Convergências do feminino na poética muriliana

AutorDaniela Moraes Neves
Páginas51-63
CONVERGÊNCIAS DO FEMININO NA POÉTICA MURILIANA
Daniela Neves
Andam diante de mim teus olhos cristalinos,
A que um anjo cedeu poder magnetizante:
Andam: são meus irmãos estes irmãos divinos,
Jogando em meu olhar seus fogos de diamante;
Salvando-se de risco e de pecado ignavo,
Pela estrada do Belo eles impõem meus rastros.
Olhos meus servos são, deles eu sou escravo!
Obedece o meu ser a estes vívidos astros.
Charles Baudelaire
Pela liberdade feérica e a inteligência sans le secours d’etat major clama o eu
poético muriliano, com algum saudosismo e ao mesmo tempo com uma marca única e
voz cortante, bem ao estilo daqueles que constroem seu próprio jogo e sua própria arte.
Em A Idade do Serrote, obra de memórias, Murilo Mendes confessa sua fascinação
pelos mistérios humanos e, em toda a sua poesia, revela nas imagens femininas sua
busca de expor em versos os incompreensíveis e complexos caminhos da experiência
humana; não apenas através das reflexões de cada poema, mas também na forma
assimétrica, fragmentada e de organização conscientemente desordenada de seus versos.
Nessa mesma obra memorialística, o poeta vai nos revelando traçados de sua
formação, de sua poética e das motivações mais profundas de sua obra, através de
imagens densas, impactantes e muitas vezes conflitivas. O aspecto pictórico se condensa
na sua poesia e na prosa, refratando reflexos múltiplos de muitos textos, culturas e
vozes: “Cedo atraíam-me as esfinges, as gárgulas, as medusas, as máscaras, as
mascarilhas, as gigantas, as figuras de proa, as demônias, as participantes das
metamorfoses de Siva ou Vishnu, as sacerdotisas; paralelamente às pessoas em carne e
osso, via figuras e pessoas míticas“ (MENDES, 1995: p.974).
As fortes imagens femininas poetizadas na obra autobiográfica, irão se
potencializar ao longo de sua poesia, desde a fase humorística, passando pela fase mais
mística e surrealista, até a sua fase mais madura, marcada pelo experimentalismo com a
linguagem, engajando-se parcialmente na proposta construtivista.
Como podemos observar na passagem citada, alternam-se freqüentemente os
topos do universo, que revertem estados e ideologias, que se embatem através da poesia.
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