Notas sobre o conservadorismo: elementos para a definição de um conceito
Autor | Helga Gahyva |
Cargo | Doutora em Sociologia pelo Iuperj/Ucam. Professora adjunta do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro |
Páginas | 299-320 |
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n35p299
299299 – 320
Notas Sobre o Conservadorismo:
elementos para a definição
de um conceito
Helga Gahyva1
Resumo
O presente ar tigo inspira-se nos usos pouco precisos do conceito de conservadorismo na con-
temporaneidade. Quais características, afinal, definem o pertencimento a essa corrente de pen-
samento? Para responder à questão, optou-se pela construção de uma visão ideal típica da filo-
sofia conservadora por meio da qual foi possível destacar suas principais premissas. Para tanto,
privilegiou-se a análise do conceito em movimento, ou seja, em diálogo com alguns de seus mais
destacados expoentes.
Palavras-chave: Pensamento conservador. Revolução Francesa. Igualdade. Liberdade. Mudança social.
Introdução
Nas sociedades contemporâneas, crescentemente adaptadas ao veloz uxo
de informações, opiniões e debates, os litigantes não raramente adotam o
adjetivo conservador no intuito de desqualicar as alegações de seus oponentes.
Nesse sentido, ser conservador parece equivaler, de modo simplório, ao ponto
de vista contrário àquele que se deseja defender. Trata-se de uso que esvazia o
sentido do conceito, tornando-o espécie de ofensa cujo conteúdo se adapta às
mais diversas perspectivas.
Ainda no registro caro ao senso comum, o termo é usado em acepção
pouco mais restrita. Conservador seria epíteto próprio a espíritos avessos a
mudanças que, não satisfeitos em esposar formas de existência cristalizadas
pelo tempo, exigiriam que a totalidade dos membros de uma determinada
sociedade se dobrassem às suas verdades absolutas. Segundo esse ponto de
1 Doutora em Sociologia pelo Iuperj/Ucam. Professora adjunta do Departamento de Sociologia do Instituto
de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ) e do Programa de
Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (IFCS/UFRJ). E-mail: helga.gahyva@gmail.com
Notas Sobre o Conservadorismo: elementos para a definição de um conceito | Helga Gahyva
300 299 – 320
vista, desmanchar-se-iam no ar as distinções entre conservadores e autoritários
– ambos compreendidos como inimigos históricos do pluralismo societário.
Esses usos pouco precisos e constantemente histriônicos justicam a
discussão levada a cabo no presente artigo. Trata-se de uma tentativa de regatar
os fundamentos de um conceito que, a despeito de suas variações internas,
compõem um panorama de premissas relativamente coerentes e com feição
especíca.
Para cumprir a tarefa, investigo e discuto certas características que,
articuladas conjuntamente2, possibilitam a construção de uma imagem ideal
típica do pensamento conservador (WEBER, 1989, p. 105-123). Quais são as
principais preocupações histórico-metodológicas dessa perspectiva que, junto
ao liberalismo e ao socialismo, constituem uma das três grandes ideologias
modernas? (NISBET, 1987, p. 9). Neste movimento, procuro estabelecer
um diálogo entre as linhas mestras do conservadorismo e alguns de seus
mais destacados expoentes3, de modo a perceber como elas foram por eles
incorporadas e reinterpretadas.
Este artigo não possui a incauta pretensão de esgotar a caracterização do
pensamento conservador. Limites de ordem variada conduzem a recortes que,
na qualidade de escolhas, implicam renúncias. A análise incide sobre a gênese
e o desenvolvimento da ideologia conservadora no período compreendido
entre os momentos subsequentes à Revolução Francesa e meados do pós-
Primeira Guerra Mundial, abrangendo, em sua maioria, autores cuja visão de
mundo foi gestada durante o “longo século XIX”. Assumo a hipótese de que
tal digressão é fundamental ao esforço de desanuviar o uso pouco criterioso
do conceito de conservadorismo na atualidade. Não se trata, portanto, de
uma investigação sobre seus desdobramentos contemporâneos ou sobre suas
formas especícas de circulação no Novo Mundo – tarefas que se pretende
2 A dimensão de conjunto é especialmente importante para a caracterização do conservadorismo, pois, se
consideradas isoladamente, boa parte dos traços discutidos mais adiante são compartilhados pelo liberalismo
e, algumas vezes, até mesmo pelo socialismo.
3 A seleção de autores que ocupa a sessão seguinte inspirou-se na bibliografia sobre pensamento conservador,
indicada ao fim do ar tigo. Ela não é, contudo, integralmente consensual. Nisbet (1987, p. 15-16), por exemplo,
não titubeia ao filiar Tocqueville à linhagem burkeana; Sternhell, em contraste, recusa a associação entre
ambos, vinculando Burke a uma tradição que denomina “liberalismo bloqueado” (STERNHEL, 2010, p. 60-61),
distante dos “liberais conservadores autênticos” à Tocqueville (STERNHEL, 2010, p. 36).
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO