Negociação coletiva e trabalho decente: perspectivas da organização internacional do trabalho

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro/Márcio Túlio Viana/Cleber Lúcio De Almeida/Sabrina Colares Nogueira
Páginas327-334

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1. Introdução

O presente artigo tem como objetivo geral analisar a relação entre a negociação coletiva e a promoção do trabalho decente de acordo com as orientações da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Para tanto, inicialmente, será traçado um breve histórico acerca da negociação coletiva, juntamente com os conceitos, princípios e funções que a fundamentam. Na sequência, serão elencados alguns obstáculos à efetividade na negociação coletiva, esta como direito dos trabalhadores e obrigação dos empresários.

Posteriormente, esclarecer-se-á de que forma se dá a exigência do trabalho decente pela OIT antes de se determinar a relação do trabalho decente com a negociação coletiva.

Logo em seguida, analisar-se-á o caso 2820, da OIT, que se trata de uma queixa feita por organizações sindicais gregas, em razão das alterações legislativas no regime das negociações coletivas feitas pelo governo da Grécia, como parte das medidas de austeridade que foram impostas pela Troika, no curso da crise da dívida pública da Zona do Euro, iniciada em 2008.

A queixa indica que o Estado invadiu o campo deixado tradicionalmente às negociações coletivas com tais medidas, anulando sua obrigação de promover e proteger o exercício do trabalho decente, violando direitos individuais e sociais e pondo em risco a paz social.

Ao final, serão feitas algumas considerações a fim de se demonstrar o vínculo entre as temáticas discorridas durante o trabalho, visando alcançar o objetivo geral da pesquisa, por meio das implicações expostas aqui.

2. Breve histórico acerca da negociação coletiva

Muito embora não se trate de novidade no Direito do Trabalho, sabe-se que a negociação coletiva e as convenções coletivas fazem parte de sua história, desde os primórdios do século XIX.

A convenção coletiva de trabalho, instrumento decorrente das negociações coletivas, teve origem no Reino Unido, em 1824. Com a revogação da lei sobre delito de coalisão, as trade unions, então organizadas pelos trabalhadores, passaram a ajustar com seus empregadores, as condições de trabalho que deveriam ser respeitadas no curso da relação de emprego (DELGADO, 2010, p. 1374). (SÜSSEKIND, 2002, p. 37). O Código Civil Holandês (1909), o Código Federal das Obrigações, a Lei alemã sobre contrato de tarifa de 1918 e a lei francesa, de 25 de março de 1919, foram as primeiras leis que dispuseram sobre o tema. (SÜSSEKIND, 2002, p. 37).

3. Conceito, princípios e funções da negociação coletiva no quadro normativo internacional

O conceito que se pode extrair dos documentos emitidos pela OIT sobre negociação coletiva diz que esta é considerada a atividade ou processo que leva à conclusão de um acordo coletivo.

A Recomendação n. 91 da OIT, por exemplo, define a acordo coletivo como “todo acordo escrito relativo às condições de trabalho e de emprego, celebrado entre um

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empregador, um grupo de empregadores, de um lado, e, de outro, uma ou várias organizações representativas de trabalhadores, ou, na falta dessas organizações, representantes dos trabalhadores interessados por eles devidamente eleitos e credenciados, de acordo com a legislação nacional” (ONU, 1951).

Para além da Recomendação n. 91, a OIT em várias ocasiões manifestou sua preferência por acordos coletivos em detrimento de acordos individuais, através de diversos instrumentos que trazem na essência de seus princípios, a promoção da negociação coletiva. Alguns desses princípios serão citados na sequência deste trabalho.

A Convenção n. 87, da OIT, relativa à liberdade sindical e à proteção do direito sindical, por exemplo, consagra como alguns de seus princípios o direito individual de sindicalização (constituição e filiação); a independência dos sindicatos perante o Estado; o direito de formação de uniões sindicais (de âmbito geográfico variável) e a limitação do exercício da liberdade sindical pelo respeito da legalidade em cada país (ONU, 1948).

Já a Convenção n. 98, sobre a aplicação dos princípios do direito de organização e de negociação coletiva, elenca como princípios protetivos, a proscrição de tratamentos discriminatórios em matéria de emprego com base na filiação ou não filiação sindical e o da não ingerência recíproca das organizações socioprofissionais, com relevo particular no que toca à independência das associações sindicais em face dos empregadores (ONU, 1949).

A negociação coletiva, contemplada pela Convenção n. 98, se encontra, “dentro do círculo das manifestações da liberdade sindical enquanto forma de atividade do sindicato”, como observa Monteiro Fernandes. Portanto, “não surpreende que os dois temas surjam normalmente associados pela OIT” (MONTEIRO FERNANDES, 2014, p. 632).

A negociação coletiva, portanto, trata-se de método de resolução de conflitos coletivos de trabalho, destinada a criar, modificar ou extinguir normas e condições de trabalho e é também forma de tutela e reposicionamento do trabalhador subordinado que, por vezes, se encontra em posição assimétrica em relação ao seu empregador.

Como já visto, a definição de negociação coletiva encontrada em diversos instrumentos relevantes emitidos pela OIT, fica caracterizada como sendo os processos e as atividades que levam à conclusão de um acordo ou convenção coletiva.

Para a OIT, uma negociação coletiva eficaz é aquela que termina em um acordo entre as partes envolvidas, sendo mutuamente benéfica aos interessados, ocorrendo com maior frequência onde há um quadro de gestão do mercado de trabalho que apoia os direitos fundamentais dos trabalhadores e dos empregadores e que promove o diálogo social e o trabalho decente (ILO, 2006).

Esse quadro, segundo a OIT, pode se caracterizar mediante reconhecimento dos direitos dos trabalhadores e empregadores de livremente se associar e estabelecer organizações de sua escolha; organizações fortes, independentes, representativas e democráticas de trabalhadores e empregadores que tenham conhecimento de temas centrais; e que tenham acesso e participação eficaz em processos e instituições de diálogo social e a capacidade de influenciar discussões sociais e econômicas, entre outras características (ILO, 2006).

A negociação coletiva, de acordo com art. 2º, da Convenção n. 154, da OIT, relativa à promoção da negociação coletiva, abrange todas as negociações que têm lugar entre um empregador, um grupo de empregadores ou uma ou mais organizações de empregadores, por um lado, e uma ou mais organizações de trabalhadores, de outro, com a finalidade de determinar condições de trabalho e emprego, de regular as relações entre empregadores e trabalhadores e, por fim, regular as relações entre empregadores ou suas organizações com uma ou várias organizações de trabalhadores (OIT, 1981).

Os órgãos supervisores da OIT já se manifestaram também no sentido de que as partes da convenção coletiva podem escolher de forma independente e sem qualquer interferência do governo, o nível em que as negociações deverão ser conduzidas e que os sindicatos e confederações devem ser capazes de concluir seus acordos coletivos sem interferência das autoridades.

Desde a Convenção n. 98, de 1949, alguns princípios emergiram em razão dos padrões internacionais adotados pela OIT e também dos comentários dos órgãos supervisores, nomeadamente, a Comissão de Peritos na Aplicação das Convenções e Recomendações e o Comitê de Liberdade de Associação (OIT, 1949).

Dentre esses princípios, destacam-se oportunamente o princípio da boa-fé na negociação, os princípios da negociação livre e voluntária, os procedimentos voluntários e a arbitragem compulsória e o princípio da intervenção das autoridades (GERNIGON et al., 2000).

O princípio da boa-fé na negociação coletiva implica o reconhecimento das organizações representativas, o esforço empregado para se concluir um acordo, a busca por negociações construtivas e genuínas e a agilidade durante a negociação a fim de evitar atrasos injustificáveis para a resolução do conflito. Ademais, esse princípio implica o respeito mútuo pelos compromissos assumidos pelas partes, tendo em conta que estes são resultados de uma negociação de boa-fé (GERNIGON et al., 2000).

O princípio da negociação livre e voluntária, também conhecido como princípio da voluntariedade, indica que a negociação coletiva não deve ser imposta às partes e os procedimentos adotados para compor a negociação devem, a princípio, levar em conta sua natureza voluntária. Além disso, os níveis de negociação não devem ser impostos unilateralmente nem pela lei e nem pelas autoridades, de modo que a negociação se torne possível às partes, em qualquer estágio (GERNIGON et al., 2000).

No que diz respeito ao princípio dos procedimentos voluntários e da arbitragem obrigatória, o que se extrai dos documentos da OIT é que a mediação e conciliação even-tualmente impostas pela lei na estruturação de um processo de negociação coletiva são plenamente aceitáveis, desde que aconteçam dentro de um período de tempo razoável.

Sobre a imposição de arbitragem obrigatória nos casos em que as partes não cheguem a um acordo, tal ato é comumente contrário ao princípio da voluntariedade na negociação coletiva e só será admitido nos casos de inter-rupção de serviços essenciais (aqueles cuja interrupção

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colocaria em risco a vida, a segurança pessoal ou a saúde de toda ou de parte da população); nos casos de paralisação dos servidores envolvidos na administração do Estado; nos casos de negociações que se estendam por um longo período e se tornem...

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