A Natureza Humana segundo Maquiavel

AutorSelvino José Assmann
CargoDoutor em Filosofia pela Università Lateranense, PUL, Itália
Páginas42-45
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MACHIAVELLI, Niccolò. Istorie Fiorentine. Libro III, par. 13. In: Tutte le Opere.
Organizado por M. Martelli. Firenze, Sansoni, 1971, pp. 700-702.
Assim, os homens plebeus, tanto os que se dedicam à arte da lã quanto às
outras [artes], pelos motivos indicados, estavam cheios de indignação: acrescendo-se a
isso o medo devido aos incêndios e roubos feitos por eles, reuniram-se de noite
algumas vezes, falando sobre os casos acontecidos e chamando-se mutuamente a
atenção para os perigos em que se encontravam. Nesta circunstância, um dos mais
corajosos e de maior experiência, para encorajar os outros, fez o seguinte discurso:
Se agora tivéssemos que deliberar entre tomar as armas, incendiar e roubar as
casas dos cidadãos, saquear as igrejas, eu seria um dos que renunciaria a pensá-lo, e
talvez aprovaria que fosse preferível uma tranqüila pobreza a um ganho perigoso; mas
tendo em conta que as armas foram tomadas e muitos males foram feitos, me parece
1 Tradução portuguesa por Selvino José Assmann, Doutor em Filosofia pela Università Lateranense, PUL,
Itália, Professor do Departamento de Fi losofia e do Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas,
CFH/UFSC, Dezembro de 2006.
NOTA DO TRADUTOR
Niccolò Machiavelli (1469-1527) , sob encomenda dos Medici de F lorença, escreveu Istorie Fiorentine
(Histórias de Florença). A obra, m enos conhecida entre nós, endereça da, ao ser publicada, ao Papa
Clemente VII, é a mais extensa escr ita pelo intelectual teatrólogo e político renascentista. Se O Príncipe
apresenta a política a partir do gov ernante, e os Discursos sobre a Prime ira Década de Tito Lívio o fazem
sobretudo a partir dos governados, as Istor ie Fiorentine mostram um Maquiavel preoc upado com sua
cidade, o que o levou até a modificar fatos históric os para argumentar melhor a favor de suas próprias
teses políticas. Na passagem aqui traduzida, apar ece de forma muito evidente o que é considerad o por
alguns estudiosos a mais im portante marca da análise maquiavelian a: a tensão entre a natureza e a
cultura, entre uma natureza humana com um a todos, governantes e governa dos, e a política na sua
pragmaticidade, na sua temporalidade e c ontingência. Neste contexto, o discurso tradu zido, feito por
alguém que poderia ser cham ado “líder sindical” dos trabalhad ores da lã de Florença, revela de maneira
muito clara, transparente e dura o que Maquiavel pensa dos ser es humanos como tais – “a ver dade
efetual das coisas” também a r espeito da natureza humana. Sendo os hom ens como são, fizeram com
que Florença chegasse a ter a im portância cultural e política que usufruía no período. Mesmo as sim,
durante o governo dos Medici, os dirigentes d a cidade viviam em conflito entre si. Esta é a “occasione”
que deve ser aproveitada pelos que sem pre se sentiram governados e oprimidos, e c om medo dos
governantes e do inferno: também eles devem abandonar uma visão ot imista da natureza humana, e
passar a assumir uma visão realista, s em a qual não seria possível n enhuma mudança política de fato.

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