Nótulas Propedêuticas

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas25-30

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1. Jurisdição, ação e processo

Conforme escrevemos em obra anterior1 a história do direito dos povos registra a existência de certa fase remota, envolvida pelas brumas da insensatez, em que se permitia ao indivíduo satisfazer, com os meios pessoais coercitivos de que dispusesse, as pretensões relativas a bens ou utilidades da vida. Era o execrando período da autotutela ou da auto-defesa, onde a prevalência nem sempre era do Direito — ao contrário, pois, do que seria desejável aos olhos dos tempos modernos — mas, da astúcia, da velhacada, do ardil, da prepotência, e, de certa forma, das classes ocasionalmente detentoras do poder político ou econômico.

Convencendo-se, não sem grande tardança, de que esse sistema iníquo estava colocando em risco a estabilidade não só das relações jurídicas, mas, também, sociais, o Estado se demoveu de sua passividade irresponsável e trouxe para si, em caráter monopolístico, o encargo de solucionar os conflitos de interesses ocorrentes entre os indivíduos e as coletividades ou entre uns e outros.

A partir desse episódio, de extraordinária importância para o direito dos homens, instaura-se a Justiça Pública, ou Oficial, e, com ela, surge essa tríade fundamental, que viria a constituir-se na viga-mestra de quase todos os modernos sistemas legais de solução heterônoma dos conflitos intersubjetivos de interesses juridicamente tuteláveis: a jurisdição, a ação e o processo.

Firma-se a jurisdição como o poder-dever do Estado de declarar, de maneira imparcial e irrecusável, com quem se encontra o direito disputado; a ação, como o direito subjetivo público de invocar-se a prestação da tutela jurisdicional, nos casos de lesão ou de ameaça de lesão ao patrimônio jurídico dos indivíduos ou das coletividades; o processo, como o método, a técnica, o instrumento de que se vale o Estado para solver os conflitos de interesses submetidos à cognição de seus órgãos. O procedimento, por sua vez, se apresenta como um conjunto de atos, logicamente preordenados, e, em regra, preclusivos, que se encaminham, num movimento sequente, para o seu polo de atração magnética: a sentença de mérito, ou seja, o provimento da jurisdição que comporá a lide (segundo o conceito carneluttiano de pretensão resistida e insatisfeita).

É a sentença, pois, o acontecimento máximo do processo, o seu ponto de culminância — e de exaustão, se considerarmos o conceito enunciado pelo art. 203, § 1.º, do Código

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de Processo Civil, no qual está implícita a extinção do processo, com resolução do mérito, ou não (arts. 485 e 487 do mesmo Código).

Tempos depois, insinua-se a provecta cláusula do due process of law (devido processo legal), na Magna Charta Libertarum, do Rei João-sem-Terra, de 1215, cujo art. 39 assim dispunha:’ “Nenhum homem livre será detido ou sujeito a prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer forma molestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país” (destacamos).

Na verdade, a garantia de um julgamento regular, mencionada na Carta de 1215, fora denominada de law of the land, sendo substituída, mais tarde, no Estatuto de 1354, de Eduardo III, por due process of law.

Nos Estados Unidos da América do Norte, a cláusula do devido processo legal foi introduzida na Constituição pela Emenda n. V, de 1789, assim redigida: “Nenhuma pessoa poderá responder por qualquer grave ou infame crime senão mediante apresentação e libelo de um grande júri, exceto nos casos surgidos nas forças militares e policiais, quando em serviço no tempo de guerra ou em perigo público, nem poderá pessoa alguma, pela mesma ofensa, por mais de uma vez, ter exposta a vida ou integridade, nem ser compelida em qualquer caso criminal a testemunhar contra si mesmo, nem ser privada da vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal; nem ter bens expropriados sem justa indenização” (realçamos).

Ulteriormente, a Emenda n. XV exigiu que os Estados-membros concedessem essa garantia: “Nenhum Estado privará qualquer pessoa de sua vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal, nem denegará dentro de sua...

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