Noções Propedêuticas da Justa Causa

AutorMelchíades Rodrigues Martins
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho Aposentado do TRT da 15ª Região. Mestre em Direito
Páginas59-86

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1. Conceito de justa causa

Todos os atos faltosos do empregado contrário às regras de boa conduta no ambiente de trabalho, na prestação de serviços, ou mesmo fora do local de trabalho em algumas circunstâncias, os quais assumem uma gravidade tal que tome impossível a continuidade do vínculo empregatício são motivos que ensejam a rescisão do pacto laborai por justa causa.

Evaristo Moraes Filho conceitua a justa causa para a rescisão unilateral do contrato de trabalho, sem ónus para nenhuma das partes, como todo ato doloso ou culposamente grave, que faça desaparecer a confiança e a boa-fé que devem entre elas existir, tomando assim impossível o prosseguimento da relação59.

Já para Alice Monteiro de Barros "a justa causa é uma circunstância peculiar do pacto laborai. Ela consiste na prática de ato doloso ou culposamente grave por uma das partes e pode ser o motivo determinante da resolução do contrato"60.

Amauri Mascaro Nascimento a define como sendo "a ação ou omissão de um dos sujeitos da relação de emprego, ou de ambos contrária aos deveres normais impostos pelas regras de conduta que disciplinam as suas obrigações resultantes do vínculo jurídico"61.

No Código Português vigente (Lei n. 7/2009, fevereiro, especificamente no art. 351, n. 1, temos a definição da justa causa como sendo "o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho"62.

Sérgio Pinto Martins afirma que "justa causa é a forma de dispensa decorrente de ato grave praticado pelo empregado que implica a cessação do contrato de trabalho por motivo devidamente evidenciado, de acordo com as hipóteses previstas na lei"63.

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O autor que mais se debruçou sobre o tema da justa causa foi Wagner Giglio, tanto que a sua obra chegou à sétima edição e para ele a "justa causa poderia ser conceituada como todo ato faltoso grave, praticado por uma das partes, que autorize a outra a rescindir o contrato, sem ónus ao denunciante"64.

Todos os conceitos da justa causa se conformam no sentido de que são atos praticados pelo empregado de natureza grave ou culposa, ou ainda dolosa e que levam ao rompimento do vínculo. Trata-se evidentemente de uma situação peculiar do pacto laborai em face do princípio da continuidade que vigora no Direito do Trabalho, ou seja, o contrato de trabalho, via de regra, é celebrado para durar no tempo, ajusta causa é um ato de exceção. Em razão desse ato, resulta o desinteresse do empregador pela manutenção do vínculo em razão de uma falta dolosa ou culposa praticada pelo empregado.

O art. 482 da CLT enumera as hipóteses ensejadoras da justa causa, as quais admitem situações, as vezes marginais, mas que com elas se identificam por proximidade, até porque seria muito difícil abranger todas as condutas faltosas que existem no cotidiano das relações trabalhistas.

Por último, como falamos da definição da justa causa encontrada no Código Português vigente (Lei n. 7/2009, fevereiro) para efeito de ilustração, mencionamos abaixo os seguintes comportamentos do trabalhador que levam ao rompimento do contrato de trabalho com base em ato faltoso e que estão elencados no item 2 do art. 351 daquele Código, e que não deixam de ter certa relação com o rol previsto na nossa CLT, como seguem:

  1. Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;

  2. Violação dos direitos e garantias de trabalhadores da empresa;

  3. Provocação repetida de conflitos com outros trabalhadores da empresa;

  4. Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto;

  5. Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;

  6. Falsas declarações relativas à justificação de faltas;

  7. Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou, cujo número atinja, em cada ano civil, 5 seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;

  8. Falta culposa de observância das regras de higiene e segurança no trabalho;

  9. Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, de injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhadores da empresa, elementos dos corpos sociais ou sobre o empregador individual não pertencente aos mesmos órgãos, seus delegados ou representantes;

  10. Sequestro e em geral crimes contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior; 1) O incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisões judiciais ou administrativas; m) Reduções anormais de produtividade.

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2. Denominação: falta grave ou justa causa

A falta grave como ajusta causa conduz ao mesmo resultado, ou seja, a rescisão do contrato de trabalho por motivos justificados - atos faltosos do empregado -, os quais não permitem a continuidade da relação laborai.

Assim, é irrelevante a discussão que se trava na doutrina a respeito das duas denominações, as quais são utilizadas na Consolidação das Leis do Trabalho, em várias oportunidades.

Com efeito, no art. 492 da CLT está tratado a rescisão motivada como falta grave e, no art. 482 se refere ajusta causa, o que vale dizer que são expressões sinónimas para os fins a que se destinam, ou seja, a rescisão sem ónus para o empregador, dada ajusta razão a isso. Há também menção a dispensa injusta no art. 474 da CLT, mas como modalidade de rescisão.

De notar-se, no entanto, que para efeito didático tem sido adotada uma distinção aceita por alguns doutrinadores no sentido de que ajustas causas previstas no art. 482 são aquelas que comportam dispensa sumária por não abranger empregados estáveis; já a falta grave na definição de Francisco Meton Marques de Lima é o "ato faltoso do empregado estável no emprego, apurado por meio de inquérito judicial, que autoriza a resolução do seu contrato de trabalho sem inde-nização. Daí concluir-se que a falta grave só se materializa mediante declaração judicial. Antes disso há indícios, acusação, suspeita etc."65.

Talvez o argumento mais convincente para a referida distinção -justa causa e falta grave - esteja no art. 493 da CLT, que diz: "Constitui falta grave a prática de qualquer dos fatos a que se refere o art. 482, quando sua repetição ou natureza representam séria violação dos deveres e obrigações do empregado" e muito bem explicado por Gustavo Filipe Barbosa Garcia ao dizer que "a falta grave possui elementos que se acrescem à mera justa causa"66. Isso ocorre porque a sua caracterização só se dará depois da apreciação do inquérito judicial, em que se concluirá se houve ou não a falta tida como grave.

Nas hipóteses abaixo, a rescisão contratual por justa causa só será possível mediante o respectivo inquérito, em virtude de os empregados estarem no exercício de funções que necessitam de proteção:

  1. empregado com mais de 10 anos, na forma prevista no art. 492 da CLT, sendo na atualidade praticamente inexistente diante do passado distante.

  2. dirigentes sindicais, conforme o disposto no inciso VIII, do art. 8a da CF, art. 543, § 3a, da CLT e Súmulas ns. 197 do STF e 379 do TST

  3. dirigentes de Cooperativas de Empregados (Lei n. 5.764, de 16.2.1971, art. 55).

  4. representantes dos Trabalhadores no Conselho Curador do FGTS (art. 3a, § 9a, da Lein. 8.036, de 11.5.1990).

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  5. representantes do Trabalhadores no Conselho Nacional de Previdência Social (Lei n. 8.213, de 24.7.1991, art. 3a, § 7a).

  6. representantes dos trabalhadores nas Comissões de Conciliação Prévia, conforme disposto no art. 625-B da CLT.

  7. empregado público estável (servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional), cujo direito a garantia de emprego está expressa no art. 41 da CF.

  8. quando houver instrumento normativo ou regimento interno assegurando a garantia de emprego com sujeição a apreciação judicial a dispensa em caso de falta grave.

    No que concerne a alínea "g", o Tribunal Superior de Trabalho entendeu que nada impede a instauração de inquérito judicial para apuração de falta grave antes do processo administrativo, por ser este mais amplo e assegurar plenamente o princípio do contraditório e da ampla defesa, conforme se visualiza pela seguinte decisão:

    Ementa: RECURSO DE REVISTA. 1 -CARÊNCIADEAÇÃOEMEACEDAAUSÊNCIADEINTERESSE PROCESSUAL. INQUÉRITO JUDICIAL PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. SERVIDOR EM ESTÁGIO PROBATÓRIO. ART. 41 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1.1 -A necessidade de instauração de sindicância administrativa ou inquérito para a despedida de empregado público por justa causa tem o escopo de dar efetividade aos princípios que informam a administração pública, notadamente o princípio da motivação dos atos administrativos, visando à imparcialidade do administrador no exame da questão. 1.2 - Todavia, não há óbice de que o empregador ajuíze de imediato o inquérito judicial para apuração de falta grave, tendo em conta que o processo judicial é mais amplo e, por conseguinte, capaz de assegurar plenamente o direito ao contraditório e à ampla defesa. 1.3 - No caso concreto, confirmada, em juízo, a legalidade da justa causa, resta atendido o princípio da motivação e satisfeitos os requisitos de impessoalidade, legalidade e moralidade do...

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