Notas sobre dez fotografias de Tete Silva, as imagens e nos.

AutorCarvalho, Marcelo

Tenho sob meus olhos algumas fotografias. Elas exigem, num primeiro contato, um esforço de localização, parecem escapar das coordenadas cartesianas, confundir o olhar. São conjuntos de imagens ora capturados em enquadramentos fechados, ora tomados em flagrantes desenquadramentos. Leio em cada fotografia uma busca formal que flerta com a desterritorialização, mas que ainda guarda pedaços identificáveis de objetos e lugares: roupas, cartazes, um estandarte, seções de prédios, uma escadaria, flores, água, coisas de uso profano e sagrado, criações humanas e intromissões da natureza--fundos de imagem, mas também primeiros planos obsedantes. Entre a moldura rígida da cidade e a maleabilidade dos tecidos, identifico, aqui e ali, partes de corpos, sobretudo mãos, cabeças e faces. Negras, certamente. Algo naqueles corpos se conservou, memória de mundo, palimpsesto visual que dá a conhecer sobre sua ancestralidade, sobre povos formadores invocados para a sublevação, para a guerra--blocos de sensações, como diriam certos filósofos, toda uma virtualidade composta por afectos e perceptos (DELEUZE, GUATTARI, 1992). São instantes captados nas ruas, não posados e que flagram algo. Mas, o quê? Habitam a fronteira entre a rua e um lugar indeterminado, e apesar da concretude com que essas fotografias lidam com os elementos enquadrados, uma espantosa subjetividade da fotógrafa acaba por imprimir-se, dissipando parte da atmosfera geral (histórica, cultural e moral--o studium) e também sem direcionar-me para qualquer detalhe que carreasse todo o conjunto em direção a uma perdição afetiva e contundente (o punctum) (BARTHES, 2000). Ao contrário, as imagens me remetem, nesse primeiro contato, a uma espacialidade de errância, materialidade que se impõe ao olhar, tanto quanto a uma vivência espectatorial próxima à deriva.

Mas, o que é isso, a imagem? Ou ainda, o que alcançaríamos caso procurássemos o fundamento material das imagens? Uma concepção corrente reconhece na imagem uma artesania humana, ora religiosa (a estatuária com objetivo de culto), ora artística (a pintura, o desenho etc.), ora o resultado de um aparato óptico-mecânico de captação e impressão da luz em um material sensível, como no caso do cinema ou da fotografia analógica. Por imagens também são comumente reconhecidas as interfaces digitais, como as dos computadores, e não apenas com relação às fotografias e às imagens movimentadas, mas também aos textos digitalizados. Por outro lado, a percepção natural, particularmente o sistema visual--olhos, nervos óticos e...

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