Ausência de projetos civilizacionais nos primeiros estudos sociais brasileiros

AutorMaria José de Rezende
CargoProfessora de Sociologia, Universidade Estadual de Londrina
Páginas83-108
Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, Volume 46, Número 1, p. 83-108, Abril de 2012
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* Lack of civilizational projects in the first Brazilian social studies
1 Professora de Sociologia, Universidade Estadual de Londrina. Endereço para correspondências: Rua
Pio XII, 335, Apto. 1104, Londrina, PR, 86020-914 (mjderezende@gmail.com).
Ausência de projetos civilizacionais nos primeiros
estudos sociais brasileiros*
Maria José de Rezende1
Universidade Estadual de Londrina
A finalidade deste estudo é demons-
trar que alguns dos primeiros pensadores
sociais brasileiros (Sílvio Romero, Eucli-
des da Cunha e Manoel Bomfim) já se en-
contravam fortemente envolvidos na dis-
cussão sobre as (im)possibilidades de o
país construir um projeto civilizacional
capaz de transfigurar a sociedade e o Es-
tado brasileiro. Constata-se que eles eram
influenciados pelos principais problemas
das discussões sociológicas positivistas
e evolucionistas que tomavam o processo
civilizacional como algo dotado de lineari-
dade e de diretividade. Todavia, suas po-
sições eram desconfortáveis, uma vez que
eles tinham a sensação de estarem sendo
tragados por uma concepção européia de
progresso totalmente incompatível com a
realidade social brasileira. Havia uma gran-
de dificuldade, em todos eles, de lidar com
os avanços e recuos, idas e vindas, pro-
gressos e regressos, evolução e regres-
são presentes nos processos civilizacio-
nais, o que pode ser explicado pelas suas
filiações às perspectivas pautadas na ine-
xorabilidade histórica.
Palavras-chaves: Processo e projeto civi-
lizacional – Progresso – Evolução – Na-
ção – Desigualdades
The purpose of this study is to
show that some of the first Brazilian so-
cial thinkers (Sílvio Romero, Euclides da
Cunha and Manoel Bomfim) were alrea-
dy deeply involved in the discussion
concerning the (im)possibilities for the
country to develop a civilizational pro-
ject capable of transforming the society
and the Brazilian state. It is observed that
they were influenced by the main pro-
blems related to the positivist and evo-
lutionist sociological discussions that
considered the civilizational process as
something endowed with linearity and di-
rectivity. However, their positions were
not comfortable, once they had the fee-
ling of being swallowed by and Europe-
an concept of progress completely with
the Brazilian social reality. All of them
had a great difficulty in dealing with the
advances and retreats, improvements and
failures, evolution and regression pre-
sent in the civilizational processes, what
can be explained by their affiliation to
the perspective based on the historical
inexorability.
Keywords: Civilizational process and pro-
ject – Progress – Evolution – Nation – Ine-
qualities.
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Revista de Ciências
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Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, Volume 46, Número 1, p. 83-108, Abril de 2012
Introdução
A noção de projeto civilizacional está sendo empregada para definir um
conjunto de aprendizado individual e coletivo que possibilita uma vivência
voltada, crescentemente, para melhorias sociais e políticas potencializadoras
de relações cada vez mais democráticas. Em tais condições, os diversos seg-
mentos sociais conseguem construir canais para influenciar as decisões daque-
les que estão no poder. A defesa tanto de uma educação republicana capaz de
solapar o oligarquismo, quanto de um processo sociopolítico que vencesse os
descasos dos dirigentes com os povos mais pobres, a exclusão e as desigualda-
des econômicas e políticas, está sendo tomada aqui como parte de um projeto
civilizador, o qual foi amplamente problematizado, discutido e defendido por
alguns pensadores sociais desde o final do século 19. Os problemas que orien-
tam esse artigo são os seguintes: De que modo Sílvio Romero (1851-1914)2,
Euclides da Cunha (1966-1909)3 e Manoel Bomfim (1868-1932)4 estiveram,
cada um a seu modo, preocupados com a necessidade de o país formular um
projeto civilizacional? E o que eles entendiam por este último? Indaga-se, ainda,
de que maneira o ambiente intelectual, de suas épocas, moldado pelo positivis-
mo, pelo darwinismo social e pelo evolucionismo sociológico teve um papel
significativo na definição deste projeto?
(Des) (In) Civilização são temas que percorrem, ao longo de séculos, as
reflexões clássicas e contemporâneas das Ciências Sociais. Eles têm sido recor-
rentes nas principais obras sociológicas. Herbert Spencer (1904; 1904ª; 1904b;
1972), Augusto Comte (1976), Emile Durkheim (1984), Georg Simmel (1986;
1988), Max Weber (1985; 1991), Werner Sombart (1953; 1979), Alfred Weber
(1960), entre outros, cada um a sua maneira, estiveram voltados para identifi-
car avanços e não-avanços civilizacionais nas sociedades ocidentais modernas.
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2 “Nascido em 1851, no interior do Sergipe, de onde saiu em busca de ação política e de consagração
literária, Sílvio Romero, com 29 anos veio para o Rio de Janeiro, onde alcançou uma notoriedade
feita de louvor e de rancor, vindo a falecer em 1914. Como a maior parte de seus companheiros
de ofício, ele, que foi jornalista, crítico, historiador e professor, acreditou que o espírito e o
método científicos deviam ser estendidos a todos os domínios da vida intelectual e moral. Como
Manoel Bomfim, com quem brigou até a morte e, Euclides da Cunha, de quem foi amigo e
admirador, preocupou-se em entender o Brasil, para o que dedicou toda uma vida...” (REZENDE
MOTA, 2000, p. 17-18).
3 Euclides da Cunha nasceu no estado do Rio de Janeiro. Foi escritor, sociólogo, historiador, repórter
e engenheiro. “As interpretações de Euclides da Cunha sobre o Brasil floresceram na última década
do século XIX e na primeira do século XX. O pano de fundo de suas reflexões foram os aconteci-
mentos sociais e políticos que tiveram início com a independência” (REZENDE, 2002; p. 1).
4 Manoel Bomfim nasceu, assim como Sílvio Romero, no estado de Sergipe em meados do século 19.
Estudou Medicina no Rio de Janeiro e Pedagogia na França. Foi político, historiador e educador.
Suas principais reflexões foram desenvolvidas entre 1905 e 1932. Ele “elaborou uma ampla discus-
são sobre a atuação das principais forças políticas no Brasil a partir da independência. Ele consta-
tava que, apesar de pouco mencionado, havia-se desenvolvido no país, após 1822, um significativo
movimento em prol da nacionalidade brasileira...” (REZENDE, 2003; p.77).

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