Da necessidade da ratificação da Convenção n. 87 da OIT pelo Brasil

AutorElessandra dos Santos Marques Válio
Ocupação do AutorAdvogada cível e trabalhista. Especialista em direito do trabalho, mestre em direito constitucional e doutoranda em direito do trabalho pela PUC/SP. Professora universitária
Páginas51-63

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Ver nota 1

1. Introdução

A liberdade sindical é considerada um elemento imprescindível de um Estado Democrático de Direito.

Embora prevista há muitos anos por vários documentos internacionais importantes, como a Declaração sobre os objetivos da Organização Internacional do Trabalho (Filadélfia, 1944), a Declaração Universal dos Direitos do Homem (Nova York, 1948) e o Pacto Social dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Nova York, 1966), a Convenção n. 87 da OIT (São Francisco, 1948) e a Convenção n. 98 da OIT (Genebra, 1949), a liberdade sindical é limitada em nosso país.

A vigência do art. 8º, incisos II e IV, da Constituição Federal de 1988 obsta a ratificação do documento internacional mais importante a respeito de liberdade sindical, a Convenção n. 87 da OIT. O Brasil é o único país da América Latina que ainda não ratificou o aludido documento.

2. A proteção da liberdade sindical no cenário internacional

Após o final da Primeira Guerra Mundial, surge a Organização Internacional do Trabalho (OIT) como um organismo especializado nas questões juslaborais e sociais no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), reconhecendo a precípua importância no que tange à promoção e proteção dos direitos humanos do trabalhador. Seu surgimento deparou-se com o direito de sindicalização e o sindicalismo bastante arraigado nos países industrialmente desenvolvidos e começando a se difundir em outros países em processo de desenvolvimento incipiente.

Em 1944, a Declaração da Filadélfia2 foi outorgada tendo por escopo a busca da paz, a justiça social e condições mais dignas e justas aos trabalhadores. Tal declaração já anunciou o direito à liberdade sindical.

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A Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948, cujo texto estabeleceu que todas as pessoas nascem livres, iguais em dignidade e direitos, por serem dotadas de razão devem agir umas em relação às outras com espírito de fraternidade. A mesma declaração elevou a liberdade sindical ao patamar de direito humano3, passando a ser considerada um elemento essencial no sistema das relações profissionais, bem como da democracia política. Nesse mesmo ano, foi aprovada a Convenção n. 87, que foi a primeira convenção da Organização Internacional do Trabalho que regulamentou amplamente a liberdade sindical.

Cumpre ressaltar a importância do conceito de liberdade em lato sensu, levando-se em conta as possibilidades de ação e de escolhas, nas palavras de Caio Prado Júnior:

[...] "liberdade" se entende a faculdade, a possiblidade e a oportunidade de o indivíduo se realizar, isto é, dar vazão às suas potencialidades e fixar em função delas suas aspirações, logrando alcançá-las.

A liberdade não é, em si, senão um meio, e não um fim.

Fim esse que não pode ser outro, para o indivíduo, que aquela realização de sua personalidade.4

Robert Alexy faz uma salutar observação a respeito do direito geral de liberdade, pois assevera que tal conjunto de normas pode se estender além da proteção de ações, mas também ser estendido à tutela de situações e posições jurídicas do titular dos direitos fundamentais. Portanto, o ordenamento jurídico em questão não protege apenas o seu ‘fazer’, mas também o seu ‘ser’ fático e jurídico.5

Embora abrangente o conceito de liberdade, podemos depreender que a liberdade é intrínseca ao ser humano enquanto animal social, na medida em que a complexidade das relações sociais pressupõe que cada indivíduo tenha, cada vez mais, opções de escolhas políticas e de expressão socioeconômica. A liberdade não pode ser uma abstração jurídica desprovida de efetividade.

No que tange especificamente à liberdade sindical, Canotilho e Vital Moreira asseveram que,

[...] é hoje mais que uma simples liberdade de associação perante o Estado. Verdadeiramente, o centro tônico coloca-se no direito à actividade sindical, perante o Estado e perante o patronado, o que implica, por um lado,

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o direito de não ser prejudicado pelo exercício de direitos sindicais e, por outro lado, o direito a condições de actividade sindical (direito de informação e de assembleia nos locais de trabalho, dispensa de trabalho para dirigentes e delegados sindicais). Finalmente, dada sua natureza de organização de classe, os sindicatos possuem uma importante dimensão política que se alarga muito para além dos interesses profissionais dos sindicalizados, fazendo com que a liberdade sindical consista também em direito dos sindicatos a exercer determinadas funções políticas.6

Destarte, a liberdade é pressuposto metajurídico fundamental do Estado Demo-crático de Direito, um requisito para a preservação da cidadania e da estabilidade política das relações sociais; negá-la é atentar contra a História, a Ciência Política e o próprio Direito.

3. A evolução sindical no Brasil

No que concerne à evolução sindical no Brasil, a Constituição do Império de 1822 assegurava somente a liberdade para o trabalho (art. 174, inciso XXIV7).

Insta não nos olvidarmos que até 1888 vigia a escravidão, sendo que as relações de emprego se davam em sua grande parte no setor cafeeiro nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo.

Em 1889, com a Proclamação da República, inspirada na ideologia da Revolução

Francesa, a Constituição da República de 1891 trazia em seu art. 72, parágrafo 8º, a liberdade de associação, e no parágrafo 24 a liberdade de exercício profissional8.

A primeira lei que se referiu aos sindicatos no Brasil foi a Lei n. 979 de 1903; porém, tal dispositivo legal apenas aludia à organização dos sindicatos rurais, à distribuição dos créditos oficiais aos associados e à organização de cooperativas para a venda dos produtos.9

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O Decreto n. 1.637 de 190710 garantia o direito de sindicalização para todos os trabalhadores e ainda assegurava a formação das cooperativas, bem como permitia o desenvolvimento e defesa dos interesses profissionais de seus membros.

No ano de 1930, sob o comando de Lindolfo Collor, é criado o Ministério da Indústria e Comércio, tendo por fulcro o Decreto n. 19.443 de novembro de 1930. O referido órgão da Administração Pública Direta tinha como atribuição implementar a política trabalhista e administrar a organização dos trabalhadores como força de cooperação com o Estado.

No período de 1931 a 1935, a unicidade e a pluralidade tornaram-se inconstantes, ou seja, com o Decreto n. 19.770, de 19 de março de 1931, mais precisamente em seu art. 9º, consagrou a unicidade sindical, bem como a neutralidade e a nacionalidade dos sindicatos, que foi alterada devido a Carta Constitucional de 1934, que acolheu a pluralidade, bem como a liberdade e autonomia sindical, o que durou pouco, pois o governo federal imediatamente retomou seu controle pleno, através do estado de sítio de 1935, continuado pela ditadura aberta de 1937, eliminando, assim, qualquer foco de resistência à sua estratégia político-jurídica, firmando solidamente a larga estrutura do modelo justrabalhista, cujas bases iniciara logo após o movimento de outubro de 1930.11

A unicidade sindical foi introduzida no Brasil pelo Decreto-lei n. 1.402 de 5 de julho de 1939, em seu art. 6º, cuja redação era: "Não será reconhecido mais de um sindicato para cada profissão."

Com a aprovação da Consolidação das Leis do Trabalho em 1943, ainda na vigência da Constituição de 1937, houve a reprodução da legislação sindical existente, pois reza o art. 516 da CLT: "Não será reconhecido mais de um sindicato representativo da mesma categoria econômica ou profissional, profissão liberal, em uma dada base territorial", fazendo com que exista um contraste com a sistematização das leis do primeiro período da Revolução de 1930 e também com o preenchimento das lacunas legislativas existentes. A inspiração para tanto veio das convenções da Organização internacional do Trabalho, da encíclica Rerum Novarum e das conclusões do Primeiro Congresso de Direito Social (São Paulo, 1941).12

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Em 18 de setembro de 1946, a Constituição então promulgada albergou a proteção aos direitos individuais e reconheceu o regime democrático. Já em relação às questões atinentes à organização sindical e ao exercício de greve, deixou a cargo de leis ordinárias.13

A Carta Maior de 1967 seguiu a mesma linha da norma anterior no que diz respeito ao sindicalismo, porém, a Emenda Constitucional n. 1/69 vedou a greve nas atividades essenciais e nos serviços públicos14.

4. A Constituição Federal de 1988 e os limites para a ratificação da Convenção n 87 da OIT

A atual Constituição da República Federativa do Brasil representou um marco da redemocratização, pois abrangeu vários aspectos dos direitos fundamentais, todavia, no que se refere à liberdade sindical, restringiu-se a assegurar a liberdade de associação, bem como a atuação do dirigente sindical15, e ainda a sindicalização dos servidores públicos civis16.

Houve ainda a manutenção da unicidade sindical por categoria e da contribuição sindical compulsória em prol das associações que integram o sistema confederativo,

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