Norma jurídica e incidência

AutorRobson Maia Lins
Páginas121-161
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5. NORMA JURÍDICA E INCIDÊNCIA
5.1 Causalidade jurídica: o mundo do ser e do dever-ser
Conforme os estudos avançam, resta evidenciada a dis-
tinção, muito bem exposta por Lourival Vilanova, entre a re-
gião do dever-ser – Ordenamento Jurídico – e o domínio do
ser, o mundo fenomênico.
No Direito, as proposições implicante e implicada, hipó-
tese e consequência, são estabelecidas por um ato de autori-
dade. Todos os fatos jurídicos são, pois, construções de lin-
guagens e, nessa perspectiva, metalinguagem em relação ao
evento. Daí decorre sua afirmação no sentido de que “O fato
torna-se fato jurídico porque ingressa no universo do direito
através da porta aberta que é a hipótese”.77
Como salientamos anteriormente, no Direito Tributá-
rio, os aplicadores comumente adotam critérios econômicos
ou alegam motivos como a facilitação da arrecadação, entre
outros atributos extrajurídicos, para justificar o modo como
exercem sua atividade. Alfredo Augusto Becker é categórico
ao combater tal posicionamento:
Interpretação segundo a realidade econômica. Esta idolatria mís-
tica ao fato, por grande parte da doutrina do Direito Tributário,
77. VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 1ª ed.
São Paulo: Noeses, 2005, p. 85.
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ROBSON MAIA LINS
lhe tem causado larga, profunda e nefastíssima repercussão, agra-
vando o ambiente de manicômio jurídico tributário e atrasando
o desenvolvimento da Ciência Jurídica Tributária. [...] A estru-
tura de fato parece absorver ou anestesiar a eficácia jurídica em
prejuízo da estrutura jurídica. Grande parte da doutrina jurídica
assiste impassível ou até coopera ativamente para esta inversão
irracional da fenomenologia jurídica: o fato subjugando, esque-
cendo-se que o jurídico existe justamente para dominar o fato. [...]
Todo o esforço construtivo do jurista consiste precisamente em,
deformando os fatos, criar um instrumento de ação social prati-
cável com a qual o Estado agirá, disciplinando e conduzindo fatos
sociais. Querer, no momento da interpretação da lei, liberar o fato
econômico ou social da constrição jurídica, que o transfigura, im-
porta em destruir a praticabilidade e a utilidade do Direito.
78
Com efeito, o mesmo evento do mundo pode importar,
ao mesmo tempo, ao jurista, ao contador, ao sociólogo, ao
economista etc.79 Mas essa conversação deve-se dar apenas
quando o próprio ordenamento a autoriza. Caso contrário, é
sim questão extrajurídica.
Por isso não se pode olvidar da lição de Lourival Vilano-
va80 ao exprimir ser imprescindível a generalização na regra
para distribuir as ocorrências em uns quantos tipos. Sem
essa tipificação de fatos e condutas, seria impossível domi-
nar ou ordenar a existência social.
78. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 5ª ed., São Paulo:
Noeses, 2010, p. 98 e 100.
79. Nesse sentido, cumpre destacar crítica de Lourival Vilanova, que aponta: outra
via para desnaturar o direito foi a que tomou o positivismo sociológico (adotado por
Pontes de Miranda). O direito é fato social, certo. Não os textos, nem em seu teor li-
teral, nem em sua finalidade inicial, motivadora do legislador, pois a situações so-
ciais mudam. Nem a atividade judicial se consome em aplicação mecânica, acrítica,
valorativamente neutra, pois o juiz está existencialmente vinculado. Certíssimo.
Mas daí a subsistir a ciência, que fundamenta operativamente a atividade jurisdi-
cional, pela sociologia ou transferir o trabalho de criar regras de direito aos cientis-
tas sociais, vai grande distância. VILANOVA, Lourival. Escritos jurídicos e filosófi-
cos. Editora AXIS MVNDI, 2003, p. 362.
80. VILANOVA, Lourival. Escritos jurídicos e filosóficos. Editora AXIS MVNDI,
2003, p. 361.
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CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO
5.2 Hermenêutica
Adentrando no estudo da norma, faz-se oportuno abrir
um parêntese para discorrer sobre a Hermenêutica. Como evi-
denciado nos primeiros capítulos que abordam o Constructi-
vismo Lógico-Semântico, ao adotar tal postura, alteram-se as
formas comuns, ontológicas, de percepção e compreensão da
realidade, o que influi diretamente na investigação do processo
interpretativo. Interpretar não é mais compreendida como ati-
vidade de extrair o sentido da frase ou do texto, retirando seu
conteúdo, mas sim um processo de construção desse sentido.81
Luís Roberto Barroso distingue dispositivo, enunciado
normativo e norma e, ao trabalhar a interpretação consti-
tucional, explica os elementos tradicionais de interpretação
jurídica baseados nas lições de Savigny, responsável por se-
parar os componentes gramatical, histórico e sistemático na
atribuição de sentido aos textos normativos, com a posterior
adição do método teleológico de interpretação.
Tradicionalmente, faz-se menção, por exemplo, à inter-
pretação extensiva, restritiva, declarativa, ao sentido literal
ou explícito. No primeiro caso, a interpretação realizada vai
além do que a lei ou o texto normativo determinam, no se-
gundo, um sentido que sugere o óbvio ou aquele em que não
pairam dúvidas.
Contudo ao proferir tais assertivas se está aceitando
que haveria um sentido implícito e um sentido explícito no
texto normativo, cabendo ao intérprete realizar a extração
desse sentido por meio da interpretação, compreensão com
a qual não compactuamos.
81. Carlos Maximiliano, há muito, prelecionava: “o executor extrai da norma tudo o
que na mesma contém: é o que se chama interpretar, isto é, determinar o sentido e o
alcance das expressões do Direito.” HERMENÊUTICA E APLICAÇÃO DO DIREI-
TO, ed. Forense, Rio de Janeiro, 1998, p. 1. No entanto, ele como especialista no as-
sunto, ponderava que “não basta conhecer as regras aplicáveis para determinar o
sentido e o alcance dos textos. Parece necessário reuni-las e, num todo harmônico,
oferecÊ-las ao estudo, em um encadeamento lógico.” (p. 5).

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