Natureza Jurídica da Contribuição

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas121-136

Page 121

A natureza jurídica da exação previdenciária é a área na qual o Direito Previdenciário mais se relaciona com o Direito Tributário. Sede de formidáveis divergências entre publicistas e uns poucos previdenciaristas, tem estimulado enormemente os estudiosos e propiciado respeitável contribuição doutrinária.

231. Introdução do tema - É mais ou menos assente ser tarefa cometida à doutrina perquirir insistentemente até, afinal, definir a essência das coisas em Direito. Com frequência e por imposição do dever de distribuir a justiça, o magistrado vê-se obrigado a tentar apreendê-la, sendo bem-sucedido em alguns julgados. Raramente, a norma declara a nuclearidade do fenômeno jurídico regido; o legislador tem ojeriza por definições e escapa dos conceitos (o art. 3º do CTN é exceção), mas insinua ou fornece suficientes sugestões.

No encaminhamento do estudioso, indagar o âmago dos institutos sem se abeberar na regra legal é oneroso; em muitos casos, ela é expressão comum, planta baixa, de fácil leitura e passo inicial. Daí tantos comentários às leis e tão poucos cursos.

Vale dizer, sob pena de perder-se o eixo da investigação, não se pode ignorar o texto da norma quando ela circunscreve o objeto analisado. Principalmente, referente à matéria contemplada na Carta Magna, quando representa a condensação do fato, refletindo a intimidade do ente buscado, na hipótese de o constituinte ter sido feliz na redação.

Raciocínio muito utilizado, sub censura, consiste em atribuir valoração num artigo, se, noutro semelhante, qualificação foi procedida, não confirmada pelos demais elementos da norma. Dá-se exemplo com o art. 194, parágrafo único, VII, no qual a Constituição Federal, cuidando da gestão, fala em "trabalhadores, empresários e aposentados". Corolariamente, no art. 195, II, mencionando trabalhadores, não teria incluído os inativos. Será verdadeira a assertiva? Se sim, haveria conflito com o art. 201, § 1º, da Carta Magna de 1988 ("Qualquer pessoa poderá participar dos benefícios da previdência social") e o desempregado não poderia ser facultativo e, da mesma forma, excluiria os empresários do rol dos trabalhadores e assim por diante...

Não se deve esperar encontrar explicitamente essa condensação na Lei Maior, mas apenas indicações úteis. Nem ser encarada como Bíblia Sagrada, livro perfeito onde descrito o Santo Graal da sabedoria. Carece de muitos reparos e esse talvez seja o maior desafio do estudioso, separar o válido do equivocado, e sopesar os cochilos.

Para Geraldo Ataliba, o conceito de tributo é constitucional ("Hipótese de Incidência Tributária", p. 29). Mesma recomendação faz Augusto Becker: "Quem preferir caminho diferente, defrontar-se-á com múltiplos problemas jurídicos e não os poderá resolver; apenas conseguirá apaziguar as suas dúvidas, embriagando-se com ilogismos eruditos, dissolvidos no remoinho da retórica e utilizando o estudipificante, aliás muito cômodo, dos fundamentos óbvios" (apud Geraldo Ataliba, ob. cit., p. 30).

Para tanto, existem métodos e recomendações da ciência hermenêutica (e não são poucos ou fáceis), mas, em compensação, é do ser humano subestimar e superestimar enfoques, ângulos, vieses, enfim, valorizar ou não singularidades, segundo processo meramente subjetivo.

Não é desprezível indagar: se a decadência e a prescrição previdenciárias tivessem sido estabelecidas com prazos iguais aos dos arts. 173/174 do CTN, quantos tributaristas teriam estudado este aspecto e, da mesma forma,

Page 122

até onde a busca da autonomia do Direito Previdenciário não levaria os previdenciaristas a privilegiar sua área de atuação?

Alude-se à decantação da natureza científica, compreendendo a econômica e a jurídica, da exação previdenciária. Sobre sua indispensabilidade, não obstante a Resolução n. 6 do XV Simpósio Nacional de Direito Tributário, de 1990 ("À luz da Constituição de 1988, todas as contribuições sociais inseridas nos artigos 149 e 195 ostentam natureza tributária"), parece desnecessário alongamento.

Postado na corrente tributária da contribuição previdenciária, quando todos continuam buscando sua natureza (haja vista o Caderno de Pesquisas Tributárias, vols. 1, 8, 17 etc.), estranha a afirmação de Hugo de Brito Machado: "Em face da Constituição Federal de 1988, restou desprovida de interesse no Direito Positivo Brasileiro a polêmica em torno da questão de saber se as contribuições sociais são, ou não, tributo ("Contribuições"...)". Acosta-se à Geraldo Ataliba: "Na medida em que a perquirição da natureza jurídica dos institutos tem a finalidade única de desvendar qual é o regime jurídico que o sistema lhes dispensa (Celso Antônio), fica superada (ou inutilizada) a perquirição da natureza das contribuições, de vez que a própria Constituição Federal foi taxativa a respeito, mandando aplicar-se-lhe o regramento jurídico tributário" ("Contribuição Social na Constituição Federal de 1988", Rev. Direito Tributário, p. 48/49, apud "Contribuições Sociais no Sistema Tributário", p. 74).

Recentemente, essa inteligência se impôs como pressuposto ao Supremo Tribunal Federal quando do exame da contribuição previdenciária patronal em relação à remuneração dos empresários, autônomos e avulsos (ADI n. 1.202?2/DF).

No curso da história, o elaborador da Norma Máxima ofereceu ilustrações ao ceder espaço à técnica protetiva,

avocando mecanismos colhidos na lei ordinária e alçando-os para o seu patamar.

A apuração da quinta-essência da exigibilidade previdenciária não elide uma primeira dicotomia:

  1. idealização constitucional, com função acentuadamente institucional e formal, e

  2. concepção econômica e nuança naturalmente material, perscrutando a especificidade do instrumental protetor. Se possível, privilegiando os cenários em que o pesquisador se verá obrigado a mergulhar nos ditames infraconstitucionais.

    Uma combinação do fruto dessas duas pesquisas seguramente ensejará aproximação da definição procurada. Sempre lembrando ser papel do legislador da norma extrair suas verdades na realidade, e não impô-las ao mundo social por si mesmas. Isto é, integrar as duas deduções numa conclusão lógica e finalística.

    A Lei Maior é norma suprema e, ao dispor sobre o assunto, não pode fazê-lo em conflito com o substrato pré-jurídico ou consigo, nem induzir o aplicador ou interessado a engano. Daí se admitir, quando sistematizada ou implementada por lei, a conclusão. Julga-se pouco faltar para isso, ou seja, tem-se como suficiente farol iluminador da inteligência da natureza da exação previdenciária. Mas, aparentemente, pavimentar o caminho é espinhoso encargo da doutrina.

    Nessa linha de raciocínio, convém registrar arguta lição de Pontes de Miranda: "Quando a Lei fixa o quantum da contribuição de empregador ou de empregado, para que se aplique o art. 165, XVI, da Constituição de 1967, não tributa nem há imposto, nem taxa (no sentido de espécie de tributo); não há determinação legal quanto a, por força de regra jurídica constitucional cogente, porém não autossuficiente, estarem vinculados o empregador e o empregado. Chamar-se de ‘taxa’ a tais contribuições, prestáveis por dever, seria o mesmo que chamar-se de ‘taxa’ ao que a lei fixa como quanto do alimento por parentesco, ou por vínculo conjugal" ("Comentários à Constituição de 1967", p. 226).

    A visão do Estatuto Fundamental é formal, e não poderia ser diferente, cabendo recorrer à metodologia do ramo jurídico, o Direito Previdenciário e seus princípios, sem ênfase ou exclusividade do Direito Tributário. Quando enfocada a realidade social, possivelmente solicitar a inspiração da técnica protetiva, a previdência social. Nesse sentido, não andou bem o STF, por ocasião da mencionada ADI, quando desprezou informações do Direito Previdenciário, indo buscar o conceito de "folha de salários" apenas no Direito do Trabalho.

    232. Exação previdenciária ou securitária - A partir da Constituição Federal de 1988 e seu Título VIII - Da Ordem Social, particularmente do caput do art. 194, a matéria sub examinem teve acrescido um complicador. Ampliou-se o nicho onde abrigada a dita exigibilidade. Até então, investigava-se a cotização previdenciária e, agora, está-se diante do aporte securitário. Quer dizer, será preciso explicitar, em particular, igualmente as verbas destinadas às ações de saúde e à assistência social.

    Page 123

    Realmente, tais despesas eram acudidas com a receita do FPAS, mas a Carta Magna individualizou os diferentes programas estatais, sem prejuízo de tê-los integrados num esforço comum do Estado e da iniciativa particular.

    Deveremos poder responder à indagação: importa, nesta pesquisa, saber se os recursos são canalizados para pagamento de prestações previdenciárias, serviços assistenciários ou sanitários? A resposta é positiva, pois essas apropriações estatais são diversificadas e adquirem formatação conforme, entre outros aspectos, sua utilização constitucional.

    Rui Barbosa Nogueira preocupou-se com isso: "As contribuições são tributos, salvo as destinadas ao custeio da assistência social que, por estarem reguladas no art. 195, inserto no capítulo II do Título VIII, pertinente à Ordem Social, têm outra natureza" ("Curso de Direito Tributário", p. 128). Além de não ter desprezado o sítio em que assentada a impositividade, qual o motivo de ter selecionado a assistência social e ignorado a previdência social? Se a posição geográfica é importante, as três vertentes da seguridade social estão coligadas (arts. 193 e 204).

    O destino da receita é condição necessária, mas não suficiente; aparentemente, não é capaz de solver a dúvida em tela. A natureza da exação deve ser sugerida pela finalidade conceitual, e não pelo seu uso prático. Não é relevante se o valor aportado pelo facultativo (dificilmente enquadrável na ideia de imposição), afinal, prestou-se para pagar benefício de segurado obrigatório. Da mesma forma, se a multa não é tributo (mera e cara convenção à qual tanto se apegam os publicistas), é despiciendo saber se atinge o mesmo resultado...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT