Neopatrimonialismo, diferenciação funcional e a relação centro-periferia revisitada

AutorMarcos Abraão Ribeiro, Roberto Dutra
Páginas387-436
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2020.e66958
387387 – 422
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Neopatrimonialismo,
diferenciação funcional e a relação
centro-periferia revisitada
Marcos Abraão Ribeiro1
Roberto Dutra2
Resumo
Este artigo tem o objetivo de negar a validade teórica do conceito de neopatrimonialismo, for-
mulado por Simon Schwartzman, para compreender os dilemas de exclusão política do Brasil
contemporâneo, pois o conceito é baseado em uma leitura apologética do diagnóstico de Max
Weber sobre o Ocidente. A partir da análise bibliográca, defendemos que o conceito de neo-
patrimonialismo está preso a uma visão empírica e teoricamente insustentável da modernidade
política, que idealiza a dimensão democrática e constitucional do poder político moderno e ig-
nora sua dimensão autocrática e não constitucional. Em seguida, apresentamos como alternativa
teórica a sociologia política de Niklas Luhmann, pois descreve a política moderna como dividida
nos circuitos de poder formal e constitucional, e informal e não constitucional. Dessa forma,
podemos analisar os processos de exclusão política no centro e na periferia sem a presença de
idealizações sobre os países centrais.
Palavras-chave: Neopatrimonialismo. Diferenciação da sociedade. Modernidade Política. Exclusão.
1 Doutor em Sociologia Política pelo Programa de pós-Graduação em Sociologia Política (PPGSP) da Universi-
dade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e professor do Instituto Federal Fluminense (IFF)
campus Campos Centro. E-mail: olamarcos@yahoo.com.br
2 Doutor em sociologia pela Humboldt Universität zu Berlin. Professor Associado da Universidade Estadual do
Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). E-mail: robertodtj@gmail.com.
Neopatrimonialismo, diferenciação funcional e a relação centro-periferia revisitada | Marcos Abraão Ribeiro, Roberto Dutra
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1 Introdução
A condução do Estado brasileiro ainda é um tema central entre nossos
intelectuais3. O processo de apropriação do público por interesses pessoais4
ganhou notoriedade com o conceito de “patrimonialismo”, que demarca
uma força tradicional de dominação política que seria o grande entrave
para a modernidade se institucionalizar no Brasil5.
Para demarcar a utilização do conceito de “patrimonialismo” podemos
tomar como referências as obras de Sérgio Buarque de Holanda ([1936]
1995), Raymundo Faoro ([1975] 2008), Antonio Paim (1998), Fernando
Henrique Cardoso (2003), Fernando Uricoechea (1978), Florestan Fer-
nandes (2006), Simon Schwartzman (1975) entre outros, que demons-
tram como a utilização do conceito derivado da sociologia da dominação
weberiana foi bastante difundida entre nossos intelectuais.
O conceito de “neopatrimonialismo”, por sua vez, tem sua formula-
ção realizada pelo trabalho de Simon Schwartzman em seu livro Bases do
Autoritarismo Brasileiro, no qual o sociólogo mineiro defende que o Estado
foi capaz de ações modernizadoras mesmo se valendo de uma organização
autoritária e privatista de mando. Esta interpretação tem sido utilizada por
intelectuais contemporâneos como Domingues (2008, 2017), que recu-
sam a caracterização tradicionalista do Brasil em favor da demarcação de
seus dilemas “modernos”.
3 Gostaríamos de agradecer as sugestões dos pareceristas anônimos de Política & Sociedade, pois foram impor-
tantes contribuições para o trabalho. É preciso frisar, contudo, que os argumentos contidos no artigo são de
nossa inteira responsabilidade.
4 Sobre a relação de entre público e privado, é importante citar o trabalho de André Botelho (2007, p. 49-50),
que faz um importante levantamento de como a questão foi tratada pela sociologia política brasileira: “O ba-
ralhamento entre público e privado enquanto ordens sociais e princípios distintos de orientação das condutas
como uma marca da cultura política, da sociedade e do Estado formados no Brasil desde a colonização portu-
guesa constitui uma das construções intelectuais mais tenazes do seu pensamento social. E também uma das
principais linhas que, com continuidades e descontinuidades, o liga à produção das ciências sociais posterior
à institucionalização, particularmente na vertente voltada para a investigação das bases sociais da vida política
nacional, suas raízes rurais e inuências duradouras sobre o urbano então emergente”.
5 Sobre essa questão, Sell (2007, p. 244) argumenta: “Mas, apesar destas diferenças, elas levaram ao mesmo
diagnóstico da realidade brasileira. Quer dizer, neste caso a ‘leitura do Brasil’ que resultou destas distintas
leituras de Weber foi a mesma: a identicação de elementos sociais ou políticos que representam entraves
históricos poderosos para a consolidação da modernidade no Brasil”.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 19 - Nº 46 - Set./Dez. de 2020
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A formulação conceitual de Schwartzman representou a ruptura com as
narrativas baseadas na sociologia da dominação weberiana sobre o domínio
esencialmente tradicional entre nós6. Com o conceito de neopatrimonialis-
mo, portanto, teríamos a possibilidade de demarcarmos os dilemas moder-
nos ao analisarmos a relação problemática em público e privado no Brasil
contemporâneo7. Para Schwartzman, o país nunca teria sido tradicional, pois
foi neopatrimonial desde a sua formação (BRITO, 2015). Certamente, este
é um dos pontos mais relevantes do trabalho, pois buscou romper com as
interpretações de autores como Raymundo Faoro8 (2008), para o qual o
Brasil seria essencialmente tradicional. Ao mesmo tempo, é relevante enfo-
car a busca do autor por uma interpretação teórico-conceitual original para
explicar as formações sociais e políticas apartadas do feudalismo. Apesar de
apresentarmos uma perspectiva crítica neste artigo, é fundamental demarcar
a importância da teorização de Schwartzman. Também é importante apon-
tarmos como Bases do Autoritarismo Brasileiro foi uma obra representativa do
contexto de luta contra o regime militar nos anos 19709:
6 Ribeiro (2010) demonstra que Bases do Autoritarismo Brasil representou, de fato, uma ruptura com a narrativa
faoriana que absolutizava o atraso brasileiro. Contudo, o autor sustenta que a importância do feudalismo nas
obras dos dois intelectuais faz com que a ruptura seja parcial, apesar da narrativa moderna formulada pelo
sociólogo mineiro
7 Nesse sentido a interpretação de Jessé Souza (1999) é equivocada, pois o sociólogo limita sensivelmente sua
interpretação da obra de Schwartzman ao defender que Bases do Autoritarismo Brasileiro representou apenas
uma simples continuação de São Paulo e o Estado Nacional. Como demonstraremos neste artigo, Bases do
Autoritarismo Brasileiro foi constituído como uma revisão aprofundada do ponto de vista teórico-conceitual de
sua primeira edição, que foi exatamente o livro criticado por Souza como a visão denitiva de Simon Schwartz-
man sobre o Brasil.
8 De acordo com Brito (2015, p. 110, grifos meus): “Aqui se materializa a diferença essencial entre Schwartzman
e Faoro, como já aludimos. Enquanto o primeiro argumenta que o Brasil nunca foi uma sociedade tradicional,
e por isso uso o conceito de neopatrimonialismo, o segundo sustenta que o Brasil foi e continua sendo uma
sociedade tradicional, por meio das modernizações, e disso decorre a aplicação da categoria patrimonialismo”.
Mesmo assim, Brito (2015, p. 149) pondera: “Como dissemos acima, se a teorização de Schwartzman parece
avançar em relação à de Faoro no que se refere à caracterização moderna da dominação política no Brasil, esse
avanço é frágil, pois não cam claras quais seriam as suas implicações”. Acreditamos que a fragilidade ocorre
também do ponto de vista teórico-conceitual, pois, como demonstraremos, o conceito do sociólogo mineiro
está pautado em uma leitura apologética da sociologia de Max Weber.
9 É importante lembramos que a primeira edição do livro, com o título São Paulo e o Estado Nacional, foi
publicada em 1975. O conceito de neopatrimonialismo, por sua vez, é formulado em 1982 no livro Bases
do Autoritarismo Brasileiro, que repete partes do primeiro livro e acrescenta a parte teórico-conceitual sobre
neopatrimonialismo. Por isso, a menção ao contexto de luta contra o regime militar na década de 1970.

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