Normas de Proteção da Criança e do Adolescente no Mercado de Trabalho: OIT, Argentina, Brasil e MERCOSUL

AutorJonábio Barbosa dos Santos
Ocupação do AutorDoutor em Ciências Jurídicas e Sociais. Mestre em Direito Econômico
Páginas35-61

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A criação da Organização Internacional do Trabalho foi motivada pela necessidade de proteção do trabalho e, sobretudo, do trabalhador em face da intensificação dos processos de exploração da força de trabalho pelos detentores dos meios de produção, que mais tarde transformou-se em processos de concentração do capital por grupos econômicos, o que tornou constante a exploração do trabalhador, não sendo esta uma novidade, pois, historicamente, o homem sempre foi explorado pelo próprio homem, tudo relacionado ao patrimônio que um possuía e o outro não.

Outro motivo importante para a criação da OIT foi a necessidade de se estabelecer uma rede mínima de proteção para o trabalho e para o trabalhador. Essa rede é especificada através de princípios e direitos fundamentais expressados em convenções, recomendações e declarações, além, é claro, dos termos de compromisso firmados pelos membros da OIT de forma tripartite, no tocante às declarações e demais documentos oriundos da Organização, principalmente aqueles compromissos firmados pelos Estados-Membro quando de sua adesão ao texto da Constituição da OIT, seu documento fundamental.

Nesse aspecto, os direitos e princípios fundamentais têm ganhado destaque nas últimas décadas, principalmente após a especificação por parte da OIT de um conjunto de princípios e direitos fundamentais que seriam defendidos pela Organização a partir do ano de 1998, mediante uma declaração elaborada durante a reunião da OIT daquele mesmo ano.

2.1. Os princípios e direitos fundamentais do trabalhador dei nidos pela OIT

O trabalho e o trabalhador, ao longo do tempo, têm sido objeto de várias investidas do capital e de seus detentores, em especial após a Revolução Industrial, que trouxe benefícios para o mercado e os Estados, mas para os trabalhadores e o trabalho32 trouxe dificuldades motivadas pela busca do aumento da produtividade, da lucratividade pela redução dos custos, muitas vezes em prejuízo não apenas dos salários, mas da qualidade do trabalho. Além disso, há exploração da mão de obra de crianças e adolescentes, derruindo o primado do trabalho mediante práticas cada vez mais agressivas que

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terminam por obrigar os trabalhadores a prestar o seu serviço em condições indecentes, além de fazer uso de trabalho infantil, o que além de ser ilícito é imoral.

Nesse sentido, a OIT tem buscado desenvolver teorias, estudos, estratégias e projetos para ajudar os seus associados a identificar e enfrentar as práticas que sejam lesivas ao trabalho e ao trabalhador, como o trabalho prestado em condições degradantes, indecentes e imorais, mediante o estabelecimento de princípios e direitos que constituem uma rede de proteção mínima do primado do trabalho e das condições em que é prestado.

As ações da OIT são elaboradas e desenvolvidas mediante convenções, relatórios e, acima de tudo, por meio da Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais33que estabelecem regras gerais e metas a serem adotadas e atingidas pelos Estados-Membro.

Entre os importantes documentos elaborados pela OIT para o desenvolvimento e proteção do trabalho encontra-se a Declaração de 199834, que representou e representa um marco na defesa do mercado laboral e dos trabalhadores, pois elenca um conjunto de direitos e princípios a que seus Estados-Membros estão vinculados desde o termo de adesão à Organização e que devem ser observados pelos mesmos, na medida em que possuem a natureza propositiva, significando que as políticas públicas adotadas por esses Estados devem contemplar o estabelecido pela OIT, de forma tripartite, embora não possua a citada Organização o poder de obrigar os Estados-Membros a cumpri-los.

Os direitos e princípios contidos no documento descrito no parágrafo anterior buscam de forma direta a eficácia horizontal dos direitos humanos que seriam aplicados tanto em relações trabalhistas públicas quanto privadas. Entretanto, essa aplicação encontra dificuldades de efetivação e de concretização por depender da capacidade do Estado-membro de equalização e harmonização dos interesses econômicos, políticos e sociais que cada Estado precisa atender de forma compatibilizada internamente para dar eficácia aos princípios e direitos elencados nos documentos emanados da OIT e de outros organismos internacionais.

Para o cumprimento desses objetivos, alguns passos têm que ser dados. O primeiro passo é a adoção como norma interna; o segundo, a inclusão de forma sistematizada nas

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políticas públicas governamentais; o terceiro é o estabelecimento de metas; o quarto, a fiscalização da execução das políticas públicas e do cumprimento das metas; o quinto e último passo é a elaboração de relatórios sobre o objeto fiscalizado e dos resultados alcançados, além da possibilidade de punição, civil, administrativa e penal dos desvios de conduta que porventura venham a ocorrer pelos agentes executores.

Nesse aspecto, a OIT cumpriu o seu papel ao definir as regras que buscam o estabelecimento de princípios, pois estes definem de forma mais geral o que deve ser feito por cada Estado no âmbito interno. Essas regras principiológicas buscam dotar, sob o aspecto legal, de equilíbrio entre as partes envolvidas na relação capital versus trabalho para encontrar um enquadramento jurídico que possa ser aplicado às relações laborativas públicas ou privadas, mas sem, contudo, deixar de cumprir as regras que constitucionalmente foram definidas no plano interno, fruto de conquistas sociais e dos caminhos que a população de cada Estado decidiu seguir. Esta é a razão para a recomendação da OIT no sentido de que os Estados-Membros façam as inserções e harmonizações das suas normas nas normas internas de cada Estado, como fez a Constituição da República de Portugal, estabelecendo em seu artigo 18.1 que "os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas".

Portanto, há, no caso da constituição portuguesa, a definição e inserção de dispositivo geral que abrange todo o conteúdo dos documentos básicos da OIT, autorizando que tenham aplicação imediata a qualquer das relações trabalhistas, sejam elas públicas ou privadas, independentemente da ordem de direito fundamental, mas que tenham relação com a dignidade humana35 e com a busca do bem-estar do trabalhador e da proteção do mercado laboral.

A Constituição da OIT contempla ideia no mesmo sentido ao atribuir aos Estados-Membros a obrigação de honrar o conteúdo estabelecido na Constituição da Organização e ao definir o compromisso formal, a partir da adesão, de adotar todas as providências para inserir no plano interno os documentos emanados das OIT, bem como, efetivamente e de forma concreta, dar seguimento aos referidos documentos36.

Deve-se analisar, ainda, que a OIT em sua carta constitucional define um conjunto de regras disciplinadoras das obrigações impostas aos Estados-Membros, no sentido de seguir os documentos emanados das conferências e conselhos do Organismo Internacional, estabelecendo inclusive prazos para que os Estados adotem providências para o seguimento dos documentos por ela emanados, definindo ainda que a adesão aos compromissos está diretamente ligada ao ingresso na Organização.

Nessa perspectiva, a intensificação do processo de globalização econômica trouxe importantes mudanças para os diversos setores da sociedade, impondo ao Estado a

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necessidade de adaptação às novas circunstâncias e modos de tratamento dos processos de estandardização de procedimentos e de regras. As mudanças ocorrem em especial na seara econômica quando, a partir da década de 90, os Estados passaram a adotar uma política pública econômica embasada em padrões mundiais, que tem como elementos básicos o equilíbrio fiscal, a economia de mercado, o aumento da produtividade, a redução de custos e a utilização da mão de obra mecanizada e tecnológica. Esses elementos são utilizados e buscados de forma universal, principalmente em relação aos procedimentos, tendo a busca da produtividade como fator preponderante, além da prevalência dos valores econômicos em detrimento do ser humano, circunstância que fez a OIT realizar conferências, seminários e estudos com o objetivo maior de buscar uma proteção, efetivação e concretização dos direitos humanos, por entender os seus membros que somente dessa maneira poderia o trabalho e o trabalhador estar protegidos no mercado econômico.

Para consecução desse objetivo a OIT passou a adotar processos e procedimentos vinculativos de seus membros através da busca pelo fortalecimento e modernização de sua base legal ou normativa.

O ápice dessas medidas adotadas pela OIT ocorreu no ano de 1994, quando o Diretor-Geral da Organização anunciou através de relatórios uma proposta de valores e elencou mudanças necessárias para a proteção dos direitos humanos e fundamentais, em especial aqueles voltados para assegurar ao trabalho e ao trabalhador condições adequadas e dignas em que o homem esteja no centro das relações jurídico-econômicas, onde o capital não seja instrumento de opressão e exploração desumana do trabalhador, sendo este visto como um elo importante do processo.

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