Necropsia em odontologia legal e tanatologia forense

AutorJoão Pedro Pedrosa Cruz
Páginas95-125

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Introdução

A palavra necropsia, mais comumente utilizada e pronunciada como necrópsia, tem a sua origem nos termos gregos nekros, que significa "cadáver" e opsis, definido como "exame visual". Portanto, a necropsia é etimologicamente entendida como o exame do cadáver. Um outro termo bastante empregado com o mesmo sentido é a palavra autopsia ou autópsia. Neste caso, considerada a origem, tem-se uma utilização imprópria, uma vez que o elemento grego auto, do qual ela deriva, significa "de si próprio", sendo tal prerrogativa impossível ao cadáver. No entanto, apesar da impropriedade do ponto de vista etimológico, o termo autopsia está consagrado como sinônimo de necropsia e assim é definido nos principais dicionários. A favor da palavra autopsia pesa ainda o argumento de não se tratar obviamente do autoexame realizado pelo cadáver, mas na verdade do ato de um indivíduo analisar outro da mesma espécie.

A depender das circunstâncias que provocaram a morte de uma pessoa, o exame necroscópico pode ser realizado em campos distintos. O Ministério da Saúde, em conjunto com o Conselho Federal de Medicina e o Centro Brasileiro de Classificação de Doenças, orienta, por meio de um manual técnico, com base na Resolução CFM ns 1.779/2005, sobre as competências de emissão da declaração de óbito no país. Esta declaração é requisito para a definição do destino final do cadáver, seja o sepultamento ou até mesmo a cremação.

Para entender as responsabilidades sobre o exame do cadáver, é preciso conhecer, inicialmente, alguns conceitos relacionados à morte, tema explorado pela Tanatologia.

Aspectos da tanatologia forense de interesse a odontologia legal

A Tanatologia (do grego, tanathos = morte e logos = ciência) é a área do conhecimento que estuda a morte, seu diagnóstico, o período de tempo decorrido

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entre ela e os sinais relacionados, assim como as repercussões para a justiça. Do ponto de vista médico-legal, a morte pode ser classificada didaticamente quanto à realidade, quanto à rapidez e quanto à causa (Avelar, Castro, 2011; Vanrell, Borborema, 2017).

Quanto à realidade

Morte real

É ampla e histórica a discussão sobre o conceito de morte real, uma vez que se trata de um processo de transições graduais. Dessa forma, o Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução ns 1.480/1997, definiu critérios para constatação, de modo indiscutível, da ocorrência de morte, baseados no estabelecimento da morte encefálica. Para tal, a caracterizou por meio da realização de exames clínicos e complementares durante intervalos de tempo variáveis a depender da faixa etária.

Resolução CFM 1480/1997 (Publicado no D.O.U., 21 ago 1997, p. 18.227)

O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei ns 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nB 44.045, de 19 de julho de 1958 e,

CONSIDERANDO que a Lei ns 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a retirada de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, determina em seu artigo 3B que compete ao Conselho Federal de Medicina definir os critérios para diagnóstico de morte encefálica; CONSIDERANDO que a parada total e irreversível das funções encefálicas equivale à morte, conforme critérios já bem estabelecidos pela comunidade científica mundial;

CONSIDERANDO o ônus psicológico e material causado pelo prolongamento do uso de recursos extraordinários para o suporte de funções vegetativas em pacientes com parada total e irreversível da atividade encefálica;

CONSIDERANDO a necessidade de judiciosa indicação para interrupção do emprego desses recursos;

CONSIDERANDO a necessidade da adoção de critérios para constatar, de modo indiscutível, a ocorrência de morte;

CONSIDERANDO que ainda não há consenso sobre a aplicabilidade desses critérios em crianças menores de 7 dias e prematuros, RESOLVE:

Art. 1B A morte encefálica será caracterizada através da realização de exames clínicos e complementares durante intervalos de tempo variáveis, próprios para determinadas faixas etárias.

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Art. 2B Os dados clínicos e complementares observados quando da caracterização da morte encefálica deverão ser registrados no "termo de declaração de morte encefálica" anexo a esta Resolução.

Parágrafo único. As instituições hospitalares poderão fazer acréscimos ao presente termo, que deverão ser aprovados pelos Conselhos Regionais de Medicina da sua jurisdição, sendo vedada a supressão de qualquer de seus itens. Art. 3B A morte encefálica deverá ser consequência de processo irreversível e de causa reconhecida.

Art. 4B Os parâmetros clínicos a serem observados para constatação de morte encefálica são: coma aperceptivo com ausência de atividade motora supra-espinal e apneia.

Art. 5B Os intervalos mínimos entre as duas avaliações clínicas necessárias para a caracterização da morte encefálica serão definidos por faixa etária, conforme abaixo especificado:

  1. de 7 dias a 2 meses incompletos — 48 horas

  2. de 2 meses a 1 ano incompleto — 24 horas

  3. de 1 ano a 2 anos incompletos — 12 horas

  4. acima de 2 anos — 6 horas

    Art. 6B Os exames complementares a serem observados para constatação da morte encefálica deverão demonstrar de forma inequívoca: ausência de atividade elétrica cerebral ou, ausência de atividade metabólica cerebral ou, ausência de perfusão sanguínea cerebral.

    Art. 7B Os exames complementares serão utilizados por faixa etária, conforme abaixo especificado: acima de 2 anos — um dos exames citados no Art. 6B, alíneas "a", "b" e "c"; de 1 a 2 anos incompletos: um dos exames citados no Art. 6B, alíneas "a", "b" e "c". Quando optar-se por eletroencefalograma, serão necessários 2 exames com intervalo de 12 horas entre um e outro; de 2 meses a 1 ano incompleto: 2 eletroencefalogramas com intervalo de 24 horas entre um e outro; de 7 dias a 2 meses incompletos: 2 eletroencefalogramas com intervalo de 48 horas entre um e outro.

    Art. 8B O Termo de Declaração de Morte Encefálica, devidamente preenchido e assinado, e os exames complementares utilizados para diagnóstico da morte encefálica, deverão ser arquivados no próprio prontuário do paciente. Art. 9B Constatada e documentada a morte encefálica, deverá o Diretor-Clínico da instituição hospitalar, ou quem for delegado, comunicar tal fato aos responsáveis legais do paciente, se houver, e à Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos a que estiver vinculada a unidade hospitalar onde o mesmo se encontrava internado.

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    Art. 10. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação e revoga a

    Resolução CFM ns 1.346/91.

    Brasília, 08 de agosto de 1997.

    WALDIR PAIVA MESQUITA

    Presidente

    ANTÔNIO HENRIQUE PEDROSA NETO Secretário- Geral

    Morte aparente

    A morte aparente diz respeito àquelas situações especiosas, ou seja, que têm apenas aparência de verdade. Aqui se enquadram diversos eventos reversíveis nos quais pode haver dificuldade de estabelecimento da realidade da morte. Tratam-se de pessoas em condições específicas similares à ocorrências de morte real. Há três características descritas por Thoinot, comuns aos casos de morte aparente, são elas: imobilidade, ausência aparente de respiração e ausência de circulação. Vanrell e Borborema (2017) apresentam a diferenciação dos tipos de morte aparente quanto à causa:

    • sincopal: mais frequente das causas; se dá na maior parte dos casos pela perda súbita da consciência associada ao déficit de fluxo cerebral por queda temporária da pressão arterial;

    • histérica: segunda mais frequente; condição de um sono profundo anormal (catalepsia, letargia) ou estado de inconsciência profunda de origem orgânica, com supressão da sensibilidade ao meio ambiente e de reações motoras (estupor);

    • asfíxica: relacionadas às situações de deficiência no processo respiratório, seja de etiologia mecânica ou histotóxica;

    • tóxica: quando da intoxicação por substâncias químicas, com destaque para a aplicação de altas doses de anestésicos, ou abuso de morfinas ou outros derivados do ópio;

    • apoplética: ocorre nos casos de acidentes vasculares cerebrais, ou seja, formação súbita de um derrame sanguíneo (hemorragia) ou obstrução total ou parcial (isquemia) em um vaso cerebral;

    • traumática: perturbações específicas associadas a eventos lesivos. As principais situações são de ordem elétrica, tanto por eletroplessão como por fulguração; e de ordem térmica, seja pelo aumento do calor (termopatias) ou pela diminuição (criopatias);

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    • causas gerais: observadas eventualmente em algumas formas de cólera, nas situações de coma associado à eclâmpsia e ainda em casos de epilepsia.

    QUANTO À RAPIDEZ Morte rápida (súbita)

    Ocorre de maneira repentina, sem possibilidade de previsão. Ocorre em uma pessoa em bom estado de saúde aparente. Estão ausentes os históricos de traumas ou estados mórbidos que possam ser associados à causa da morte. Pode se dar dentro de segundos ou horas, dificultando uma análise clínica adequada para definição de um diagnóstico seguro.

    Morte lenta (agônica)

    Ocorre de forma esperada, devagar, se dá em decorrência de um estado mórbido, ou seja, de uma doença ou como resultado da evolução de um trauma. O diagnóstico é realizado a partir da análise do histórico clínico, dados hospitalares e, se necessário, exames anatomopatológicos e laboratoriais. Em tais exames pode ser verificado: presença de glicogênio e glicose no fígado (docimásia hepática de Lacassagne e Martin), ausentes nos casos de morte agônica; valor médio da adrenalina em ambas suprarrenais (docimásia suprarrenal de Cevidalli e Leoncini), abaixo de 4 mg nas mortes agônicas; glicogênio na...

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