MULHERES NO FIO DA NAVALHA: FEMINICÍDIO, BARBÁRIE E PEDAGOGIA DA CRUELDADE

AutorRosária de Fatima de Sá Pereira da Silva
Páginas285-310
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GÊNERO | Niterói | v. 21 | n. 1 | p. 285-310 | 2. sem 2020
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MULHERES NO FIO DA NAVALHA: FEMINICÍDIO, BARBÁRIE E
PEDAGO GIA DA CRUEL DADE
Rosária de Fatima de Sá Pereira da Silva1
Resumo: Este artigo pretende elucidar o feminicídio enquanto um
fenômeno estrutural e atinente ao movimento histórico do capital, no qual
para sua compreensão, incorporaremos a análise, a partir dos seguintes
eixos: 1)Apresentação do debate conceitual sobre as relações de gênero e
violência; 2) Exame do processo de constituição do patriarcado moderno e
problematização e reconhecimento do feminicídio enquanto um fenômeno
sustentado pelo capitalismo e pelo patriarcado; 3) Análise dos dados sobre
mortalidade violenta de mulheres no Brasil.
Palavras-chave: Feminicídio; capitalismo; barbárie.
Abstract: This article intends to elucidate feminicide as a structural phenomenon
related to the historical movement of capital, in which, for its understanding, we
will incorporate the analysis from the following topics: 1) A conceptual debate
presentation on gender relations and violence; 2)An examination process of
the constitution of modern patriarchy, and problematization and recognition
of femicide as a phenomenon sustained by capitalism and patriarchy; 3) Data
analysis on women violent mortality in Brazil.
Keywords: Femicide; capitalism; barbarism.
1 Doutoranda e mestra em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: as.rosaria@gmail.com. Orcid: 0000-0001-8982-6711
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286GÊNERO | Niterói | v. 21 | n. 1 | p. 285-310 | 2. sem 2020
Introdução
Este artigo examina o feminicídio enquanto um fenômeno estrutural
que se aprofunda e se intensifica ao passo do desenvolvimento do padrão de
acumulação capitalista. Nos interessa compreender como esse desenvolvi-
mento se relaciona à mortalidade violenta das mulheres no Brasil enquanto
fenômeno sustentado historicamente pelo patriarcado e pelo capitalismo.
Para exame do feminicídio como fenômeno estrutural que reverbera
potencialmente na sociedade brasileira, consideramos preponderante
apreendê-lo a partir das categorias barbárie e pedagogia da crueldade, as
quais, em nossa concepção, têm relação nevrálgica para os estudos de vio-
lência de gênero.
Menegat (2007) considera a barbárie como um processo substancial-
mente inerente à sociedade contemporânea mundial, elucidada pelo autor
como “civilização burguesa plenamente realizada”. A barbárie simboliza a
forma social que apenas pode permanecer em existência na perspectiva em
que amplia o estado de devastação e destruição, num movimento direta-
mente vinculado à grande crise mundial, historicamente determinada pelo
desenvolvimento das forças produtivas. Nessa lógica, a história do desen-
volvimento capitalista e de suas crises produz situações destrutivas para a
humanidade. À medida que o capital se expande, gera expropriação, violên-
cia e reificação, impulsionando a sociedade à barbárie. Portanto, o sistema
em si insiste em funcionar balizado por essa ótica, mesmo que a humani-
dade e a natureza pereçam por sua causa (MENEGAT, 2007).
O sistema do capital, depois de perpassar uma era de crises cíclicas,
coloca-se diante de uma nova fase, intitulada “crise estrutural”, processo
no qual se caracteriza um contínuo período depressivo, consolidando-se
numa crise duradoura, sistêmica e estrutural, ao contrário dos períodos
que o conformaram ao longo de sua história, em que houve uma alter-
nância entre períodos de expansão e de crise. Os efeitos destrutivos dessa
crise estrutural se expressam diretamente nas condições de vida da classe
trabalhadora, na desregulamentação de seus direitos, na desorganização
política dos sujeitos coletivos, na criminalização dos movimentos sociais e
no aumento do endividamento dos trabalhadores. Trata-se de uma crise
forjada no esgotamento da forma-valor que resulta em efeitos devastado-
res para a humanidade, principalmente com relação ao mundo do trabalho,
com aprofundamento da desregulamentação dos direitos e da terceirização,

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