Não julgo papéis, julgo destinos

AutorMarco Aurélio Mello
CargoMinistro do STF
Páginas30-33
30 REVISTA BONIJURIS I ANO 32 I EDIÇÃO 666 I OUT/NOV 2020
ENTREVISTA
“Não julgo papéis,
julgo destinos”
MARCO AURÉLIO MELLO
MINISTRO DO STF
Em artigo publicado no jornal “O Estado de S. Paulo”, o economista Pedro Fernando
Nery, prevendo a aposentadoria de Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Fe-
deral (), definiu o que o ministro representa: “[Ele] não é uma divisão esquerda x
direita, garantistas x punitivistas ou ativistas x legalistas: é a divisão Marco Aurélio
x os outros dez”. O teimoso, o magistrado do contra, o surpreendente Marco Aurélio
define-se como “um soldado que marcha em sentido inverso da tropa”. O ministro diverge
porque quando o faz ocupa importantíssima função social. Aliás, a divergência como fun-
ção social é o tema de um livro de Cass Sunstein, celebrado jurista norte-americano que
trabalhou na campanha presidencial de Barack Obama. “Divergir é o meu negócio” bem que
poderia ser o lema do carioca da gema, advogado, ministro do Tribunal Superior do Trabalho
em 1981 e do  em 1990. Observe-se, contudo: ele não diverge por acaso, o faz movido pelo
convencimento. Foi assim quando sofreu a acachapante derrota por 10 a 1 no julgamento do
inquérito das fake news. Mello mantém sua posição. “Trata-se de inquérito natimorto. Pior:
está voltado contra algo incontrolável que é a veiculação de notícias falsas. Para combater
a notícia falsa, há de haver o discernimento daquele que a acessa e, também, a notícia ver-
dadeira”. Nesta entrevista, feita por e-mail, Marco Aurélio garante nunca ter se arrependido
das decisões tomadas no exame de processos, critica o protagonismo excessivo do  (“é
hora de introspecção maior”) e diz que quando rumar para a aposentadoria compulsória, em
julho de 2021, decidirá o que fazer. “Uma coisa é certa: não morrerei de tédio.”
Os tempos são estranhos?
Sim, vivenciamos um período preocupante. Falta compreensão, falta entendimento, falta
conscientização. Todos precisam trabalhar visando o melhor para o Brasil. Não há setor ex-
clusivo a merecer crítica. Ela é abrangente e diz respeito a deficiências da sociedade, as quais
decorrem da ausência de uma cultura maior. Há de haver apego, em primeiro lugar, às regras
estabelecidas. Paga-se um preço por se viver em um estado democrático de direito, que é o
respeito irrestrito ao ordenamento jurídico, ao qual todos, indistintamente, se submetem.
Relator no julgamento da prisão em segunda instância, o senhor fez uma crítica dura à
Advocacia-Geral da União por ignorar a sua função de curadora da lei. De novo, repetiu
o bordão “tempos estranhos”. Como o senhor analisa a atuação da  em imiscuir-se em
questões que constitucionalmente não lhe dizem respeito?
Considerados os protagonistas do processo objetivo, a Constituição Federal revela atribui-
ção específica à Advocacia-Geral da União. Incumbe-lhe defender o ato normativo abstrato
autônomo atacado. Incumbe-lhe atuar como curadora da lei. É justamente esse papel que
Giovana Tows

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