail: manuelaabath@gmail.com - Mestre em Direito pela Universidade Federal de...
Páginas210-228
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Caderno s do CEAS, Salvador, n. 238, p. 659-677, 2016.
WOMEN AND POLICE CONTROL IN RECIFE AT THE BEGINNING OF THE
TWENTIETH CENTURY
Resumo
Como interpretar a atividade policial no início
do século? Que significado tinham essas
prisões? Quem era alvo do olhar policial?
Essas perguntas orientaram a elaboração desse
trabalho e, certamente ainda não estão
respondidas por completo. Procuramos,
entretanto, neste trabalho, lançar alguns
olhares interpretativos a partir da criminologia
crítica, da teoria feminista e do trabalho
empírico realizado com as prisões ocorridas no
ano de 1920 na cidade do Recife. Na primeira
parte deste trabalho, apresentaremos uma
discussão teórica sobre controle punitivo no
início do século XX, baseada nas leituras
foucaultianas sobre “ sociedade disciplinar” .
Embora a aplicabilidade dessa teoria em nossa
realidade não seja possível sem as devidas
críticas, a obra de Michel Foucault parece
bastante útil para interpretar como o sistema
penal seleciona um sujeito delinquente
específico, por ele construído. Em um segundo
momento, discutimos como o direito penal
tradicionalmente representou as mulheres e, a
partir daí, fazemos uma discussão sobre
controle punitivo sobre elas. Quem eram, no
início da era republicana, as mulheres
entendidas como criminosas? Partindo dessa
pergunta, chegamos à terceira etapa deste
trabalho, na qual procuramos interpretar as
prisões policiais realizadas no ano de 1920, no
Recife, atentando para o padrão de seleção por
ela utilizado.
Palavras-Chave: Controle Policial. Início do
século XX. Mulheres. Criminologia crítica.
Feminismo.
Manuela Abath Valença
Mestre em Direito pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), Doutoranda em Direito pela
Universidade Nacional de Brasília (UnB).
Professora de Teoria Geral do Estado e Processo
Penal da Universidade Federal e da Universidade
Católica de Pernambuco. E-mail:
manuelaabath@gmail.com
Marilia Montenegro Pessoa de Mello
Mestre em Direito pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), Doutora em Direito pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Professora de Criminologia e Direito Penal da
Universidade Federal e da Universidade Católica de
Pernambuco. E-mail:
marilia_montenegro@yahoo.com.br
INTRODUÇÃO
Uma mulher louca de nome ignora do, com a proximadamente
30 anos, solteira, branca, “do lar”, é presa como lou ca no dia
19 de setembro de 1920 e encaminhada cinco dia s depois ao
Hospital de Alienados de Recife. Mar ia Ba tista da Silva, 17
anos, solteira, parda , é presa como gatuna no dia 12 de
outubro de 1920 e liber ada no dia seguinte.
Essas duas narrativas foram retiradas do banco de dados construído a partir do livro
de registro de prisões realizadas em 1920 pela polícia de Pernambuco, na cidade do Recife. A
MULHERES E CONTROLE POLICIAL NO RECIFE DO INÍCIO DO
SÉCULO XX1
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Caderno s do CEAS, Salvador, n. 238, p. 659-677, 2016.
loucura e as ilegalidades populares eram os dois grandes motes para prender mulheres nas
ruas. Por falta de narrativas mais detalhadas nesses livros, sabemos muito pouco sobre o que
essas mulheres, de fato, estavam fazendo. Porém, para a polícia, eram desordeiras, gatunas,
embriagadas ou loucas. Raramente se encontra outro “motivo” indicado como determinante
para a prisão.
Como interpretar a atividade policial no início do século? Que significado tinham
essas prisões? Quem era alvo do olhar policial? Essas perguntas orientaram a elaboração
desse trabalho e, certamente ainda não estão respondidas por completo. Procuramos,
entretanto, neste trabalho, lançar alguns olhares interpretativos a partir da criminologia crítica,
da teoria feminista e do trabalho empírico realizado com as prisões ocorridas no ano de 1920
na cidade do Recife.
Na primeira parte deste trabalho, apresentaremos uma discussão teórica sobre
controle punitivo no início do século XX, baseada nas leituras foucaultianas sobre “sociedade
disciplinar”. Embora a aplicabilidade dessa teoria em nossa realidade não seja possível sem as
devidas críticas, a obra de Michel Foucault parece bastante útil para interpretar como o
sistema penal seleciona um sujeito delinquente específico, por ele construído.
Em um segundo momento, discutimos como o direito penal tradicionalmente
representou as mulheres e, a partir daí, fazemos uma discussão sobre controle punitivo sobre
elas. Sem dúvidas, conforme procuraremos demonstrar, as noções de honestidade e
desonestidade foram basilares para fazer funcionar as instâncias punitivas, seja no exercício
da “tutela” sobre as mulheres merecedoras da “proteção” penal, seja no de selecionar a mulher
criminosa. Quem eram, no início da era republicana, as mulheres entendidas como
criminosas?
Partindo dessa pergunta, chegamos à terceira etapa deste trabalho, na qual
procuramos interpretar as prisões policiais realizadas no ano de 1920, no Recife, atentando
para o padrão de seleção por ela utilizado.
DISCIPLINAS E CONTROLE POLICIAL NO INÍCIO DO SÉCULO XX CRIANDO A
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No século XIX, o movimento de trabalhadores das zonas rurais para os centros das
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