Notas sobre a reprodução assistida heteróloga no Brasil: a resolução 2.168/2017 do conselho federal de medicina e o merecimento de tutela do anonimato do doador de gametas

AutorCássio Monteiro Rodrigues
Ocupação do AutorDoutorando e mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Especialista em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor pela EMERJ. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Advogado
Páginas19-36
NOTAS SOBRE A REPRODUÇÃO ASSISTIDA
HETERÓLOGA NO BRASIL: A RESOLUÇÃO
2.168/2017 DO CONSELHO FEDERAL DE
MEDICINA E O MERECIMENTO DE TUTELA DO
ANONIMATO DO DOADOR DE GAMETAS
Cássio Monteiro Rodrigues
Doutorando e mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
– UERJ. Especialista em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor pela EMERJ.
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Advogado.
Sumário: 1. Introdução. 2. Notas sobre as técnicas de reprodução assistida: o biodireito e sua
regulamentação ética – A Resolução 2.168/2017 do CFM. 3. Tutela do anonimato do doador
de gametas: da intimidade à autodeterminação informativa. 4. Contornos da autodetermi-
nação informativa do doador vs identidade genética do lho gerado: o que deve prevalecer?
5. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
As novas tecnologias implicam em diversas comodidades e soluções para a vida
humana, nos seus mais variados aspectos. Não é por menos que acompanham e compre-
endem as mudanças e evolução social, inclusive aquelas experimentadas pela família.
Mais especif‌icamente quanto ao uso da biotecnologia e da engenharia genética, a
humanidade busca cada vez mais a solução para as questões da infertilidade e reprodu-
ção, campo em que se pode destacar as técnicas de reprodução humana assistida (“RA”),
a possibilitar que casais ou pessoas que queiram constituir uma família monoparental
possam gerar f‌ilhos.1
Apesar do crescente avanço no campo da ciência, a legislação pátria ainda é omissa
quanto à regulamentação do procedimento e aos direitos inerentes às técnicas de re-
produção assistida, inexistindo legislação específ‌ica quanto ao tema. Ainda, destaca-se
a necessidade da criação de normas disciplinadoras das condutas dos prof‌issionais de
saúde que atuam nesse campo, bem como def‌inição dos limites e da licitude das pes-
quisas científ‌icas, de modo a resguardar a dignidade humana e compatibilizá-la com o
desenvolvimento científ‌ico, sem ferir os parâmetros éticos e morais admitidos, pois as
1. Sobre o tema, por todos, vide KONDER, Carlos Nelson; KONDER, Cíntia Muniz de Souza. Violações à autonomia
reprodutiva no cenário das novas tecnologias. In: TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado;
ALMEIDA, Vitor (Coords.) O direito civil entre o sujeito e a pessoa: estudos em homenagem ao professor Stefano
Rodotà. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 217-232.
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CÁSSIO MONTEIRO RODRIGUES
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polêmicas suscitadas pela reprodução assistida são, em sua maioria, de caráter prioritário
ético e bioético.
No que tange à reprodução assistida heteróloga, modalidade na qual a fecundação
se vale de material genético de um terceiro que não os futuros pais, inúmeras questões
ocupam a ordem do dia dos debates, dentre elas, a delicada colisão de direitos entre a
preservação do anonimato do doador de material genético, que visa a proteção de seus
dados pessoais e da sua privacidade, ante o ato voluntário realizado, e o direito da pessoa
gerada de conhecer suas origens genéticas, seja por necessidade médica (para prevenir
ou conhecer doenças hereditárias e para evitar eventuais relações incestuosas) ou, ainda,
seja para descobrir sua herança cultural e possibilitar a melhor construção e realização
de sua personalidade.
2. NOTAS SOBRE AS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA: O BIODIREITO E
SUA REGULAMENTAÇÃO ÉTICA – A RESOLUÇÃO 2.168/2017 DO CFM
A sociedade atual experimenta um progresso tecnológico diário e que permite sua
constante evolução. Contudo, todo processo de desenvolvimento demanda diversos
testes e extensa pesquisa científ‌ica, em especial no campo da biotecnologia. E, se cada
área do saber possui um objeto próprio de pesquisa, no caso da biociência, o objeto é o
ser humano.2
Por isso, e pela inevitabilidade do avanço científ‌ico, foi preciso estabelecer parâ-
metros e limites aos anseios da humanidade, resultando, dentre outros, na criação do
campo da bioética, justamente para lidar com o conf‌lito entre o avanço tecnológico e a
dignidade humana.3
A expressão bioética foi empregada, inicialmente, em 1971, pelo biólogo estaduni-
dense Van Rens-selder Potter,4 em sua obra Bioethics: bridge to the future, sendo mencio-
nada como a “ciência da sobrevivência”, de modo a permitir que a humanidade pudesse
participar em sua própria evolução biológica e, ainda, garantir qualidade de vida.
Nos dias atuais, o termo já está consolidado e utilizado de maneira adequada ao
pluralismo ético da sociedade contemporânea, pode-se dizer que “é o estudo sistemático
das dimensões morais das ciências da vida e do cuidado com a saúde, utilizando uma
variedade de metodologias éticas num contexto multidisciplinar”.5
Dessa forma, essa é a área que trata dos temas em que o ser humano é o objeto de
estudo, das suas consequências e problematizações, de forma direta ou indireta, com
2. Relembre-se que o teste inicial de vacinas anti-rábicas foi realizado em um homem, que sobreviveu ao teste. Vide:
LOLAS, Fernando. Bioética, o que é, como faz. São Paulo: Loylola, 2001. p 19-20.
3. Sobre a criação do conceito de bioética e os casos que serviram como marco para tanto, vide: FREIRE DE SÁ, Maria
de Fátima; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Manual de Biodireito. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2015, p. 4-8.
Ainda, remeta-se a MORI, Maurizio. Biodiritto e pluralismo dei valori. In: RODOTÀ, Stefano; TALLACCHINI,
Mariachiara (Orgs.). Trattato di Biodiritto. Giufrè: Milano, 2010. p. 437-440.
4. Professor da Universidade de Wiscosin, Medison-USA. POTTER, V. R. Bioethics: bridge to the future. Englewood
Cliffs: Prentice Hall, 1971.
5. Conceito proposto na Encyclopedia of biothics, publicada em 1978. Disponível em: [https://newbooksinpolitics.
com/political/encyclopedia-of-bioethics-i-m/]. Acesso em: 17.02.2018.
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