'Narciso acha feio o que não é espelho': reflexões sobre a exceção brasileira em Narciso em férias / 'Narcissus shies away from look-unlikes': Thoughts on the Brazilian Exception in Narcissus Off Duty

AutorRoan Costa Cordeiro, Thais Pinhata de Souza, Luiz Henrique Budant
CargoDoutorando em Filosofia no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bolsista da CAPES. Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com bolsa da CAPES. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: roan.costa@gmail.com - Doutoranda em Filosofia e Teoria ...
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 04, 2021, p. 2811-2846.
Roan Costa Cordeiro, Thais Pinhata de Souza e Luiz Henrique Budant
DOI: 10.1590/2179-8966/2021/62913 | ISSN: 2179-8966
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exceção brasileira em Narciso em férias
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Narcissus Off Duty
Roan Costa Cordeiro1
1 Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: roan.costa@gmail.com.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5046-073X.
Thais Pinhata de Souza2
2 Universidade de São Paulo, São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail: thapides@gmail.com.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6942-0300.
Luiz Henrique Budant3
3Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail:
luiz.henrique.budant@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4265-3133.
Artigo recebido em 25/08/2021 e aceito em 09/10/2021.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 04, 2021, p. 2811-2846.
Roan Costa Cordeiro, Thais Pinhata de Souza e Luiz Henrique Budant
DOI: 10.1590/2179-8966/2021/62913 | ISSN: 2179-8966
Resumo
O artigo analisa os espelhamentos narrativos do documentário Narciso em férias, no qual
Caetano Veloso relata sua prisão pela ditadura civil-militar brasileira. À luz de uma
investigação sobre as relações entre Direito e Cinema, consideramos que as narrativas
dispostas pelo filme evidenciam a memória da exceção que caracteriza a nossa
experiência jurídico-política recente, permitindo-nos verificar a sua face violenta no
espelho da representação.
Palavras-chave: Narciso; Cinema; Exceção.
Abstract
The article analyses the narrative mirroring of the documentary Narcissus Off Duty, in
which Caetano Veloso relates his imprisonment by the Brazilian Civil-Military Dictatorship
(1964-1985). Through the prism of an investigation on the relations between Law and
Cinema, we conclude that the narratives mobilized in the movie bring to light the memory
of the exception that characterizes our recent politico-juridical experience and allow us
to identify its violent face in the mirror of representation.
Keywords: Narcissus; Cinema; Exception.
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 04, 2021, p. 2811-2846.
Roan Costa Cordeiro, Thais Pinhata de Souza e Luiz Henrique Budant
DOI: 10.1590/2179-8966/2021/62913 | ISSN: 2179-8966
si se non noverit
(Ovídio, Met., 3, 348)
Introdução O direito no espelho
1
Em 13 de dezembro de 1968, decretava-se no Brasil o Ato Institucional nº 5 (AI-5). A
ruptura institucional com o Estado de Direito e a democracia estava consumada para além
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A Ditadura civil-militar, instalada no poder com o Golpe de 1964, torna-se então
irreversível mediante a consolidação da corrente subterrânea de uma longa história
brasileira de violências e exceções que transformam o autoritarismo no sentido mesmo
do poder, pervertendo-o numa confusão de profundas e absurdas consequências para o
presente e futuro a habitar o imaginário jurídico-político brasileiro.
Na madrugada de 27 de fevereiro, apenas duas semanas após a promulgação do
AI-e a vigília e o sono, Caetano Emanuel Viana Teles Veloso
2
viria a ser surpreendido pelo som da campainha de seu apartamento em São Paulo na
Avenida São Luís, bastante próximo do nacionalmente conhecido cruzamento da Avenida
Ipiranga com a São João: eram agentes da Polícia Federal que, batendo à sua porta e
entrando em sua casa, viriam a levá-lo, assim como seu amigo, também músico e
1
Registramos aqui nosso agradecimento ao queridíssimo amigo Aukai Quint Leisner pela versão, atenta e
sensível ao texto poético, do título do artigo em língua inglesa.
2
Caetano Veloso é músico, produtor, arranjador, escritor, mas antes de mais nada é alguém que acredita

 da dor / Vertigem visionária que não carece de seguidor / Nu
            Nu com minha
músicana carne quais
as potencialidades verdadeiras do Brasil, por ter entrado num diálo go com suas motivações profundas e
simplesmente não concluo que somos um mero fracasso fatalparece nunca
abandonar a certeza de que vale a pena lutar pelo Brasil. E foi justamente essa luta que marcou toda sua vida
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outros tantos como Gilberto Gil, Tom Zé e Hélio Oiticica, aquele que ficou conhecido como movimento da
Tropicália que culminou na disco Tropicália ou Panis et Circensis, ao lado de vários músicos, em 1967. Já no
ano seguinte, respondeu ao endurecimento do regime militar no Brasil com "É Proibido Proibir", sendo
desclassificado do III Festival Internacional da Canção. Em 1969, foi preso político pelo regime militar e partiu
para exílio político em Londres, onde continuou a compor. Dos anos 70 para cá, lançou mai s de cinquenta
discos e contribuiu em trilhas sonoras de diversos filmes e peças de teatro, alcançando reconhecimento
internacional e sendo homenageado por diversos países, que lhe concederam prêmios e Comendas. Em todo
esse tempo, jamais deixou de manifestar seu descontentamento com figuras públicas autoritárias e de utilizar
de seu capital simbólico para alavancar debates variados sobre temas que lhe chamassem a atenção. Durante
a atual pandemia do coronavírus foi incessante em denunciar violações de direitos humanos aproveitando-se
das duas únicas aparições ao vivo feitas por redes sociais para criticar a postura de descaso do governo em
meio a uma crise de saúde global e alertar para o grande número de mortos pelo coronavírus em aldeias
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do meio ambiente, marcando seu novo (e já forte) ativismo ambiental. Caeta no é memória viva do Brasil e
impulso plural de raças, cores e sons para um futuro onde o melhor (do) Brasil é possível.

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