Negociado Sobre o Legislado: Análise dos arts. 611-A E 611-B da CLT - Consolidação das Leis do Trabalho, Conforme a Lei n. 13.467 de 2017

AutorAlan da Silva Esteves
Páginas58-67

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1. Introdução

Este trabalho trata de analisar os arts. 611-A e 611-B da CLTConsolidação das Leis do Trabalho, modificados pela chamada Reforma Trabalhista, que decorreu a partir da promulgação e vigência da Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017. Os referidos dispositivos inferiram o que é lícito e o que não é no que diz respeito ao tema ‘o negociado prevalecente sobre o legislado’. Além disso, também, em alguns dos seus parágrafos buscou modular a atuação e interpretação da Justiça do Trabalho.

Com efeito, esta pesquisa tem importância, porque a matéria sob análise constitui uma porta de possibilidades para o Direito do Trabalho do século XXI no Brasil, pois tem uma gênese de fazer alteração da ordem das fontes da disciplina e mudar toda uma cultura de forte intervencionismo estatal.

De fato, há pontos positivos e negativos na mudança, mas o assunto não deve ser tratado com sentimentalismos prós ou contra por qualquer classe, ou governo, ou jurista, pois o sistema tem componentes jurídicos para frear abusos ou manter melhorias na condição do trabalhador. O que importa é que a ciência faça indicativos a fim de que a comunidade jurídica possa orientar-se, contudo, as práticas que se seguirão serão fundamentais para a configuração do instituto.

Tem-se que a tese que se deseja comprovar é a de que o ‘negociado sobre o legislado’, no fundo, quer significar ajustes para cumprimento das relações trabalhistas pelas classes de trabalhadores e de empregadores. Não necessariamente, exclusão de direitos, apesar de que possam existir algumas concepções e implicar supressão. Acontece que tudo deve ser pensado a partir dos valores que a Constituição Federal impregnou em todo o âmbito jurídico para que haja respeito ao patrimônio comum de direitos e garantias construídos ao longo da história.

A pesquisa tem base qualitativa com os indicativos dos autores que estudam o tema, bem como quantitativa, especialmente pelas inferências a partir de decisões do Tribunal Superior do Trabalho sobre a matéria. Este construiu ao longo do tempo um idioleto próprio para garantir o funcionamento do empreendedorismo e, ao mesmo tempo, em algumas decisões, cuidou de evitar a consolidação de precariedades nas áreas de trabalho sobre alguns temas, como se verá.

2. Contexto doutrinário e jurisprudencial evolutivo

Há alguns autores, como Andrade, que pregam novos tempos para o Direito do Trabalho desde a década dos anos 2000. Ele anunciava, por exemplo, como novo princípio do Direito do Trabalho, o princípio da prevalência do processo negocial de formação da norma sobre o processo estatal. Para o jurista, isso poderia acontecer em vários níveis e classificações, desde o espaço restrito às empresas, aos ramos produtivos, no âmbito nacional, confederal, ajustes e pactos sociais, inclusive em versões transnacionais que envolvem uma proposta de uniformização dos direitos sociais em nível de planeta. Ele formula, inclusive, crítica a alguns países da União Europeia que mantiveram a tradição e somente permitiram a negociação coletiva como algo limitado às relações de empregadores e empregados, quando, a partir

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da globalização do capital poderia muito bem abranger as inúmeras possibilidades de emprego e renda.2

Andrade, em outro trabalho, aponta que as razões acima decorreram de mudanças nas fontes materiais do trabalho. Estas fazem sugerir indicativos da fragilidade do Estado-nação numa sociedade do trabalho com movimentações em escala planetária até a introdução de novas tecnologias e a formação do costume trabalhista. Deseja-se, assim, segundo ele, tentar consolidar uma cultura de organização plástica, o que deixou o poder disciplinar ou subordinado com característica diluída.3

Pinto concorda que a Revolução Tecnológica veio provocando influências numa cadeia de fenômenos que são chamados de globalização da economia, de flexibilização das relações trabalhistas, de terceirização da atividade produtiva, redução do tamanho do Estado, da constância do desemprego, com graves reflexos no Direito Material do Trabalho. Ele acrescenta que isso provoca acentuadas revisões neste direito.4

Assim, diante do que disse a doutrina acima, a prática mostrou que a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, desde o seu nascimento, 1º de maio de 1943, já passou por quase de 500 (quinhentas) mudanças, seja pela legislação que desejou modernizar, seja por atuações da jurisprudência do TST – Tribunal Superior do Trabalho, com suas súmulas e orientações jurisprudenciais. Várias matérias foram tratadas, como a terceirização e a flexibilização.5

Por outro lado, há muito que o Tribunal Superior do Trabalho vem admitindo e reconhecendo a força da barganha coletiva, em que, por exemplo, no Recurso de Revista n. 772.961/2001, oriundo da 17ª Região, em dissídio entre a Vale do Rio Doce com os empregados do setor operacional de energia, interpretou a Constituição de 1988 para permitir a flexibilização do adicional de periculosidade com graduação de 12%, 15%, 18% e até 24% do salário-base, conforme os setores de trabalho.6

Com efeito, apesar de o instituto da flexibilização, segundo Uriarte, significar um entendimento com conotação negativa, como eliminar, diminuir, afrouxar a legislação trabalhista protetiva, tudo com a finalidade de aumento de produtividade, emprego ou competitividade,7 as práticas da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho caminham em outro sentido de flexibilização em negociação coletiva.8 No geral, informam que não é possível excluir por excluir, mas há todo um contexto de instituir uma linguagem e prática constitucional considerada adequada de indicar, tanto em nível da defesa da Constituição, como de valorização da pessoa do trabalhador. Não há, por exemplo, a aceitação de preceitos que ofendam fatos, como definir coletivamente parcela como de natureza indenizatória, sendo ela, nitidamente, de cunho salarial. Há outras ilustrações. Fala-se em vontade coletiva em contraposição à invalidade de cláusulas coletivas que afrontem preceito de ordem pública; diz-se de validade de autonomia coletiva privada, mas que deve haver concessões recíprocas, ou benefícios de contrapartida e respeito de patrimônio mínimo indispensável; aduz-se de opções legitimadoras dos preceitos coletivos em face da condição mais benéfica para o trabalhador; admite-se aceitação de normativos recíprocos, manifestação expressa a respeito e as reservas de direitos mínimos. Entre outras disposições.

Ante o exposto, todo o quadro teórico doutrinário e jurisprudencial aponta para considerar a negociação coletiva uma necessidade da evolução de adaptar as relações de capital e trabalho ao mundo das novas tecnologias, às inovadoras formas de empreendedorismo e de

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serviço, mas, ao mesmo tempo, que se deve respeitar o patrimônio mínimo de direitos trabalhistas.

3. Sobre a leitura adequada dos preceitos constitucionais

Como se viu, ocorreram muitas mudanças na CLT –

Consolidação das Leis do Trabalho desde a sua criação. A partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal, todas elas passam pelo filtro de constitucionalidade. Assim, há muitos preceitos constitucionais que podem ser invocados para defender os direitos trabalhistas, mas, para efeito da limitação deste trabalho, que deseja estudar a Reforma Trabalhista de 2017 no que diz respeito à prevalência do legislado sobre o negociado, basta citar três, quais sejam: (a) a necessidade de valorizar à Constituição, fazendo o devido controle de constitucionalidade; (b) a compreensão do valor social da livre iniciativa e valor social do trabalho e (c) concepção do sentido de constituição de melhorias como previsto no caput do art. 7º, dos direitos dos trabalhadores, entre outros.

Com referência ao controle de constitucionalidade, não se trata de questão de doutrina. Tem-se a dizer que a Constituição está calcada em valores supremos consagrados e acolhidos pela sociedade e isso se relaciona ao fato de ter preceitos rígidos, o que exige cuidado especial do normativo infraconstitucional. Outro importante detalhe é a supralegalidade dos preceitos constitucionais, de modo que o ser das normas infraconstitucionais é estar de acordo com os normativos constitucionais.9

E, ao lembrar-se dos valores constitucionais, é possível ter que compreender o que significa o valor social da livre iniciativa e o valor social do trabalho no dizer de Grau,10 ante a combinação do art. 1º, IV e, de outra parte, o art. 170, caput, e IV, da Carta Magna. Para tal jurista, trata-se de entender a concepção de valores ligada ao adjetivo social, em que o que é relevante para o jurídico é que os comportamentos daqueles que fazem a livre iniciativa sejam na perspectiva de resultado.

Isso significa um agir mais substancialmente e menos formalmente ou atender a demandas por melhores condições de vida.

Pontes de Miranda chegou a dizer que a democracia, como forma, embora relativista, tem uma grande finalidade, especialmente quando se faz o diálogo entre a liberdade e a igualdade, que é de valorizar a personalidade e o bem-estar dos indivíduos.11 E uma das finalidades principais dela – democracia, por exemplo, está no seu núcleo duro, nas cláusulas pétreas, qual seja, especialmente no reconhecimento dos direitos e das garantias individuais, conforme art. 60, § 4º, IV, da Constituição Brasileira. Com razão, seja porque tais direitos foram construídos por meio de incorporações em declarações de direitos, seja porque se integraram nas Constituições da...

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