Normas Jurídicas: polissemias e ambiguidades

AutorLeonardo Brandelli
Páginas345-356

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Ver Nota1

Certeza e segurança são argumentos a que recorrem os defensores da superioridade dos sistemas de direito positivo em face daqueles da common law. O fundamento para a defesa de suas posições seria a possibili-dade de conflito de jurisprudência, esquecendo-se de que os sistemas da família da common law se apóiam no direito romano pretoriano. Que as decisões incorporam normas sociais (instituições informais), e os precedentes servem de guia para decisões futuras, quando os fatos e as instituições se aproximem dos casos anteriores.

A prevalecerem tais argumentos como explicar as normas em branco, incompletas, as completadas pelos Tribunais ou pela doutrina, cada vez mais frequentes no ordenamento brasileiro? Há normas em branco no ordenamento penal que, para especialistas, representa o núcleo mínimo de garantia da convivência social.

No campo do direito empresarial, efeito da globalização econômica e da velocidade com que se disseminam as práticas negociais, a convergência de modelos ou estruturas é crescente, dificultando, por vezes, a positivação da operação que, rapidamente, pode assumir outros contornos.

A facilidade de circulação de informações derivada de avanços tecnológicos, permite a importação de modelos de negócios que se universalizam, em processo similar às origens do direito comercial – universal e uniforme.

Uniformidade e universalidade das práticas mercantis estão evidentes na Lex Mercatoria. Na atualidade percebe-se espécie de retomada desses procedimentos pelos empresários que, de um lado adotam modelos negociais pela confiabilidade que ofereçam, e de outro os que de forma mais

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eficiente atendam a seus interesses, particularmente se disso resultar redução de custos de transação2.

Certo tecnicismo terminológico de algumas operações que, em virtude de maior proximidade com economia e finanças, delas tomam emprestado o “jargão”, podem parecer ambíguos a quem milite em outras áreas, porém ambiguidades as há, e muitas, em normas jurídicas, inclusive no direito público.

Além de ambiguidades as polissemias que permeiam a literalidade de normas e contratos são, também estas, potencial fonte de insegurança. Conforme Coase3função das normas formais (direito positivo) e informais (regras sociais) é reduzir atritos, (custos de transação), contemplando os incentivos necessários para estimular ou inibir comportamentos. Aqui a função promocional do direito explicada por Norberto Bobbio.

Que incentivos oferecem maior segurança e, ao mesmo tempo, estimulam a produção de bens e serviços ofertados em mercados? Em face de ambiguidades ou polissemias, a interpretação de normas jurídicas, mais do que das sociais, apresenta complexidades que requerem o balanceamento entre interesses que podem ser opostos ou divergentes. O que deve prevalecer, o interesse individual ou o coletivo? O de curto, médio ou longo prazo? Como estimular cautela e eficiência, com justiça e bem-estar?

Primeiramente é preciso reconhecer que a decantada igualdade, ideário da Revolução Francesa, ao por fim a privilégios de classe, se afigura utopia, pois, se facilitou a consolidação da classe dos comerciantes, não bastou para consumar aquele ideal. Os avanços sociais foram insuficientes para garantir a igualdade social;

Da perspectiva da informação, detê-la e utilizá-la para obter vantagens, resulta em ter poder que permite exercer espécie de dominação sobre quem não a possui. Esta assimetria de informação redundará em tanto maior poder quanto maior a assimetria entre as pessoas. A facilidade para influir sobre a formação da vontade pelo convencimento cria uma forma de subordinação ou vulnerabilidade mais difícil de perceber do que a divisão por classes sociais ou castas.

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O direito reconhece, ainda que indiretamente, a importância da assimetria informacional, de sua incompletude ou imperfeições, ao tratar dos vícios da vontade que maculam a autonomia privada. Fraude, simulação, erro, resultam de assimetria informacional que permitem que uma parte aufira vantagens em detrimento da outra.

Informação sinaliza e interfere na tomada de decisões, Em certas áreas do conhecimento a informação não pode ser ambígua ou imprecisa, o que levaria a resultados equivocados. Porém, ambiguidades e imprecisões linguísticas não vêm merecendo o mesmo rigor, no plano da comunicação, imposto a outros ramos do conhecimento. Isto complica, ainda que involuntariamente, a lógica adotada e as conclusões alcançadas.

Uma vez que informação é bem escasso que pode ser apropriado, o poder resultante de obtê-la e usá-la, o impacto de ambiguidades e imprecisões, afeta seu valor. Quem detém informação a que outros não têm acesso tem poder e pode exercê-lo em beneficio próprio.

Como a comunicação entre pessoas se faz mediante símbolos, gestos, figuras, cores, palavras, cada uma dessas formas há de ser entendida segundo convenções socialmente adotadas, e na medida do domínio que cada uma tenha de tais representações.

No que concerne ao Direito, a norma positivada, fonte primeira de informação, não deveria comportar termos vagos, plurívocos que venham a dificultar a compreensão (ou a melhor a exata compreensão) do comando legal.

Dificuldades na correta leitura de textos legais, há que preencher a lacuma informacional (espaço vazio ou incerto) para permitir sua inter-pretação. Dessa forma, buscam-se fundamentos e/ou princípios de que são exemplos frases como: “espírito da lei”, “intenção do legislador”, cuja contrapartida, a clareza do texto, é recepcionada pela expressão in claris interpretatio cessat.

Entretanto, nem sempre se aceita a inexistência de espaço interpretativo em textos legais. Certo que a comunicação depende de haver, entre quem comunica e quem é comunicado, idêntico domínio do significado das palavras, sem o que processo ficará perturbado e, no limite, a informação comunicada não será captada, entendida, ou virá eivada de imperfeições; a comunicação ficará equivocada, será precária.

Ambiguidades terminológicas aparecem na legislação sob várias formas, algumas deliberadas, outras não intencionais. Quando o legislador emprega termos vagos, imprecisos, isto pode ser entendido como recurso

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ampliativo no uso do termo; pode ser meio para limitar a comunicação e, ainda, para equacionar situações intermediárias que, nem sempre, podem ser evitadas na redação de normas jurídicas.

Termos como negligente, imprudente, diligente, cauteloso, razoável, ou expressões como devido cuidado, sabia ou deveria saber, devido processo legal, bom pai de família, homem médio, parecem precisos. Na verdade são vagos, por vezes extraordinariamente vagos, permitindo interpretações casuísticas.

O mesmo termo ou expressão pode ter significados diferentes...

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