A nova hermenêutica ante ao neoconstitucionalismo

AutorAntonio Baptista Gonçalves
Páginas111-150
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CAPÍTULO 3
A NOVA HERMENÊUTICA ANTE AO
NEOCONSTITUCIONALISMO
3.1 Introdução
A Constituição é um sistema de normas jurídicas, de acordo
com princípios fundamentais. Ela institui e regulamenta as fun-
ções do Estado, define os direitos fundamentais dos indivíduos
e protege a relação social. Ademais, institui regras e princípios
que serão seguidos pelos demais ramos do direito.
A hermenêutica constitucional se propõe a interpretar o Di-
reito de acordo com os ditames e preceitos constitucionais. No
entanto, com o avançar do positivismo e o afastamento do mo-
delo kelseniano, ainda influente um novo paradigma se coloca: é
possível a inserção de novos participantes no processo constitu-
cional dentro do Estado Democrático de Direito?
Fiel ao conceito do positivismo jurídico, a interpretação
constitucional se mostrou demasiado fechada em termos de inter-
pretação, como uma limitação clara aos limites de compreensão.
Agora, propomos um alargamento. Afinal, se o legislador
está cada vez mais importado em atender aos anseios sociais,
então o intérprete constitucional também pode submeter o re-
sultado de seu processo ao olhar da sociedade e, assim, expandir
o seu processo de análise.
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ANTONIO BAPTISTA GONÇALVES
3.2 Hermenêutica Constitucional
Hermenêutica,
270
em sua origem grega, está associada ao
deus Hermes, filho de Zeus com a Ninfa Maya, que se tornou o
mensageiro de pés alados, mediador e responsável pela comuni-
cação entre seu pai e os mortais, sendo por isso atribuída a ele, na
narrativa helênica, a invenção da linguagem e da escrita. De tal
sorte que a hermenêutica é o estudo da linguagem, a interpreta-
ção das leis, para se obter a intenção e o sentido pretendido pelo
legislador.
271
É função da hermenêutica estabelecer os caminhos para que
a objetividade possa imperar em detrimento da subjetividade e,
assim, que o juiz não crie soluções ou entendimentos próprios
que sejam contrários à própria norma ou ao espírito da mesma.
Celso Ribeiro Bastos:
Interpretar é atribuir sentido ou um significado ao texto. Esta
atividade é sempre necessária quando se tem em vista que os
preceitos normativos são sempre abstrações da realidade. (...) A
atividade interpretativa trilha o caminho inverso do realizado
pelo legislador, é dizer, do abstrato procura chegar a preceitua-
ções mais concretas, o que só é possível procurando atribuir o
exato significado à norma.
272
270. Sergio Alves Gomes agrega uma definição complementar, a posição de que o
vocábulo hermenêutica tem origem no verbo grego hermeneunein, e que significa
“interpretar”. GOMES, Sergio Alves. Hermenêutica Constitucional – um contri-
buto à construção do estado democrático de direito. Curitiba: Juruá, 2010, p. 47.
271. Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “A interpretação consiste em determinar o
sentido e o alcance da norma, a partir da compreensão do enunciado que a expri-
me, de acordo com o pressuposto: a boa fé. É ela um ato de conhecimento, não de
vontade. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional.
32. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 379.
André Franco Montoro: “As leis são formuladas em termos gerais e abstratos, para
que possam estender a todos os casos da mesma espécie. Passar do texto abstrato
ao caso concreto, da norma jurídica ao fato real, é tarefa do aplicador do direito,
seja ele juiz, tabelião, advogado, administrador ou contratante. Nessa tarefa, o pri-
meiro trabalho consiste em fixar o verdadeiro sentido da norma jurídica e, em se-
guida, determinar o seu alcance e extensão”. MONTORO, André Franco. Introdu-
ção à ciência do direito. 26. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 429.
272. BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 3. ed.
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HERMENÊUTICA E A LINGUAGEM
Márcia Haydée Porto de Carvalho:
Teoria de interpretação específica da norma constitucional, ou
seja, da existência de métodos e princípios próprios para a inter-
pretação da Constituição.
273
A hermenêutica constitucional tem por objetivo interpre-
tar a lei maior, o que no Direito poderia se chamar de “lei das
leis”, ou seja, aquilo que Hans Kelsen tratou como norma fun-
damental, a base para todas as outras normas.274
Para entendermos como se aplica a hermenêutica cons-
titucional será fundamental uma análise preliminar sobre o
que vem a ser princípio e norma e como estes se relacionam
com o ordenamento jurídico e seu procedimento.
3.3 Ordenamento jurídico de princípios, regras e pro-
cedimento
Antes do debate acerca dos princípios constitucionais é
momento de se fazer uma reflexão um pouco mais ampla e
se discutir o que vem a ser Direito e qual a sua função na
sociedade.
Direito é um sistema normativo composto por princípios
e regras, que tem por escopo regular comportamentos sociais
de acordo com comandos imperativos dotados de força275
São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, págs. 37 e 38.
273.
CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Hermenêutica constitucional –métodos
e princípios específicos de interpretação. Florianópolis: Obra Jurídica, 1997, p. 10.
274.
A Lei maior seria a análise de todas as normas constantes na Constituição Federal.
275. Boaventura de Sousa Santos: “Como as pretensões epistemológicas do direito
são derivadas e, no fundo, assentam num défice de conhecimento científico sobre a
sociedade, as condições teóricas do conhecimento jurídico estão subordinadas às
condições sociais do poder jurídico, das quais, até certo ponto, têm de ser deduzi-
das. A autonomia, universalidade e generalidade do direito assentam numa ligação
a um determinado Estado concreto, cujos interesses servem, independentemente
de estes serem autônomos ou de classe, gerais ou particulares”. SANTOS, Boaven-
tura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência.

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