Multiculturalismo e democracia radical

AutorRegina Maia
CargoAdvogada e Mestranda em Direitos Fundamentais e Democracia pelas Faculdades Integradas do Brasil ? UNIBRASIL
Páginas15-34
MULTICULTURALISMO E DEMOCRACIA RADICAL
MULTICULTURALISM AND RADICAL DEMOCRACY
Regina Elisemar Custódio Maia1
Resumo: A diversidade de culturas em nossa sociedade apresenta-se de forma intensa e, ainda a ssim,
deparamo-nos com situações e argumentos utilizados por muitos que tentam, de alguma forma,
contrapor-se às propostas de assegurar a igualdade entre todo s os cidadãos. Mediante a compr eensão do
fenômeno cultural, é po ssível situar e reconhecer a diversidade existente no mundo, e sob a premissa da
pluralidade deve caminhar o entendimento da democracia. Cabe uma redefinição em term os de uma
radicalização da democracia como articulação das lutas contra as diferentes formas de subordinação de
classe, sexo, raça. A democracia radi cal e plural tem sua origem na tradição do projeto pol ítico moderno
formulado a partir do Iluminismo e que tenta prolongar e apr ofundar a revolução democrática iniciada
no século XVIII, continuada no século XIX e que deve ser estendida a âmbitos cada vez mais amplos da
sociedade e do Estado.
Palavras-chaves: democracia; multicultura lismo; democracia radical.
Abstract: The diversity of cultures in our society presents itself in an intense way, and yet we ar e faced
with situations and arguments used by some to try, somehow counter the proposals to ensure equa lity
among all citizens. By understanding the cultural phenomenon it is possibl e to locate and recogni ze the
diversity in the world, and under the a ssumption of plurality must walk the understanding of de mocracy.
It is a redefinition in terms of a radicalization of democracy as an artic ulation of struggles against
different forms of subordination of class, gender, race. The radical and plural democracy has its origin
in the tradition of modern politica l project formulated from the Enlightenment an d trying to prolong and
deepen the democratic revolution began in t he eighteenth century, continued in the nineteenth century
and which should be extended to ever wider spheres of society and the state.
Keywords: democracy, multiculturalism, rad ical democracy.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Embora para Sócrates a democracia fosse uma forma ruim do governo de
muitos e Platão considerasse que a democracia é o governo dos ignorantes, a
democracia se consolidou como sendo um regime político que se fundamenta na
soberania popular, na liberdade de expressão eleitoral, assim como na repartição de
poderes e no controle da autoridade. Portanto, a democracia encontra-se alicerçada
sobre três princípios fundamentais: o princípio da maioria, o principio da igualdade
e o principio da liberdade.2
A ligação proposta entre direito e dem ocracia parte do seguinte
pressuposto geral de qualquer sistema jurídico ocidental: todos os indivíduos são
dotados de um grau básico de autonomia e r esponsabilidade. Premissa essa que
torna todo indivíduo uma pessoa jurídica, um portador de direitos e obrigações
formalmente iguais, não só no domínio político, mas também nas obrigações
contratuais, civis, criminais e tributárias, nas relações com órgãos estatais e em
muitas outras esferas da vida social. Presume-se que somos tão autônomos e
responsáveis quanto as outras partes que realizam transações conosco.
O direito moderno é marcado pela facticidade da imposição coercitiva de
suas leis e a validade inerente à pretensão de legitimidade delas. Habermas
1 Advogada e Mestranda em Direito s Fundamentais e Democracia pelas Faculdades Integradas do Brasil
UNIBR ASIL. Instituição: Faculdades I ntegradas do Brasil Unibrasil. Email: regi -
maia@hotmail.com
2 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Po sitivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros,
1992.
16 Direitos Culturais, Santo Ângelo, v.7, n.1 2, p. 15-35, jan./jun. 2012
considera também o princípio da legalidade como, ao mesmo tempo, "lei da
coerção" e "lei da liberdade". Sendo assim, o direito moderno é positivo, cogente e
estruturado individualisticamente. É o caráter de positividade do Direito que
possibilita sua modi ficabilidade: por isso ele precisa ser institucionalizado através
do princípio democrático.
Dessa forma, globalização, políticas neoliberais, segurança global, são
realidades que estão acentuando a exclusão, em suas diferentes formas e
manifestações. No ent ant o, não afetam igualmente a todos os grupos sociais e
culturais, nem a todos os países e, dentro de cada país, às diferentes regiões e
pessoas. Segundo o entendimento de Hannah ARENDT3 são os considerados
“diferentes”, a queles que por suas características sociais e/ou étnicas, por serem
“portadores de necessidades especiais”, por não se adequarem a uma sociedade
cada vez mais marcada pela competitividade e pela lógica do m er cado, os
“perdedores”, os “descartáveis”, que vêm cada dia negado o seu “di reito a terem
direitos”.
Sendo assim, o que se tem que buscar, no meio de tensões, contradições e
conflitos, são caminhos capaz es de favorecer processos de democratização, de
articular a afirmação dos dir ei tos fundamentais de cada pessoa e grupo
sociocultural, de modo especial os di reitos sociais e econômicos, com o
reconhecimento dos direitos à diferença.
1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A DEMOCRACIA
As três forma s clássicas de governo são: o de muitos, o de poucos e o de
um só, ou seja, democracia, aristocracia e monarquia r espectivamente. A diferença
entre a classificação dessas formas de governo está em que, na primeira, a cada
proposta tida com o boa correspondem duas outras vistas como más, enquanto, na
outra, a cada proposta boa corresponde à mesma na sua forma má. Ilustrando, tem-
se, então, que a monarquia corrompida transforma-se em tirania; a aristocracia, em
oligarquia; e a democracia, em demagogia.4
Contudo, o que importa é que quem detém o poder tende a dele abusar,
pois o poder vai até on de encontra os seus limites e para que os seus titulares não
abusem dele é preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder. Esse é
o ensinamento de MONTESQUIEU5 para sustentar que a liberdade pol ítica só se
encontra nos governos moderados, embora não exista sempre nos Estados
moderados, pois ela só existe nestes quando não se abusa do poder.
MONTESQUIEU segue seu pensamento mostrando que, para que um
poder freie o outro, é necessária a doutrina da divisão dos poderes, assinalando que
“estaria tudo per dido se um mesmo h om em, ou um mesmo corpo de príncipes ou
nobres, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções
públicas e o de julgar os crimes ou demandas dos particulares”.6
3 ARENDT Hannah, citada por CANDAU, Vera Maria. Multiculturalis mo e Dire itos Humanos.
Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/veracandau/mul ticulturalismo.html. Acesso
em: 7 set. 2007.
4 BOBBIO, Norberto. Teoria das Formas de Governo. 9. ed. Brasília: UnB. 1996. p. 39-43.
5 MONTESQUIEU. O Es pírito das Leis. Tradução de Pedro Vieira Mota. São Paulo: Sarai va. 1987. p.
163.
6 Idem, p. 165.

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