Noções gerais

AutorAmérico Plá Rodriguez
Páginas29-82

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4. Delimitação do tema

A preocupação de ordenar e esclarecer o tema leva-nos a, em primeiro lugar, delimitar, com a maior precisão possível, qual é o nosso assunto.

Para tanto entendemos que o melhor talvez seja iniciar pela determinação do que não entra no âmbito do mesmo, ainda que às vezes possa receber denominações semelhantes. Observemos que esta elucidaçâo não implica negar importância, interesse ou atualidade aos pontos que excluímos. A delimitação tem alcance puramente metodológico e elucidativo.

Os aspectos de que não trataremos são os seguintes:

5. Princípios gerais de direito aplicáveis ao Direito do Trabalho

Em primeiro lugar, os principios gerais de direito aplicáveis ao Direito do Trabalho.

Este esclarecimento é relevante porque os principios gerais de direito foram acolhidos em nosso sistema jurídico para atribuirlhes uma funçâo importante como fonte subsidiária do direito.

Assim é que o art. 16 do Código Civil - que, por integrar seu Título Preliminar, tem alcance mais genérico, extensivo a todos os ramos do direito - dispõe: "Quando ocorrer um negócio jurídico que não se possa resolver pelas palavras nem pelo espírito da lei, sobre a matéria, recorrer-se-á aos fundamentos das leis análogas; e se ainda assim subsistir a dúvida, recorrer-se-á aos principios gerais de direito e às doutrinas mais acatadas, consideradas as circunstâncias do caso".

Por sua vez, o art. 332 da Constituição estabelece: "Os preceitos da presente Constituição que reconhecem direitos aos indivíduos, assim como os que atribuem faculdades e impõem deve-

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res às autoridades públicas, não deixarão de se aplicar por falta da respectiva regulamentação, pois esta será suprida pelos fundamentos das leis análogas, pelos princípios gerais do direito e pelas doutrinas geralmente aceitas".

Pensamos que disposições similares ou parecidas a estas, contidas no direito uruguaio, sejam encontradas em quase todos os direitos latinos inspirados no Código Civil napoleônico.

Cremos que os princípios gerais de direito não se podem identificar com os princípios próprios de uma disciplina. O próprio qualificativo "gerais" indica-nos a nota de amplitude, de compreensão de todos os ramos de extensão e aplicação a todo o direito.

Os princípios de Direito do Trabalho, por definição, aplicam-se a um ramo - o direito trabalhista - e não se aplicam a outros ramos. Não são necessariamente exclusivos de uma especíalidade, mas não podem servir para todos os ramos, em outras palavras, serem gerais, pois deixariam de ser específicos e caracteriza dores.

Por isso, quando falamos de princípios próprios do Direito do Trabalho, não nos referimos aos princípios gerais de direito e vice-versa.

A relação entre os princípios gerais de direito e os princípios de Direito do Trabalho deu origem a uma curiosa polêmica entre dois eminentes autores espanhóis que publicaram uma obra em comum, e que manifestaram sua divergência no próprio texto, acrescentando uma observação, onde pediam desculpas, "mas não havendo conseguido o mútuo convencimento julgam seu dever consignar e manter suas opiniões discrepantes neste ponto". Os autores eram Eugenio Pérez Botija, para quem deviam primar os princípios de Direito do Trabalho, e Gaspar Bayón Chacón, para quem deviam predominar os princípios gerais de direito. A obra se intitula "Manual de Direito do Trabalho"17.

A sobriedade da nota impediu que se conhecesse a argumentação de um e de outro; entretanto, inclinamo-nos pela tese de Pérez Botija. O contrário importaria em negar a especificidade e peculiaridade de cada ramo do direito e o caráter meramente supletivo ou subsidiário dos princípios gerais de direito.

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Qiorgi acrescentou um argumento de direito positivo para apoiar esta solução. Parte da letra do art. 16 do Código Civil- que acabamos de transcrever - que, ao regular a integração, refere-se expressamente à insuficiência de lei na matéria. Está, portanto, aludindo expressamente à norma que, por sua especialidade, regula a matéria.

Em conseqüência, "como primeiro passo, que exclui tanto os princípios gerais como as doutrinas mais aceitas, é preciso recorrer ao fundamento das leis análogas, o que obviamente deve ser feito, em primeiro lugar, nas leis na matéria, isto é, no Direito do Trabalho.

Se houver ainda alguma dúvida, recorra-se, em igualdade de condições, aos princípios gerais e às doutrinas mais aceitas (princípios do Direito do Trabalho).

Parece pelo menos uma interpretação lógica sustentar que, se no primeiro passo deve-se recorrer à analogia entre as leis trabalhistas - na matéria -, no segundo, num mesmo plano de igual-dade, prefira-se, no caso de discordância, um principio próprio da matéria - Direito do Trabalho -, e não um princípio geral a todo o direito"18

Mais recentemente outro autor espanhol, Almansa Fastor, publicou extenso e erudito estudo sobre os princípios gerais de direito aplicáveis ao Direito do Trabalho, no qual expõe uma concepção muito ampla dos princípios gerais de direito, dentro dos quais caberiam três tipos: de direito natural, tradicional e políticos. Entre estes últimos, inclui os princípios de Direito do Trabalhol19

Em que pesem o brilho, a engenhosidade e a arquitetura harmónica da construção doutrinária, que a torna muito sedutora e atraente, não podemos aceitá-la.

Com efeito, o autor atribui aos princípios próprios de cada disciplina uma função que tem sido reservada somente aos princípios gerais de direito. Se estes são gerais, são comuns a todo o

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direito. Não constituem o catálogo ou a compilação dos diversos princípios próprios de cada um dos ramos, ainda que em cada um destes exerçam uma função fundamental.

6. Especificações sobre os principios gerais de direito

É importante fazer alguns comentários sobre os princípios gerais de direito, porquanto os princípios do Direito do Trabalho exercem, em sua esfera, missão semelhante às exercidas por aqueles em todo o àmbito jurídico.

Há duas concepções - não antagônicas, mas distintas - de como se formam os princípios gerais d9 direito.

Para alguns, são os princípios gerais que servem de fundamento para a legislação positiva; são pressupostos lógicos e necessários às diferentes normas legislativas, das quais, por abstração, devem ser induzidos.

Para outros, são os princípios do direito natural, ou seja, os que se depreendem da natureza do homem.

No Uruguai, Alberto Ramón Real parte da base de uma disposição constitucional para sustentar a segunda tese. É o art. 72 da Constituição que dispõe: liA enumeração de direitos, deveres e garantias feita pela Constituição não exclui os outros que são inerentes à personalidade humana ou derivam da forma republicana de governo". Na sua opinião, este artigo dá as grandes diretrizes teleológicas para determinar os princípios gerais não escritos, que fazem parte de nosso regime constitucional, tornando desnecessárias certas discussões que dividem a doutrina estrangeira sobre o conceito desses princípios gerais, quer dizer, se são só eles que fluem da generalização sistemática dos textos positivos, ou se, pelo contrário, devem ser buscados também nas doutrinas do jusnaturalismo personalista, inspiradoras dos sistemas jurídicos ocidentais20

Qjorgi, depois de expor ambas as posições, conclui que, sem prejuízo do conceito doutrinário que possa ser defendido sobre o

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conteúdo dos princípios gerais, em nosso direito não se pode negar - por força do art. 72 - a admissão da concepção jusnaturalista.

É claro que a recepção de princípios próprios do jusnaturalismo personalista, não escritos, deve ser feita com cautela e controle, o que supõe sua harmonização com os princípios escritos, expressamente incorporados ao texto constitucíonal, mantendo-se a harmonia e a coerência imprescindíveis a toda ordem jurídica.

E conclui que, "no direito público uruguaio, os princípios gerais de direito são não apenas os que servem de fundamento para a legislação positiva, dos quais, por abstração, devem ser incluídos, mas também, e em harmonia e coerência com estes, os que são inerentes à personalidade humana e à forma republicana de governo"21

Quanto às funções que exercem, Victor Ferro observa que não só servem para integrar o direito, para interpretar as normas, mas também para inspirá-las. E conclui afirmando que "seu papel essencial é o de estruturar o ordenamento jurídico por meio das convicções de uma comunidade social, dando assim coerência e sentido a suas normas"22

7. Frincípios da ciência da legislação trabalhista

Em segundo lugar, os princípios que inspiram a ciência da legislação trabalhista.

Já há vários anos, Devealí expôs uma série de critérios -aos quais também denomina princípios - que devem inspirar o legislador, ou que lhe façam as vezes, na técnica da aprovação das normas23. Seriam os princípios que deveriam reger a inter-venção do Estado, para que possa tornar-se mais eficaz.

Os cinco princípios - de cada um dos quais decorrem vários corolários -- são os seguintes:

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1) o da generalidade e igualdade;

2) o da progressão racional;

3) o da economia;

4) o da reativação do mundo econômico trabalhista e efetivi-dade dos benefícios; e

5) o da sinceridade das leis trabalhistas.

É evidente que o autor se refere aos princípios que devem inspirar uma técnica, não um ramo do direito. Deveali ...

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