Negociação Coletiva

AutorJosé Claudio Monteiro de Brito Filho
Ocupação do AutorDoutor em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor do Programa de Pós-graduação e do Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário do Estado do Pará
Páginas161-177

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Como dito, dentre as atividades sindicais destaca-se a negociação, ou negociação coletiva, dentro do que se denomina função negocial ou regulamentar.

Meio autocompositivo de solução de conflitos ou solução autônoma, conforme o magistério de António Menezes Cordeiro1, ela caracteriza-se por derivar das próprias partes, sem que exista a interferência do Estado, sendo bastante utilizada no mundo2.

Tem sido considerada, segundo Alfredo J. Ruprecht, "o melhor sistema para solucionar os problemas que surgem entre o capital e o trabalho, não só para fixar salários e estabelecer condições laborais, mas também para regular todas as relações de trabalho entre empregado e empregador"3.

Concordamos com ele, tanto que já afirmamos que "dificilmente alguém discorda de que a melhor forma de solução dos conflitos coletivos de trabalho é a negociação direta"4.

Sua importância fez com que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) dela se ocupasse em diversos textos normativos, podendo ser citadas as Convenções ns. 98, 151 e 154.

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A OIT, a propósito, em estudo de sua Comissão de Peritos em Aplicação de Convenções e Recomendações, afirma que a negociação coletiva voluntária é um dos aspectos mais importantes das relações laborais5.

É dela que trataremos, agora, verificando seus principais aspectos.

6.1. Definição

Antes de estudarmos os principais aspectos da negociação, porém, é necessário verificar sua definição. Para isto, podemos encontrá-la tanto no plano legal, como no doutrinário.

A negociação coletiva, no plano legal, é definida no art. 2º da Convenção n. 154, da Organização Internacional do Trabalho6, como "todas las negociaciones que tienen lugar entre un empleador, un grupo de empleadores o una organización o varias organizaciones de empleadores, por una parte, y una organización o varias organizaciones de trabajadores, por outra, con el fin de: a) fijar las condiciones de trabajo y empleo, o b) regular las relaciones entre empleadores y trabajadores, o c) regular las relaciones entre empleadores o sus organizaciones y una organización o varias organizaciones de trabajadores, o lograr todos estos fines a la vez"7.

Observe-se que a definição da OIT não chega a indicar o que seria, efetivamente, a negociação, aparentemente dando este vocábulo como previamente compreendido. Por outro lado, é sua pretensão limitar o campo da negociação coletiva, no âmbito das relações de trabalho, do ponto de vista de seus sujeitos e de sua finalidade.

Para o conceito constante da Convenção n. 154, do lado dos empregadores, os sujeitos são variados; pode ser um único empregador, podem ser vários, pode ser uma organização de empregadores, podem ser várias. Do lado dos trabalhadores, os sujeitos são mais restritos; limitam-se às organizações de trabalhadores, no singular ou no plural.

Relativamente à finalidade, pode ser dividida em duas: 1) fixar condições individuais de trabalho e 2) estabelecer as condições para o relacionamento entre aqueles que se engajam nas relações coletivas de trabalho.

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No plano doutrinário, temos a definição de Alfredo J. Ruprecht, que afirma que "negociação coletiva é a que se celebra entre empregadores e trabalhadores ou seus respectivos representantes, de forma individual ou coletiva, com ou sem intervenção do Estado, para procurar definir condições de trabalho ou regulamentar as relações laborais entre as partes"8.

A definição, na mesma linha da OIT, expõe o conceito do instituto com base em seus sujeitos e sua finalidade, deixando de lado uma explicação para o significado do vocábulo negociação.

Embora não discordemos das definições retro, entendemos que é preciso, de início, expor qual é, efetivamente, o significado da palavra negociação. É por este motivo que preferimos identificar a negociação como processo de diálogo ou de entendimento que as partes travam.

Já definimos, então, negociação coletiva como "o processo de entendimento entre empregados e empregadores visando à harmonização de interesses antagônicos com a finalidade de estabelecer normas e condições de trabalho"9.

Nossa definição, dessa feita, não discrepa da definição dada na Convenção n. 154, nem da posta por Ruprecht, apenas tenta dar um significado para a palavra negociação.

Importante, por fim, observar que, do ponto de vista da finalidade, talvez seja a da OIT a mais completa, pois a negociação nem sempre - na maioria das vezes, até - é restrita às condições de trabalho, servindo, também, para se discutir a forma de relacionamento entre os empregadores e suas organizações sindicais e as organizações ou grupos que representam os trabalhadores10.

Para encerrar este tópico, não devemos, como fez o Supremo Tribunal Federal11, confundir a negociação, que é meio de solução de conflitos, caracterizando-se como processo de diálogo, com os contratos coletivos (no Brasil, podendo ser implementados, a convenção e o acordo coletivo de trabalho), que constituem forma de materialização do consenso ou do sucesso obtido com a primeira, mas não a única.

Nesse sentido, segura é a lição de Octavio Bueno Magano que, depois de definir a convenção coletiva como negócio jurídico, afirma que dela "deve ser dis-

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tinguida a negociação coletiva, que compreende o conjunto de procedimentos de autocomposição tendentes à superação de um conflito coletivo"12.

6.2. Funções

A negociação coletiva, segundo Amauri Mascaro Nascimento, cumpre funções jurídicas e não jurídicas. As primeiras seriam as funções normativa, obrigacional e compositiva e, as últimas, as funções política, econômica e social, sendo que, para ele, a principal função seria a normativa13.

Com base em sua leitura, podemos identificar as funções da seguinte forma: a normativa seria a criação de normas aplicáveis às relações de emprego; a obrigacional, a criação de normas válidas para os sujeitos da negociação; a compositiva, visando a superar o conflito existente entre as partes; a política, que resultaria do diálogo entre grupos sociais, como forma de suplantar divergências; a econômica, que seria forma de distribuição da riqueza e a social, pela participação dos trabalhadores na vida e no desenvolvimento da empresa14.

Alfredo J. Ruprecht, sem tratar da matéria de forma sistemática, como Mascaro, aponta, dentro dos fins e da importância da negociação coletiva, o que pode ser traduzido como funções da negociação que, além da social, em que se ampara em Cosmópolis15, seriam as: normativa, moderadora, por trazer as pretensões das partes a limites justos e possibilidades reais e política, por favorecer o diálogo, com a democratização das relações de trabalho16.

Tratando o autor da função normativa, afirma que ela é vital, "pois, com a lei, é uma das fontes do Direito Individual do Trabalho, e traça também diretrizes para normas de seguridade social e de política econômica e social, o que revela sua extraordinária importância"17.

Observe-se que de todas estas funções, sobressai a função normativa pois, no mais das vezes, o principal objetivo da negociação é criar normas e condições de trabalho.

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Esta função, quanto mais desregulamentado for o Direito do Trabalho, mais é importante, como é o caso, por exemplo, dos Estados Unidos da América, onde as normas aplicáveis à relação entre empregado e empregador são mínimas18, sendo

pela negociação coletiva que se criam as normas trabalhistas, principalmente.

Ao lado dela, entretanto, mais ainda nos países em que o Direito do Trabalho é rigidamente regulamentado, como é o caso do Brasil, recebe destaque a função compositiva, pois ela, a negociação coletiva, é meio de solução de conflitos.

É que não importa o motivo pelo qual se instaurou a negociação, ela sempre existirá para pôr fim a um conflito de interesses por meio da composição, o que realça esta última função.

6.3. Classificação

Como afirma Amauri Mascaro Nascimento, "os modelos jurídicos de negociação e contratação coletiva podem ser examinados sob mais de um ângulo de classificação"19.

Sem pretender esgotar o assunto, entendemos que as principais classificações que podem ser feitas são as duas seguintes: quanto à regulamentação pelo Estado e quanto à liberdade.

Quanto à existência ou não de regulamentação estatal, a negociação pode ser livre ou desregulamentada, na hipótese de as próprias partes, baseadas no direito de negociação, estabelecerem as regras, ou regulamentada, quando o Estado impõe, pela lei, as regras para a negociação20.

Na primeira hipótese temos o caso brasileiro, considerando que não existem regras impostas pelo Estado a serem seguidas na negociação coletiva.

Não que a negociação seja processada sem regras, o que só acontece em raros casos; apenas são as próprias partes que estabelecem, entre e para si mesmas, as regras que serão seguidas, o que pode ocorrer verbalmente ou por escrito21.

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Como exceção à desregulamentação da negociação, no Brasil, porém, pode ser citada a Lei Estadual paraense n. 5.839, de 23 de março de 1994, que, quando editada, tinha como um de seus objetivos definir como o Estado do Pará negociaria com seus servidores22.

Em sentido oposto, os Estados Unidos da América e a Espanha, havendo, em relação ao primeiro, regras que devem ser seguidas na negociação, como se verifica com Benjamin M. Shieber, que afirma estarem elas, por exemplo, na Seção 8-d, da Lei NRLA, que dispõe sobre organização sindical e solução de conflitos trabalhistas, sendo estas regras, genericamente, definidas como requisitos processuais do dever de negociar de boa-fé, sobre o que trataremos ainda no item seguinte23.

Na Espanha, como dispõe Flávio Antonello Benites Filho, o art. 89.2, do Estatuto do Trabalhadores (Lei n. 8, de 10 de março de 1980), concede prazo para a resposta da parte provocada a negociar coletivamente (30 dias), o que impõe que a negociação, mesmo que...

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