Multa coercitiva (astreintes) e indução de comportamento processual

AutorRodrigo Fux
Páginas267-283
MULTA COERCITIVA (ASTREINTES) E INDUÇÃO
DE COMPORTAMENTO PROCESSUAL
Rodrigo Fux
Doutorando e Mestre em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro – UERJ. Advogado. academia@fux.com.br.
1. INTRODUÇÃO
Não poderia iniciar este ensaio sem antes agradecer efusivamente ao Ministro
Marco Aurélio Bellizze, bem como aos Professores Aluisio Gonçalves de Castro
Mendes, Teresa Arruda Alvim e Trícia Navarro Xavier Cabral, que gentilmente
convidaram-me para tecer ref‌lexões a respeito da Execução e do Cumprimento de
Sentença à luz do Código de Processo Civil de 2015. Os insignes juristas têm sido
responsáveis por promover as mais frutíferas discussões contemporâneas a respeito do
Ordenamento Jurídico-Processual Brasileiro, de modo que qualquer solicitação deles
é, simultaneamente, motivo de grande felicidade e responsabilidade para este autor.
Este breve texto analisará a multa coercitiva, também chamada de astreinte, tal
qual prevista no artigo 5371 do Código de Processo Civil de 2015, especialmente sob
a ótica de sua função no Ordenamento Jurídico-Processual Brasileiro, ou seja, como
mecanismo indutor de comportamentos, que possui grande espaço de aplicação
quando se está diante de obrigações de fazer, não fazer e/ou dar.
Para isso, será necessário perquirir a função cumprida pelo instituto no Processo
Civil à luz do Código de Processo Civil de 2015, que trouxe visão singular e inovadora
da matéria, com especial abertura para a incorporação de deveres de cooperação, para
“que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”2.
Como veremos adiante, a multa coercitiva pode ser empregada, inclusive, como
ef‌iciente mecanismo de consecução de ferramentas oriundas da denominada Análise
1. “Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento,
em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suf‌iciente e compatível com a
obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito. § 1º O juiz poderá, de ofício
ou a requerimento, modif‌icar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verif‌ique que:
I – se tornou insuf‌iciente ou excessiva; II – o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da
obrigação ou justa causa para o descumprimento. § 2º O valor da multa será devido ao exequente. § 3º A
decisão que f‌ixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido
o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte ou na pendência do agravo
fundado nos incisos II ou III do art. 1.042. § 3º A decisão que f‌ixa a multa é passível de cumprimento pro-
visório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da
sentença favorável à parte. § 4º A multa será devida desde o dia em que se conf‌igurar o descumprimento da
decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado. § 5º O disposto neste artigo
aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de
natureza não obrigacional.”
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Econômica do Direito no Processo Civil contemporâneo, a indicar um verdadeiro
estímulo a que as partes de fato cumpram as decisões judiciais a tempo e a contento.
Não se poderia deixar de apontar, respeitosamente, a divergência que será
proposta neste texto em relação à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça –
STJ, especialmente para que se tenha em conta que a redução da multa coercitiva
acumulada pode estimular o descumprimento de decisões judiciais – e, portanto, o
descrédito do poder jurisdicional de que investido o julgador.
2. DIREITO COMPARADO E BREVE HISTÓRICO DA MULTA COERCITIVA
As astreintes têm origem jurisprudencial, surgindo inicialmente na França, en-
tre os séculos XVII e XVIII, e atuando como espécie singular de perdas e danos e de
forma de forçar o cumprimento de decisões judiciais. Eduardo Arruda Alvim, Daniel
Granada e Eduardo Ferreira chegam a apontar que, inicialmente, houve resistência
naquele ordenamento jurídico quanto à implementação da multa coercitiva, eis que
se trataria de medida contra legem.3
Flávia Hill faz breve comparação entre a multa coercitiva prevista na legislação
processual brasileira e as astreintes francesas, a Zwangsgeld alemã e o contempt of court
do direito estado-unidense. A autora conclui, no entanto, que “a multa coercitiva
brasileira não se identif‌ica precisamente com nenhum deles”4-5.
A multa cominatória, no Brasil, possui natureza híbrida, uma vez que se presta
a estimular o cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer, revertendo-se em
benefício da parte contrária. Não se trata, propriamente, de “reprimenda” em razão
do descumprimento de comando judicial ou de obrigação que, em alguma medida,
possui natureza indenizatória.6
O mecanismo tem sido aplicado no Direito Brasileiro desde o Código de Processo
Civil de 1939, com fundamento no então vigente artigo 999, no qual se previa que
3. ALVIM, Eduardo Arruda; GRANADO, Daniel Willian; FERREIRA, Eduardo Aranha. Curso de Direito Pro-
cessual Civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 1.806.
4. “A Zwangsgeld alemã consiste em punição ao desrespeito à ordem estatal, cabível somente em casos espe-
cíf‌icos, taxativamente enumerados na legislação daquele país e tem como destinatário o próprio Estado.
A astreinte francesa, por sua vez, possui caráter genérico, não dependendo de expressa previsão legal, e se
destina, em regra, à parte contrária, assim como ocorre no Brasil. De se consignar que, em algumas situações,
o valor da multa se reverte em benefício de instituições de caridade. Para Sérgio Cruz Arenhart, na França,
a astreinte seria uma ‘deformação do conceito de perdas e danos, dando-lhe natureza indenizatória (...),
ainda que com função cominatória’.
O contempt of court do direito algo-saxão emerge como uma reprimenda ao desrespeito ao órgão judiciário
ou à pessoa do juiz, prestando-se a tutelar o exercício da atividade jurisdicional, desde o século XII”. HILL,
Flávia Pereira. Comentários à Execução das Obrigações de Fazer e Não Fazer no Novo Código de Processo
Civil. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, Rio de Janeiro, v. 15, n. 15, 2015, p. 175.
5. De qualquer modo, pede-se licença para empregar, neste texto, o termo astreinte como sinônimo de multa
coercitiva, sobretudo tendo em vista sua popularização na doutrina e na jurisprudência nacionais.
6. HILL, Flávia Pereira. Comentários à Execução das Obrigações de Fazer e Não Fazer no Novo Código de
Processo Civil. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, Rio de Janeiro, v. 15, n. 15, 2015, p. 175.
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