Notas sobre 'A História do Princípio da Maioria', de Otto Friedrich Von Gierke (1841/1921)

AutorNilson Lautenschlager Jr.
Páginas7-22
TEXTOS CLÁSSICOS 7
NOTAS SOBRE
“A HISTÓRIA DO PRINCÍPIO DA MAIORIA”,
DE OTTO FRIEDRICH VON GIERKE (1841/1921) *
N L J.
“[...] so erhebt sich in ununterbrochen aufsteigender Wölbung der erhabene
Bau jener organischen Verbände, welche in immer größeren und umfassenderen
Kreisen den Zusammenhang alles menschlichen Seins, die Einheit in seiner bun-
ten Mannichfaltigkeit, zur äußeren Erscheinung und Wirksamkeit bringen. Aus
der höchsten der das Einzelleben nicht überdauernden Verbindungen, der Ehe,
wachsen Familien, (...) Staaten und Staatenverbände in reichhaltiger Abstufung
hervor, und für diese Entwicklung läßt sich keine andere Grenze denken, als
wenn sich in ferner Zukunft einmal die ganze Menschheit zu einem einzigen
organisierten Gemeinwesen zusammenschließen [würde]. “
(O. v. Gierke, Das deutsche Genossenschaftsrecht, vol. 1, p. 1)
Poucos autores na história do direito
tiveram a coragem e a determina-
ção de analisar uma questão tão complexa e
direta, como a das maiorias. O texto de Otto
von Gierke é assim uma verdadeira raridade
histórica e não deve ser lido, mas degustado,
pois que a rara erudição do texto nada pre-
judicou a profundidade dos elementos de
refl exão que traz à luz.
Não poderíamos deixar de trazer referi-
do texto, que se encontra ora traduzido para o
português, sem referenciarmos sua aparição
e importância, para que seja mais bem apre-
ciado pelos leitores. Não é simples introduzir,
ainda que de forma muito singela, a obra de
um autor detentor de tamanha envergadura
intelectual, como aquela de Otto Friedrich
von Gierke. Faz-se, necessário, entretanto.
Otto von Gierke iniciou seus estudos ju-
rídicos em 1857 nas cidades de Berlim e Hei-
delberg. Obteve o título de doutor em direito
junto ao importante historiador Carl Gustav
Homeyer. Filho de funcionários do governo
prussiano e acostumado às discussões sobre
política e economia em sua própria casa, car-
regava como marco mais contundente da sua
obra a clara preocupação com os fundamentos
sociais do direito, especialmente, do direito
alemão em contraposição às ideias individua-
listas decorrentes do crescente renascimento
dos estudos sobre o direito romano marcado
pelo movimento pandectista alemão.
Principal obra de Otto von Gierke foi,
indubitavelmente, a Das deutsche Genossens-
chaftsrecht (Direito Alemão das Associações).
Trabalho profundo e intenso no qual o autor
* Tradução, introdução e revisão por Nilson
Lautenschlager Jr. Colaboraram com parte da tradução,
Klaus Peter Rieckmann e Jürgen Dittberner.
RDM_166-167_FINAL.indd 7RDM_166-167_FINAL.indd 7 16/11/2016 08:46:2716/11/2016 08:46:27
8REVISTA DE DIREITO MERCANTIL 166/167
pesquisa a origem e a natureza histórica das
diversas associações humanas, onde as inter-
preta historicamente como personifi cações
ou corporações (Körperschaften) com inde-
pendência e caráter próprios. Procura, assim,
demonstrar que as associações humanas apre-
sentam uma realidade peculiar, a qual suplanta
a realidade e a existência dos seus próprios
membros. Por isso, cou tão conhecido como
o pai da teoria realista das associações ou
sociedades, embora tal classifi cação seja uma
redução simplista, até mesmo desdenhosa, da
complexidade da sua obra.
Passando pela construção histórica das
associações humanas não deixou Otto von
Gierke de perscrutar questões absolutamente
basilares de tais formações ou criações, na
melhor leitura da linguagem do autor. Foi,
assim, com o processo decisório em tais
entes. Otto von Gierke não permitiu que res-
postas que hoje temos como indubitáveis e,
até mesmo, óbvias, deixassem de passar pelo
escrutínio da indagação científi ca e histórica.
Assim, colocou o princípio da maioria, hoje
aceito, quase que inconscientemente, por
todos como regra básica de convivência hu-
mana, em perspectiva histórica, e mostrou a
real importância de tal regra para a evolução
das associações e corporações. Fica evidente,
assim, a preocupação com indagações basi-
lares do convívio social.
O elemento mais contundente do seu
texto encontra-se no esclarecimento sobre
a crise gerada pela perpetuação da maioria
e os mecanismos, para não dizer artifícios,
sociais que foram emplacados para permitir
a sua aceitação, pois que a falta de consenso
absoluto era percebida como elemento de
instabilidade social. O texto percorre exata-
mente os meandros da evolução de tal embate
social para dar o real conteúdo histórico do
princípio da maioria. Nenhuma introdução é
mais reveladora, todavia, que o próprio texto
de Otto von Gierke. Que o leitor brasileiro
tenha a chance de apreciar o belo texto his-
tórico desse grande autor.
O princípio da maioria na atualidade
Talvez o princípio da maioria nunca
tenha desenvolvido um papel tão importante
quanto na atualidade. Em eleições gerais e
DA HISTÓRIA DO PRINCÍPIO DA MAIORIA**
O  G
O princípio da maioria na atualidade. Seu desenvolvimento histórico. Antiguidade.
Direito Romano. Direito Germânico. Ato coletivo unânime original. Decisão em
caso de disputa. Congressos políticos. Associações comerciais. Decisões judiciais.
Desenvolvimento e signi cado da expressão: “A minoria deve seguir a maioria”.
Condenação. In uência do conceito de corporação. A teoria das corporações da
jurisprudência medieval. Legistas. Canonistas. “Major et sanior pars.” Teoria
das entidades coletivas. Teoria da “persona cta” coletiva. Disputa entre as duas
correntes. A doutrina naturalista da sociedade. Sua derivação do princípio da maio-
ria. Transmutação no correr do século XIX. Concepção histórico-orgânica das
associações. Razão de validade e valor do princípio da maioria sob tais prismas.
locais, nas decisões parlamentares e munici-
pais, nos colégios administrativos e de ma-
gistrados, em todas as corporações privadas
e públicas, nas associações com propósito
econômico ou idealista é a voz da maioria
que decide. Por todos os lados vale o que
a maioria quer, como expressão da vontade
de todos. Por meio de um cálculo exempli-
** Discurso realizado no Congresso Internacional
dos Historiadores, em Londres, abril de 1913.
RDM_166-167_FINAL.indd 8RDM_166-167_FINAL.indd 8 16/11/2016 08:46:2716/11/2016 08:46:27

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT