Nacionalismo e diversidade: do Programa 'Esquenta', da Rede Globo, à cerimônia de abertura das Olimpíadas do Rio 2016

AutorMaria Eduarda da Mota Rocha
CargoProfessora do Departamento e da Pós graduação em Sociologia da UFPE
Páginas159-177
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n35p159
159159 – 177
Nacionalismo e Diversidade: do
Programa “Esquenta”, da Rede
Globo, à Cerimônia de Abertura
das Olimpíadas do Rio 2016
Maria Eduarda da Mota Rocha1
Resumo
O artigo propõe uma análise das formas de articulação entre o nacionalismo e a diversidade na
cultura brasileira atual, tomando como objetos o programa Esquenta, da Rede Globo, e a cerimô-
nia de abertura das Olimpíadas Rio 2016. Eles têm em comum uma alternância entre momentos
de unidade e fragmentação que indicam os impasses e as saídas encontradas para falar em “Bra-
sil” em um contexto político e cultural de crítica à assimilação do “outro” pelo discurso dominan-
te. A participação de Regina Casé na cerimônia é muito mais do que casual. Ao mesmo tempo em
que é vista como a “embaixadora da periferia” na TV, ela é um elo importante na rede de artistas
e intelectuais que emergiram na cena cultural brasileira a partir dos anos de 1980, no teatro, no
vídeo, no cinema e na TV. Os diretores da cerimônia de abertura também fazem parte da primeira
geração de artistas e intelectuais formados após a consolidação de uma indústria cultural no
Brasil, o que repercutiu no seu percurso formativo na medida em que a TV e a publicidade foram
importantes espaços de socialização prof‌issional para muitos dessa geração. Da mesma forma, a
partir de 1980, respiraram os ares de crítica ao nacionalismo por sua associação ao Regime Militar
e de crescente valorização da “diversidade”. Nessa chave analítica, partiremos do Núcleo Guel
Arraes (NGA), da Rede Globo, que foi um ponto de agregação para muitos artistas dessa geração,
até chegar ao programa Esquenta no qual o projeto estético-político de visibilidade da “periferia”
é a principal forma de expressão da “diversidade”. Depois, identif‌icaremos ecos desse projeto na
cerimônia de abertura, tentando mostrar que ela esboçou uma solução semelhante para a difícil
conciliação entre o problema da identidade nacional e o valor da diversidade.
Palavras-chave: Nacionalismo. Diversidade. Esquenta. Cerimônia de abertura das Olimpíadas
Rio 2016.
Introdução
“Isso aqui, ô, ô, é um pouquinho de Brasil, ai, ai, esse Brasil que canta e
é feliz, feliz, feliz [...]”. Quando os versos de Ari Barroso ecoaram na voz de
1 Professora do Departamento e da Pós-graduação em Sociologia da UFPE.
Nacionalismo e Diversidade: do Programa “Esquenta”, da Rede Globo, à Cerimônia de Abertura das Olimpíadas do Rio 2016 |
Maria Eduarda da Mota Rocha
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Caetano Veloso, Anitta e Gilberto Gil ao nal da cerimônia de abertura das
Olimpíadas do Rio, estava arrematada a síntese da identidade nacional depois
de um longo percurso dramático em que a diversidade foi um tema onipre-
sente. As tantas idas e vindas dessa encenação, seus momentos de unidade e
fragmentação, traçam os impasses e as saídas encontradas para falar em “Bra-
sil” em um contexto político e cultural de crítica à assimilação do “outro” pelo
discurso dominante. Queremos sugerir que a participação de Regina Casé na
cerimônia é muito mais do que casual. Ao mesmo tempo em que é vista como
a “embaixadora da periferia” na TV, ela é um elo importante na rede de artistas
e intelectuais que emergiram na cena cultural brasileira a partir dos anos de
1980, no teatro, no vídeo, no cinema e na TV. Em outra ocasião, analisamos
a “estrutura de sentimentosdessa geração (ROCHA, 2013); e parte dessa
análise talvez pudesse ser estendida aos principais nomes responsáveis pela
cerimônia de abertura, especialmente os diretores de criação Daniela omas,
Fernando Meirelles e Andrucha Washington, que trabalharam sob a batuta
do diretor geral Abel Gomes. Apesar das diferenças de idade, pode-se armar
que fazem parte da primeira geração de artistas e intelectuais formados após a
consolidação de uma indústria cultural no Brasil, o que repercutiu no seu per-
curso formativo na medida em que a TV e a publicidade foram importantes
espaços de socialização prossional. Da mesma forma, a partir de 1980, respi-
raram os ares de crítica ao nacionalismo por sua associação ao Regime Militar,
e de crescente valorização da “diversidade”. Assim, sua produção é bastante
indicativa das formas através das quais essas duas formações discursivas se
combinam na cultura brasileira atual. Nessa chave analítica, partiremos do
Núcleo Guel Arraes (NGA), da Rede Globo, que foi um ponto de agregação
para muitos artistas dessa geração, até chegar ao programa Esquenta no qual o
projeto estético-político de visibilidade da “periferia” alcançou o ponto máxi-
mo de explicitação e de maturidade na trajetória do grupo. Depois, identica-
remos ecos desse projeto na cerimônia de abertura, tentando mostrar que ela
esboçou uma solução semelhante para a difícil conciliação entre o problema
da identidade nacional e o valor da diversidade.
O contexto: ascensão da “diversidade” e crítica ao
“nacional-popular”
O “nacional-popular” foi gestado aos poucos, a partir da década de 1930,
quando a centralização política passou a demandar a construção simbólica

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