Na periferia do lugar.

AutorOliveira, Marcelo

O que leva um artista a tratar de um ou outro tema especifico? Em que medida a sua vivencia e escolhas influenciam na obra?

Nasci na Baixada Fluminense do estado do Rio de Janeiro, mais precisamente, Pilar--Duque de Caxias. Tive uma infancia livre e sem muitos adultos por perto. Pescava, jogava bola de gude, rodava piao, pique policialadrao, comia fruta em cima da arvore--essas coisas bem proprias de crianca pobre de suburbio. Aprendi a ler aos nove, quase dez, ia a Escola quando queria e quase nunca queria, preferia pescar ou brincar com os brinquedos que fabricava a estudar.

A mae, so aos finais de semana, trabalhava em "casa de familia" em Laranjeiras. Meu pai sempre desempregado e muito proximo da bebida vivia nas barracas, tomando sua cachaca e jogando sinuca e baralho, o que fazia muito bem. Mas os dois com imenso amor e carinho, duas vitimas sociais. Aos oito ou sete anos, ia ao centro de Caxias junto com outros mais velhos e mais novos ver o mundo. Hoje, concluo que era como esses meninos que perambulam pelas ruas do centro em bandos, descalcos, praticando pequenos furtos. Minha especialidade eram livros infantis. E nos perguntamos: Onde andam os pais dessas criancas? Nao havia nocao de certo e errado, nao havia uma educacao formal, da maneira que conheco hoje de escola e familia. Os caminhos da vida me levaram ate a educacao, poderia ter levado a outros. Tive sorte.

Os enredos das obras que construo sao tracados a partir da observacao e registro de algo que desperta para o olhar, dos meios de comunicacao visuais legitimados ou dos cartazes populares que anunciam produtos e servicos. Das frases e dialogos que me causam algum incomodo. O contexto da visualidade urbana local, sendo considerado o que estiver dentro e fora da norma culta, as relacoes de (des)afeto e as reflexoes politicas sao a massa que da forma e liga a obra final. Estes sao os nortes da pesquisa que desenvolvo. Relato, em seguida, umas das experiencias que bem exemplificam o meu processo criativo.

Em recente residencia artistica no Parque Lage, articulei o projeto "na periferia do lugar". A primeira parte do cronograma, uma semana, previa pesquisa relacional pelo bairro do Jardim Botanico, que comecava a partir do parque as 7h e terminava a noite. Cada dia tomava cafe da manha e almocava em um lugar diferente. Conversas com um, com outro. Fotografias, desenho aqui e ali. Muita observacao das pessoas, arquitetura, lojas, cartazes e letreiros. Passava um tempo olhando as revistas de fofoca e jornais pendurados nas bancas da regiao, material farto de pesquisa. Um deles com o seguinte titulo: REVELACAO--Anitta declara:--Perdi a virgindade aos 18. Acima, uma foto da artista, que por alguns segundos pensei ser o Michael Jackson. Sai imaginando a quem interessaria esta revelacao.

La pelo quarto dia, comentei comigo mesmo:--so tem gente bonita nesse lugar, tudo lindo, predios, casas, varios condominios com nome de condes, baroes, natureza exuberante!!.--Nao tem nenhuma comunidade?

Na Pacheco Leao, ao lado do Jardim Botanico e da rede globo, pergunto a um senhor que trabalhava no ponto de taxi: TEM ALGUMA COMUNIDADE POR AQUI? Ele me responde em tom rispido,--FAVELA? AQUI NAO TEM FAVELA! SO CONDOMINIO RESIDENCIAL. Agradeci e me afastei. Deduzi, depois, que morava na...

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