Não importa a língua: é assédio moral

AutorWalkyria de Oliveira Rocha Teixeira/Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson
CargoAdvogada/Professor
Páginas88-98

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1. Das considerações iniciais

O assédio moral possui diversas denominações no direito comparado: acoso moral, na Espanha; mobbing, na Itália e Alemanha; ijime, no Japão; bullying, na Ingla-terra; harassment, nos Estados Unidos; harcèlement moral, na França. Também é comum a terminologia de “psicoterror”. O chamado assédio moral laboral em verdade é fruto da apropriação da terminologia mobbing, utilizada na ciência que estuda comportamento animal (etologia), e está relacionado com a prática coletiva de animais praticarem comportamentos hostis com o desiderato de banir um dos seus membros do convívio do bando.

O mobbing no contexto laboral só foi utilizado na década de 1980 pelo psicólogo do trabalho Heinz Ley-mann. O referido termo e o assunto, em si, ganham destaque a partir de 1998 com a obra da psicanalista francesa Marie-France Hirigoyen (Harcèlement moral: démêler le vrai du faux).

Heinz Leymann foi o primeiro a definir o mobbing laboral, apresentando o tema da seguinte maneira:

Psychical terror or mobbing in working life means hostile and unethical communication which is directed in a systematic way by one or a number of persons main-ly toward one individual. There are also cases where such mobbing is mutual until one of the participants becomes the underdog. These actions take place often (almost every day) and over a long period (at least for six months) and, because of this frequency and duration, result in considerable psychic, psychosomatic and social misery. This definition eliminates temporary conflicts and focuses on the transition zone where the psychosocial situation starts to result in psychiatric and/or psychosomatic pathological states.

Em seu best-seller, Marie-France Hirigoyen apresenta a seguinte definição sobre o assunto:

Por assédio em um local de trabalho temos que entender total e qualquer conduta abusiva, manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personali-dade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, por em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho.

Rodolfo Pamplona Filho, Antônio Lago Junior e Paula Sarno Braga assim definem assédio moral e observam quanto ao seu conceito generalístico:

O assédio moral pode ser conceituado como uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, de forma reiterada, tendo por efeito a sensação de exclusão do ambiente e do convívio social.

Este nosso conceito busca um sentido de generali-dade, pois o assédio moral não é um “privilégio” da

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relação de emprego, podendo ser praticado em qualquer ambiente onde haja uma coletividade, como, por exemplo, em escolas, comunidades eclesiásticas, corporações militares, entre outros.

José Cairo Jr. conceitua o assédio moral no trabalho como o comportamento por meio do qual o empregador ou seus prepostos escolhe um ou alguns empregados e inicia um processo deliberado de perseguição insistente, composto por atos repetitivos e prolongados, com o objetivo de humilha-los, constrangê-los, inferiorizá-los e isolá-los dos demais colegas de trabalho, provocando danos à sua saúde psicofisiológica em sua dignidade.

Já a professora Vólia Bomfim Cassar explicita que o assédio moral é caracterizado pelas condutas abusivas praticadas pelo empregador direta ou indiretamente, sob o plano vertical ou horizontal, ao empregado, que afetem seu estado psicológico. Normalmente, refere-se a um costume ou prática reiterada do empregador.

Quanto ao assunto, assim se posiciona o professor Maurício Godinho:

É conduta reiterada seguida pelo sujeito ativo no sentido de desgastar o equilíbrio emocional do sujeito passivo, por meio de atos, palavras, gestos e silêncios significativos que visem ao enfraquecimento e diminuição da autoestima da vítima ou a outra forma de tensão ou desequilíbrio emocionais graves.

É lapidar a definição de Cláudio Roberto Carneiro de Castro, na qual busca apresentar todas as características do assédio moral:

Violência moral intensa praticada por um agente (ou mais), em regra, o empregador ou superior hierárquico (assédio moral ‘vertical descendente’), porém, pode ser efetuado por subordinado (assédio moral ‘ascendente’), por colega de trabalho (assédio moral ‘horizontal’) ou por terceiro não vinculado à hierarquia empresarial. Os atos ofensivos devem ser dolosos ou simplesmente ter por efeito provocar um dano, não desejado, à dignidade ou integridade moral de uma ou de muitas vítimas no trabalho e ocorrem através de uma série de ações – em que cada uma das quais aparece isoladamente como lícita ou ilícita, embora na realidade seja simples fração da atuação total – unidas entre si pela sistematização das circunstancias que se repetem durante um período (normalmente de duração longa, lenta e gradual), que, no conjunto, constituem, por ficção, fato unitário e unidade jurídica, para todos os efeitos de Direito.

Sergio Pinto Martins assim se manifesta:

O assédio moral é a conduta ilícita do empregador ou seus prepostos, por ação ou omissão, por dolo ou culpa, de forma repetitiva e geralmente prolongada, de natureza psicológica, causando ofensa à dignidade, à personalidade e à integridade do trabalhador. Causa humilhação e constrangimento ao trabalhador. Implica guerra de nervos contra o trabalhador, que é perseguido por alguém. O trabalhador fica exposto a situações humilhantes e constrangedoras durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.

Em uma verdadeira interpretação autêntica, a Lei Estadual do Rio de Janeiro 3.921, de 2002, apresenta a seguinte definição de assédio moral, no seu art. 2º:

Considera-se assédio moral no trabalho, para os fins do que trata a presente Lei, a exposição do funcionário, servidor ou empregado a situação humilhante ou constrangedora, ou qualquer ação, ou palavra gesto, praticada de modo repetitivo e prolongado, durante o expediente do órgão ou entidade, e, por agente, delegado, chefe ou supervisor hierárquico ou qualquer representante que, no exercício de suas funções, abusando da autoridade que lhe foi conferida, tenha por objetivo ou efeito atingir a autoestima e a autodeterminação do subordinado, com danos ao ambiente de trabalho, aos serviços prestados ao público e ao próprio usuário, bem como, obstaculizar a evolução da carreira ou a estabilidade funcional do servidor constrangido.

A título de lege ferenda há o Projeto de Lei 4.593/09, do ex-deputado federal Nelson Goetten, que trata especificamente sobre o assédio moral nas relações de trabalho, assim apresentando o conceito:

Art. 1º. [...].

§1º Entenda-se por assédio moral a reiterada e abu-siva sujeição do empregado a condições de trabalho humilhantes ou degradantes, implicando violação à sua dignidade humana, por parte do empregador ou de seus prepostos, ou de grupo de empregados, bem como a omissão na prevenção e punição da ocorrência do assédio moral.

Em síntese, tem-se no mobbing laboral um processo de vitimização do trabalhador, seja discriminando, inferiorizando, hostilizando, entre outras condutas, de forma habitual e constante, acarretando sua marginalização dentro do espaço laboral e podendo ocasionar severos abalos psicossomáticos no trabalhador vitimado, que acaba por sofrer de ansiedade, depressão, ataques de pânico e mesmo chegando ao ponto de tentativa de suicídio.

A prática de assédio moral laboral é o vilipêndio da dignidade da pessoa humana, fundamento da Repú-

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blica Federativa do Brasil (art. 1º, III, da Constituição Federal) e do valor do trabalho e dos direitos sociais, vetores axiológicos presentes, também, como fundamento da República (art. 1º, IV, da CF) no título sobre a ordem econômica (art. 170 da CF) e no título da ordem social (art. 193 da CF).

2. Das classificações quanto ao assédio moral
2.1. Da classificação quanto ao grau hierárquico

Esta classificação é a mais utilizada e tem por vértice o grau hierárquico do agente assediador, classificando-se em assédio moral vertical descendente, assédio moral vertical ascendente, assédio moral horizontal e assédio moral misto.

No assédio moral vertical descendente o assediador é a figura do empregador ou pessoa de nível hierárquico superior, com poder de mando em relação ao trabalhador vitimado. É evidente uma relação assimétrica de poder entre as partes. Este tipo também é conhecido como bossing, sendo de todas a mais comum de acontecer e de perdurar, em razão da subordinação jurídica do contrato de trabalho e da dependência econômica da vítima.

Já o assédio moral ascendente é de difícil prática, ocorrendo por parte dos subordinados em relação ao superior hierárquico (exemplo de motivação – o chefe é muito jovem e administrava subordinados muito mais velhos; falta de experiência e segurança; superior advindo de outra empresa). Geralmente, neste caso, dá-se a associação de mais de um subordinado para perseguir e denegrir a figura do superior hierárquico praticando insubordinações, sarcasmos etc.

O assédio moral horizontal apresenta-se quando a prática mobilizante é perpetrada por pessoas do mesmo nível hierárquico, inexistindo a superioridade hierárquica, desencadeado, geralmente, por conflitos interpessoais ou...

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