A Norma Jurídica e a sua Elaboração

AutorEvandro Paes Barbosa
Ocupação do AutorMestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas39-59

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Norma jurídica é o significado extraído pelo cientista do direito, do texto legal, e que serve de orientação para as condutas humanas em sociedade.

Por meio da norma jurídica que é regulado o convívio social. O condicional da norma jurídica foi idealizado por KELSEN, como instrumento para estabelecer os comportamentos desejáveis em sociedade, em determinada época e local, impregnados dos valores consagrados pelos cidadãos. O legislador não inventa regras. Ele recorta os fatos mais relevantes ocorridos em sociedade e os transforma em enunciados prescritivos.

A Constituição Federal autoriza o legislador competente a produzir as leis, através de um processo legislativo (art. 59). Há um processo de enunciação a ser seguido, nas trilhas estabelecidas pela norma superior. A produção legislativa deixa as marcas registradas no processo de enunciação, produzindo a enunciação-enunciada, no dizer de TAREK MOISÉS MOUS-SALEM16:

"O veículo introdutor é construído a partir da leitura da enunciação-enunciada (entendida aqui como suporte físi-

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co) e é resultado da aplicação da norma sobre a produção jurídica."

São produzidos pelo legislador os veículos introdutores, tais como a Constituição Federal, a lei complementar, a lei ordinária, a lei delegada e outros.

Por meio dos textos jurídicos, dos enunciados prescritivos, o intérprete constrói a norma jurídica, extraindo o seu respectivo significado.

Ao enfocar a construção da norma jurídica, Paulo de Barros Carvalho17retrata o caminho que o intérprete deve percorrer, através de três subdomínios, para apurar o significado dos enunciados prescritivos e estabelecer o sentido da norma jurídica. São os planos da literalidade textual, dos conteúdos significativos e o da contextualização. O subdomínio 1, em que ele examina os textos legais e separa os suportes físicos do enunciado prescritivo, que se encontram soltos pelo sistema. Passa ao subdomínio 2, que é o da procura do conteúdo. Como esclarece o insígne professor:

"Aqui também o labor não se perfaz de um eito, mas requer o exaurimento de vários intervalos, sendo o primeiro desafio encontrar significações de base, novo ponto de partida para os esforços de contextualização das palavras e das próprias frases. Ao terminar a movimentação por esse subsistema, o interessado terá diante de si um conjunto respeitável de enunciados, cujas significações já foram produzidas e permanecem à espera das novas junções que ocorrerão em outro subdomínio."

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No subdomínio 2, o intérprete ainda não consegue o sentido completo da norma jurídica. Todo enunciado é dotado de sentido. Entretanto, o sentido completo somente será conseguido pela composição da unidade lógica da norma jurídica, com estrutura condicional, no subdomínio 3, que é o da contextualização. É neste que será produzido o sentido completo da norma jurídica.

O intérprete constrói a norma jurídica, extraindo o significado dos enunciados prescritivos.

Não se pode confundir a lei (suporte físico) com a norma jurídica, elaborada pelo intérprete do direito. A norma jurídica é juízo implicacional, extraído pelo intérprete dos textos que servem de instrumentos para sua elaboração.

Como elucida J. J. Gomes Canotilho18:

"Deve distinguir-se entre enunciado (formulação, disposição) da norma e norma. A formulação da norma é qualquer enunciado que faz parte de um texto normativo (de uma fonte de direito). Norma é o sentido ou significado adscrito a qualquer disposição (ou a um fragmento de disposição, combinação de disposições, combinações de fragmentos de disposições). Disposição é parte de um texto ainda a inter-pretar; norma é a parte de um texto interpretado."

Com bastante clareza, Gabriel Ivo19acentua a distinção:

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"Norma jurídica não se confunde com os meros textos normativos. Estes são apenas os suportes físicos. Antes do contato do sujeito cognoscente não temos normas jurídicas, e sim, meros enunciados lingüísticos esparramados pelo papel."

Em estudo especializado sobre a semiótica, Clarice Von Oertzen de Araújo20dissipa qualquer confusão entre lei (suporte físico) e norma jurídica: "A Ciência do Direito atribui uma diferença entre lei e norma que é conveniente para relacionarmos com a distinção entre signo e interpretante. O texto legal, na sua condição de linguagem impressa, possui a natureza de signo lingüístico. A interpretação de tais textos produz uma miríade de efeitos que são denominados interpretantes do signo. A idéia que produzimos em nossa mente em decorrência da compreensão dessa linguagem é denominada norma jurídica (interpretante imediato: aquele efeito que a lei, em sua condição de signo, está apta a produzir. Ou seja: a norma é o efeito, a idéia ou significado produzido na mente do intérprete pela compreensão do texto legal."

É importante frisar que é indispensável a existência dos veículos introdutores, para que o intérprete possa elaborar a norma jurídica. Como seria ela construída, sem que o intérprete pudesse instrumentar-se da lei constitucional que partilha os campos de incidência tributária, ou sem que os entes políticos elaborassem a lei que institui o tributo?

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Se a Constituição estabelece em seu elenco de tributos um imposto como o predial e territorial urbano (art. 156, inciso I), permite a sua progressividade (arts. 156, incisos I e II) e autoriza o legislador a elaborar a lei respectiva que obriga o contribuinte, o intérprete jamais poderia construir a norma jurídica respectiva, se o ente político (Município ou Distrito Federal) não elaborasse essa lei, para a qual tem competência exclusiva. A falta de elaboração de lei, pelo Município ou Distrito Federal, acarretará a ineficácia sintática da norma, por falta de um dos veículos introdutores.

Somente com o sentido completo, construído pelo intérprete, é que a norma jurídica será eficaz. Sem esse sentido, o intérprete não poderá formar o juízo que orientará a sua conduta, em adequação à norma.

Sem a idéia, resultante do juízo que o intérprete faz pela leitura do texto, ninguém será obrigado a levar aos cofres públicos o seu dinheiro, a título de tributo.

A norma jurídica tem estrutura lógica hipotéticocondicional, destinada a regular as condutas em socie-dade, com coercitividade. A sanção é elemento essencial aos preceitos do Direito positivo. A causalidade normativa se distingue da causalidade natural, justamente por ser aquela prescritiva de conduta. A norma jurídica tem composição dual: a norma primária e a norma secundária. Na primária, é regulada a relação deôntica, gerada em razão da efetivação dos fatos previstos na norma abstrata. Na secundária, está prevista uma relação de natureza processual, em que o Estado sanciona o não cumprimento da obrigação estabelecida na primária,

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compelindo o sujeito passivo a cumprir pessoalmente a obrigação, ou reparando o dano.

Com precisão, o Professor LOURIVAL VILANOVA21 concluía:

"Denominemos no sentido inverso do da teoria Kelseniana, norma primária é a que estatui direitos/deveres (sentido amplo) e norma secundária a que vem em conseqüência da inobservância da conduta devida, justamente para sancionar seu inadimplemento."

A primária é bimembre, composta por um antecedente, ou descritor, prótase ou suposto e por um conseqüente, um prescritor, tese, ou apódose. O Antecedente descreve um comportamento que, acontecendo no mundo real, tem o efeito de instaurar uma relação de imputação. Aquele que pratica o fato descrito hipoteticamente no antecedente estará vinculado a prestar uma obrigação. É o dever ser deôntico. Ele não está somente no antecedente da norma, mas em toda ela. Está contido no antecedente, no conseqüente e na implicação pelo funtor deôntico.

Os modais deônticos são: "Autorizar", "Obrigar" e "Proibir". Eles se dirigem ao comportamento das pessoas e ao legislador. Não existe outro modal. É a lei do quarto excluído. Quando dirigido ao legislador, o órgão encarregado de elaborar a lei é autorizado a produzi-la. O modal é autorizar (A). Somente a Constituição autoriza o legislador ordinário.

Por outro lado, autorizado pela norma constitucional, o legislador, a quem é atribuída a competência im-

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positiva, produzirá a lei que institui o tributo. A norma constitucional autoriza Obrigar, através de lei que diz que o contribuinte estará obrigado perante o Estado a pagar o imposto. Sem a lei ordinária do ente político, não pode o contribuinte ser obrigado.

Paulo de Barros Carvalho22separa as autorizações constitucionais, tanto para o legislador elaborar a lei infraconstitucional, como para a instituição do tributo:

"A lei constitucional, instrumento primeiro e soberano, que se sobrepõe aos demais veículos introdutórios de normas.... São verdadeiras sobrenormas, porque falam não diretamente da conduta que suscita vínculos tributários, mas do conteúdo ou da forma que as regras hão de conter. É na Lei das Leis que estão consignadas as permissões para os legislativos da União, dos Estados e dos Municípios instituírem seus tributos, como também...

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