Na festa, no escritório, na cabine do trator: notas sobre o comércio de insumos agrícolas no 'agronegócio' da soja

AutorLuciana Almeida
CargoDoutora em Antropologia pelo IFCS/UFRJ. Professora adjunta da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira
Páginas380-402
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n35p380
380 380 – 402
Na Festa, no Escritório, na Cabine do
Trator: notas sobre o comércio de insumos
agrícolas no “agronegócio” da soja
Luciana S. Almeida1
Resumo
A dimensão comercial da produção agrícola mobiliza, de modo expressivo, os produtores de soja
da região central do Mato Grosso, precisamente da microrregião do Alto Teles Pires. Seus relatos
revelam que a comercialização do produto, desde a implantação das lavouras no f‌inal dos anos
1970 até os anos 1990, ocorria sem a necessidade de cálculos aritméticos precisos para a obten-
ção de bons resultados comerciais. A tendência à diminuição da margem de lucro e a sof‌isticação
das técnicas produtivas hoje demandam dos produtores a realização de cálculos complexos e mi-
nuciosos. Este artigo procura explorar uma pequena parte desse universo dos negócios agrícolas
enfocando transações comerciais entre vendedores de insumos agrícolas e produtores de soja. A
proposta é mostrar como os complexos cálculos do mercado de commodities agrícolas envolvem
aspectos que extrapolam o “econômico”, como as reputações das partes. Veremos que essas tro-
cas podem ser entendidas explorando as pontes entre racionalidade “econômica” e moralidades.
Palavras-chave: Agronegócio. Mercado. Moralidades.
Introdução
No Alto Teles Pires, onde o cultivo de soja é hegemônico, seus ciclos
agrícolas e os resultados das safras exercem imensa inuência no cotidiano
dos municípios. A preparação dos solos, do plantio até a colheita, movimenta
a rotina das fazendas que, no período de entressafra da soja, experimentam
relativa calmaria ainda que nesse período tenham sido cultivados outros
produtos como o milho “safrinha”. O desenvolvimento da planta ocorre ao
longo do verão chuvoso. Depois do alvoroço característico da colheita, inicia
um período de seis meses de um clima seco e quente que coincide com a in-
tensicação do calendário festivo que mobiliza os produtores e suas famílias.
1 Doutora em Antropologia pelo IFCS/UFRJ. Professora adjunta da Universidade da Integração Internacional da
Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB). Endereço para correspondência: Av. Juvenal Eugênio Queiroz, s/n - Centro,
CEP: 43.900-São Francisco do Conde/BA. E-mail: luciana.almeida@unilab.edu,br.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 16 - Nº 35 - Jan./Abr. de 2017
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As maiores festas promovidas nos municípios da região são as “expo-
sições” ou feiras agropecuárias que muitas vezes marcam o aniversário de
emancipação da cidade. A festa é muito aguardada pela população, havendo
grande expectativa em relação às atrações musicais, considerando que são
ocasiões em que as cidades recebem artistas de renome nacional. As datas
das festas dos municípios vizinhos não coincidem, de modo a permitir que
o público circule. Há, inclusive, certa rivalidade entre as cidades pela expo-
sição mais grandiosa.
Essas festas duram pouco menos de uma semana. Os terrenos reservados
para as exposições são organizados em setores de estandes de fábricas e comér-
cios locais de artigos diversos desde piscinas até roupas, artigos para animais
de estimação, erva-mate, móveis, eletroeletrônicos, motocicletas, máquinas
agrícolas. Ademais, são instalados restaurantes e parque de diversões com as
barraquinhas de lanches e bebidas. Ao longo da festa, além dos shows, são
promovidos bailes à noite. É comum, também, que haja exposição de animais
(equinos, bovinos e ovinos).
Frequentando essas exposições, não resta dúvida de que o setor de má-
quinas agrícolas é o mais prestigiado. As revendas instaladas no município
levam para o parque de exposições seus últimos lançamentos. Pulverizadores
e colheitadeiras, toda sorte de tratores e equipamentos cam dispostos, devi-
damente limpos e reluzentes, exercendo forte apelo sobre o público. Famílias,
casais, grupos de adolescentes passam observando sem pressa. Os homens e
as crianças demonstram mais entusiasmo pelas máquinas, que também são
panos de fundo preferidos para as fotos
Além das máquinas, esses estandes contratam músicos para animar o
ambiente e existe o costume de promover churrascos reunindo seus clien-
tes. Nessas ocasiões, os produtores – ou “agricultores” como eles preferem se
identicar – comparecem com esposa, lhos e demais familiares. Acompanhei
uma família de produtores em um desses eventos, promovido pela revenda
New Holland, ocasião em que havia pouco mais de uma centena de pessoas.
As máquinas em exposição foram deslocadas para as bordas do estande e, no
centro, foram dispostas mesas para refeição.
O ponto alto do encontro foi o momento em que, enquanto os con-
vidados serviam seus pratos, uma máquina gigantesca e uma plataforma

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