A negociação coletiva

AutorTereza Aparecida Asta Gemignani, Daniel Gemignani
Páginas246-265
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A NEGOCIAÇÃO COLETIVA
11.1. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI N. 12.619/2012 — INCENTIVO À
NEGOCIAÇÃO COLETIVA
Quando das edições anteriores deste livro, pontuamos que os debates acerca dos
limites da negociação coletiva desencadeavam consequências não só quanto às discus-
sões teórico-jurídicas, mas também para a prática da gestão organizacional do dia a dia
das relações de trabalho. Como exemplo, citamos o pronunciamento da Secretaria de
Inspeção do Trabalho (SIT/MTE) contrário a possibilidade de abertura à negociação co-
letiva para estabelecer meios alternativos de controle de jornada, conforme expresso na
Nota Técnica n. 316/2010/DMSC/SIT. Entretanto tal posicionamento não foi acolhido
pela Portaria n. 373/2011, editada em sentido contrário, por considerar ser possível a
negociação coletiva para f‌i ns de f‌i xação de sistema de controle de ponto eletrônico alter-
nativo ao SREP, pois amparada em previsão legal e constitucional, considerando as
particularidades das condições em que o motorista prof‌i ssional se ativa, isto é, fora de
um ambiente f‌i xo de trabalho, que muitas vezes se estende não só ao longo de todo o
território nacional, mas também em rotas internacionais.
Em relação às condições peculiares do trabalho prestado pelo motorista prof‌i ssio-
nal, o art. 1º da Portaria n. 373/2011, do então Ministério do Trabalho (MTe), estabelece
que “os empregadores poderão adotar sistemas alternativos de controle da jornada de
trabalho, desde que autorizados por convenção ou acordo coletivo de trabalho.”. Esta
cláusula de abertura permite a adoção de sistemas amoldados à natureza peculiar e às
características próprias de determinados tipos de prestação laboral(293), em consonância
com a diretriz estabelecida pelo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal de 1988.
Destacamos que a Lei n. 12.619/2012 trouxera, à época, novidade interessante, até
então abordada de forma acanhada pela legislação infraconstitucional. Tratava-se da
contundente abertura à negociação coletiva, prevista e incentivada pelo legislador, con-
forme constou do art. 235-H, inserido na CLT, nos seguintes termos:
Art. 235-H. Outras condições específ‌i cas de trabalho do motorista prof‌i ssional, desde que não preju-
diciais à saúde e à segurança do trabalhador, incluindo jornadas especiais, remuneração, benefícios,
atividades acessórias e demais elementos integrantes da relação de emprego, poderão ser previstas
em convenções e acordos coletivos de trabalho, observadas as demais disposições desta Consolidação.
Observamos que a possibilidade de a negociação coletiva ocorrer de forma mais
ampla causava, num primeiro momento, apreensão aos operadores do direito e demais
atores que atuavam no contexto da então nova lei, principalmente pela costumeira timi-
dez legislativa e jurisprudencial ao reconhecimento da ef‌i cácia normativa das regras
provenientes das fontes autônomas do direito.
(293) A adoção de sistema alternativo só será válida quando o novo sistema atender, essencialmente, aos requisitos
do art. 3º da Portaria n. 373/2011. Caso contrário, sorte outra não restará que a configuração da inidoneidade do
meio de controle.
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O embate então vislumbrado colocava, de um lado, os defensores de possibilidades
mais restritivas da negociação coletiva, restringindo-as às hipóteses previstas no art. 7º,
incisos VI, XIII e XIV, da CF/88, e de outro lado, os que entendiam ser imanente ao atual
texto constitucional, republicano e pluralista, uma maior abertura aos instrumentos ne-
gociais coletivos, nos termos do mesmo art. 7º, inciso XXVI, da CF/1988, tendo o agora
revogado art. 235-H da Lei n. 12.619/2012 expressamente seguido esta linha ampliativa.
Naquele contexto se revelou importante registrar que esta diretriz estava af‌i nada
com parâmetros postos por normativa internacional, como o item 2, alínea “a(294),
da Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da Organiza-
ção Internacional do Trabalho (OIT). Ademais, tanto a Convenção da OIT n. 98(295), em
seu art. 4º, quanto a Convenção da OIT n. 154(296), em seus arts. 1º, 2º, 5º, alínea “e”, e 8º,
acompanhadas pelo art. 9º da Recomendação n. 198 da Organização Internacional do
Trabalho, trazem importante contribuição para o necessário fortalecimento dos ins-
trumentos negociais.
Ademais, salientamos, no que concerne aos questionamentos acerca da atuação sin-
dical, a realização, pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), entre os dias 25.04.2012 e
27.04.2012, do “Seminário Sobre Liberdade Sindical e os Novos Rumos do Sindicalismo
no Brasil”, em que foram discutidos os desaf‌i os e as dif‌i culdades de um modelo sindical
que exige mudanças.
Tal se dá porque a nova realidade fática, que o mundo do trabalho vem explicitando
na era contemporânea, demonstra que o modelo pautado pela estrutura kelseniana, hie-
rárquica e vertical das fontes normativas, que admite a edif‌i cação de regras negociadas
apenas secundum legem e praeter legem, tem se revelado insuf‌i ciente para oferecer respos-
ta aos novos desaf‌i os, que apontam para a necessidade de abrir outras perspectivas, no
sentido de admitir a interlocução horizontal das fontes normativas, com a consequente
valorização das normas negociadas.
Explica Cláudia de Lima Marques(297) que a “incompletude do sistema legitima a
adoção de soluções que completem o direito a partir de outras fontes normativas”, esco-
po que pode ser obtido com um constante “diálogo das fontes”, para possibilitar a
“colmatação das lacunas” existentes.
Interessante notar como este novo modelo quebra a compartimentalização estan-
que, anteriormente existente entre os sistemas do civil law e do common law, abrindo
vasos comunicantes num constante movimento dialógico entre normas autônomas e he-
terônomas, que vai possibilitar a obtenção de respostas mais ef‌i cazes para resolver os
novos conf‌l itos.
Conforme já havia diagnosticado Norberto Bobbio(298), com maestria, a efetividade
do Direito na sociedade contemporânea não é só uma questão de estrutura (saber como o
(294) “2. Declara que todos os Membros, ainda que não tenham ratificado as convenções aludidas, têm um com-
promisso derivado do fato de pertencer à Organização de respeitar, promover e tornar realidade, de boa-fé e de
conformidade com a Constituição, os princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto dessas conven-
ções, isto é: a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva;”.
(295) Aprovada pelo Decreto Legislativo n. 49, de 27.08.1952 — DOU 28.08.1952; retif. DOU 30.08.1952; retif.
DOU 02.10.1952 e promulgada pelo Decreto n. 33.196, de 19.06.1953, DOU 04.07.1953. Trata da aplicação dos
princípios do direito de organização e de negociação coletiva.
(296) Aprovada pelo Decreto Legislativo n. 22, de 22.05.1992 — DOU 13.05.1992 e promulgada pelo Decreto
n. 1.256, de 29.09.1994 — DOU 30.09.1994. Trata do incentivo à negociação coletiva.
(297) MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo das fontes — do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 82-83 e seguintes.
(298) BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos da teoria do direito tradução de Daniela Beccaccia Ver-
siaani; revisão técnica de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine. Barueri/São Paulo: Manole, 2007. p. 53 e seguintes.

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