Notes on the Professional Ethical-Political Project: fundamentals, construction, and challenges/Notas sobre o projeto etico-politico profissional: fundamentos, construcao e desafios.

AutorDuarte, Janaina Lopes do Nascimento

Introducao

Em tempos de mundializacao do capital, ofensiva neoliberal, negacao de direitos sociais, ampliacao de desigualdades, precarizacao e intensificacao do trabalho, dentre outros processos contemporaneos, como desdobramentos do momento de crise e reestruturacao do capitalismo pos-1970, podemos dizer que e necessario reafirmar valores e principios, fortalecer conquistas historicas e intensificar a luta sociopolitica. Nesse campo o Servico Social sempre esteve presente de forma combativa, em especial a partir da decada de 1960.

Sabemos que ate meados da decada de 1960, o Servico Social se constituia com razoavel homogeneidade diante das suas concepcoes de mundo e profissao, da sua direcao teorica, etica e politica e das suas respostas profissionais concretas. Entretanto, com a entrada dos anos de 1960, o "carater contraditorio dos fenomenos e processos socio historicos" (NETTO, 1998, p. 129) culminaram com as condicoes favoraveis para a renovacao do Servico Social, fomentando um processo de questionamento geral e contestacao interna, que marcou um contexto de virada critica na profissao.

Em verdade, o Servico Social nao tem se isentado da luta, da resistencia e da disputa cotidianas na sociedade brasileira, especialmente em defesa de interesses que extrapolam a profissao e se vinculam as demandas dos trabalhadores.

Cabe lembrar que o Servico Social contemporaneo e resultado de um recente processo socio-historico de rompimento e reorganizacao da profissao contra o projeto conservador que dominou sua trajetoria ate o inicio da decada de 1980, conquistando outra direcao social e politica a partir do projeto etico-politico profissional, especialmente nos anos de 1990, articulado a um projeto de sociedade nao capitalista.

Relevante lembrar que, na America Latina, esse processo de renovacao adquire contornos especificos, nos quais o Brasil assume um certo protagonismo, particularmente por meio do Movimento de Reconceituacao, cobrindo o periodo especifico entre 1965 e 1975. Netto (1998, p. 146) destaca que esse movimento "partilha das mesmas causalidades e caracteristicas do processo internacional de erosao do Servico social 'tradicional'". No entanto, ao mesmo tempo, a America Latina apresenta peculiaridades proprias, tais como: a dependencia norte-americana e as ditaduras instaladas nos paises para conter a efervescencia dos movimentos sociais e o "perigo" iminente do comunismo.

No entanto, embora hegemonico (do ponto de vista da direcao etico-politica conduzida pelas suas entidades organizativas e apoiada na pluralidade da categoria profissional), esse projeto nao e exclusivo, mas convive com outros projetos profissionais. Por isso, a luta exige ratificacao de principios e valores, resgate de fundamentos (sempre) e fortalecimento dos projetos societario e profissional radicalmente criticos.

Na conjuntura atual, o projeto profissional critico do Servico Social vem sendo questionado em sua viabilidade e potencialidade, em parte, devido a dificuldade de compreensao sobre a profissao e seu projeto profissional critico, especialmente no que se refere aos fundamentos, trajetoria, limites e desafios desse projeto (que se confunde com os da profissao). Isso pode estimular, no cotidiano profissional, um "sentimento" de impossibilidade, inviabilidade de um projeto de profissao radicalmente contrario a ordem do capital.

Contudo, como compreender a dimensao de um projeto profissional sem saber identificar o que vem a ser um projeto? Quais os fundamentos do projeto etico-profissional do Servico Social? Como fortalece-lo em tempos de tantos desafios para a classe trabalhadora e, em particular, para a profissao, sem efetivamente conhece-lo? Essas sao algumas questoes que inquietam e circulam entre profissionais e estudantes de Norte a Sul do pais (1), mas que, algumas vezes, nao sao problematizadas com o rigor e a profundidade necessarios, particularmente em tempos de barbarie capitalista e retrocessos sociais no campo do trabalho e da formacao profissional em geral.

Nessa perspectiva, como resultado de pesquisa bibliografica realizada a partir de um recorte dos nossos estudos no Doutorado em Servico Social (em processo de finalizacao), o presente texto objetiva recuperar os fundamentos de um projeto de profissao e, nele, o projeto etico-politico profissional, bem como seu processo de construcao socio-historica, ratificando potencialidades e limites, a fim de contribuir com o fortalecimento da profissao e da direcao critica imprimida por tal projeto profissional.

Nosso ponto de partida e considerar que: a) um projeto profissional tem limites e possibilidades que se colocam na contradicao dos seus desafios, postos pela complexidade dos processos sociais atuais; e b) o conhecimento a respeito dos fundamentos do projeto etico-politico profissional e seu consequente vinculo com um projeto societario anticapitalista se constituem como importantes elementos para a sustentacao critica e a disputa de direcao, diante de outros projetos divergentes postos no cotidiano da luta coletiva contemporanea.

Sem o intuito de esgotar o tema, e sobretudo diante das limitacoes de um texto, organizamos nossa contribuicao a esse debate a partir dos seguintes eixos centrais: 1) os fundamentos de um projeto profissional, a fim de elucidar e qualificar teorico-metodologicamente o que e e como se constitui um projeto; 2) o processo de construcao e a trajetoria do projeto eticopolitico do Servico Social brasileiro, situando como este se articula a um determinado projeto societario; e 3) consideracoes finais sobre alguns desafios para o exercicio e a formacao profissionais que incidem sobre o projeto etico-politico profissional, bem como a urgencia do seu fortalecimento e da construcao de um consenso coletivo sobre o mesmo.

  1. Quais os fundamentos que constituem um projeto profissional?

    Para viver, existir, homens e mulheres precisam produzir bens essenciais para suprir suas necessidades em relacao direta com a natureza: "o trabalho e um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua propria acao, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza" (MARX, 1985, p. 149). Na verdade, o homem coloca "em movimento as forcas naturais pertencentes a sua corporalidade, bracos e pernas, cabeca e mao, a fim de apropriar-se da materia natural numa forma util para sua propria vida" (MARX, 1985, p. 149), respondendo as suas necessidades.

    E a partir do processo de transformacao intencional da natureza que o homem se torna um ser social, distinto dos outros animais, o que somente e possivel por meio do trabalho. Explicando melhor: e a partir do trabalho que o homem transforma a natureza, segundo seus interesses, construindo e modificando a si proprio e as suas relacoes sociais. Ou seja, e o trabalho que permite o salto qualitativo do homem como ser social, distinguindo-o da natureza.

    Desta forma, toda a acao humana--e isso e o que nos afasta e distingue dos outros animais da natureza--e resultado da capacidade do homem de projetar/conceber na consciencia (previa ideacao) o que almeja e objetiva, construindo materialmente (objetivacao (2)) aquilo que deseja para alcancar determinada finalidade (fim). Essa finalidade, por sua vez, atendera a uma necessidade inicialmente posta pela sua relacao com a natureza e com os outros homens, por meio do trabalho. E nesse sentido que Marx (1985, p. 149-150 - grifos nossos) pressupoe o trabalho numa forma exclusivamente humana:

    Uma aranha executa operacoes semelhantes as do tecelao, e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construcao dos favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemao, o pior arquiteto da melhor abelha e que ele construiu o favo em sua cabeca, antes de construi-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtem-se um re-sultado que ja no inicio deste existiu na imaginacao do trabalhador, e, portanto, idealmente. Ele nao apenas efetua uma transformacao da forma da materia natural; realiza, ao mesmo tempo, na materia natural seu ob-jetivo, que ele sabe que determina, como lei, a especie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade. Alem do esforco dos orgaos que trabalham, e exigida a vontade orientada a um fim, que se manifesta como atencao durante todo o tempo de trabalho [...].

    Assim, homens e mulheres tem a capacidade de alterar a natureza e as relacoes sociais a partir do trabalho, que se constitui como "uma peculiar e exclusiva articulacao entre teleologia e causalidade", ou seja, previa ideacao e circunstancias objetivas, para fins de objetivacao de necessidades e interesses humanos, uma vez que "apenas no mundo dos homens a teleologia se faz presente" (LESSA, 2002, p. 70). Isso porque somente os homens detem a capacidade de antecipar idealmente.

    Portanto, o ato de projetar e necessariamente um ato humano. Os seres humanos sempre atuam de forma teleologica (3), quer dizer, orientados por objetivos e finalidades, o que requer certo grau de consciencia para a objetivacao, pois "toda processualidade teleologicamente orientada requer alguma consciencia que a ponha" (LESSA, 2002, p. 71). Por isso, o homem transforma a realidade a partir de uma finalidade previamente construida, projetada.

    Nesses termos, toda acao humana, cuja motivacao sera sempre um conjunto de necessidades e interesses, implica necessariamente um projeto que se constitui como uma antecipacao ideal para alcancar determinada finalidade. Essa exige valores para legitima-la e a escolha de meios para alcanca-la (NETTO, 2008).

    Entao, um projeto e resultado da dinamica teleologia e causal, cuja sintese e a objetivacao que determina e e determinada pela relacao entre objetividade (materialidade do real, ou seja, condicoes materiais de producao e reproducao social) e subjetividade (processo de consciencia) humana.

    Nesse processo, e fundamental que "a subjetividade capture, na medida minimamente necessaria para cada objetivacao, as determinacoes do real" (LESSA, 2002...

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