A nova legislação trabalhista e o supremo: um olhar sobre o passado, em busca de balizas para o futuro

AutorMarco Aurélio Mello
Páginas122-127

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Marco Aurélio Mello

Ministro do Supremo Tribunal Federal – Presidente (maio de 2001 a maio de 2003) e do Tribunal Superior Eleitoral (junho de 1996 a junho de 1997, maio de 2006 a maio de 2008, novembro de 2013 a maio de 2014). Exerceu o cargo de Presidente da República do Brasil, em substituição do titular, de maio a setembro de 2002, em cinco períodos intercalados, sancionando a Lei de criação da TV Justiça.

1. Introdução

Cabe breve registro quanto ao homenageado. O Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Petrópolis, onde lecionou por vários anos, e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, possui notável trajetória na magistratura, iniciada em 1981. Ocupa, desde dezembro de 2004, cadeira no Tribunal Superior do Trabalho, o qual tive a honra de integrar. Também exerce, atualmente, mandato no Conselho Nacional de Justiça.

O convite para contribuir com esta obra revela o propósito de instigar reflexão quanto aos novos rumos do Direito do Trabalho, considerada a própria história, princípios e as recentes alterações legislativas. A quadra é verdadeiramente ímpar, ante a edição das Leis ns. 13.429/2017 e 13.467/2017, a introduzirem a denominada “reforma trabalhista” por meio de profundas modificações no corpo da Lei n. 6.019/1974 e da Consolidação das Leis do Trabalho.

As novidades são as mais variadas. No contexto da Lei n. 6.019/1974, alterou-se a disciplina já existente quanto ao trabalho temporário, sendo prevista, pela primeira vez no ordenamento positivo brasileiro, a terceirização das atividades de empresa, até então regulada apenas no âmbito jurisprudencial por meio do Enunciado n. 331 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho. A Consolidação das Leis do Trabalho sofreu 54 modificações de redação, tendo sido incluídos 43 novos dispositivos e revogados outros 9.1

Nesse último caso, as alterações legislativas incluem temas relevantes, como: requisitos para configuração de grupo econômico; responsabilidade em caso de sucessão empresarial; trabalho intermitente e contratação de autônomos; menor rigor em relação às cláusulas acordadas por trabalhadores de alta renda; trabalho insalubre de gestantes; trabalho remoto; a chamada jornada “12 por 36”; desnecessidade de homologação da rescisão; dispensas coletivas; planos de demissão voluntária ou incentivada; e maior prevalência da negociação coletiva.

O Supremo vem sendo instado a manifestar-se sobre diferentes pontos da reforma. Por exemplo, por meio da Ação Direta de n. 5.685, o partido Rede Sustentabilidade aponta vício de inconstitucionalidade quanto ao processo legislativo que levou à alteração da Lei n. 6.019/1974. Na Ação Direta de n. 5.766, a Procuradoria-Geral da República contesta dispositivos a imporem restrições à garantia da gratuidade judiciária, inclusive no que se refere à obrigação de pagar honorários periciais e advocatícios. A temática alusiva às contribuições sindicais é objeto da Ação Direta de n. 5.794.

Descabe, neste espaço, adiantar percepções sobre casos pendentes de julgamento. Também surge inadequado discutir a legitimidade de outros aspectos da denominada reforma trabalhista. Posso, no entanto, contribuir para o debate, aprofundando a reflexão a respeito da quadra vivida a partir de um olhar sobre o passado, considerados pronunciamentos formalizados pelo Supremo em julgamentos dos quais participei. O exercício é frutífero, porquanto alguns dos temas candentes já foram apreciados – é verdade, sob outra óptica legislativa – pelo Tribunal, a revelar direcionamento para os demais órgãos jurisdicionais.

Faço-o com fundamento na história das normas protetivas e da Justiça do Trabalho, presente o princípio da digni-dade humana, pano de fundo a ser mantido em perspectiva nestes tempos estranhos dos quais somos testemunhas.

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2. Contexto histórico

Conhecemos a origem do Direito do Trabalho. O Estado, buscando o implemento da justiça social, compreendeu que as desigualdades reinantes somente poderiam ser corrigidas com a introdução de distinções em sentido oposto, surgindo, assim, normas jurídicas asseguradoras de proteção mínima ao hipossuficiente.

Tal intervenção estatal seria inócua caso o trabalhador, compelido pelas circunstâncias e vítima de mercado de trabalho impiedoso, pudesse despojar-se das garantias mínimas asseguradas. As renúncias seriam constantes, variando ao sabor do maior ou menor escrúpulo empresarial e da oferta de mão de obra. A liberdade de ajuste das condições de trabalho, sem observância de qualquer balizamento, acabaria por submeter o trabalhador a situação pouco harmônica com a justiça social almejada.

Veio, então, a Consolidação das Leis do TrabalhoDecreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943 –, em razão da insistência do então Ministro do Trabalho, Lindolfo Collor, perante o Presidente Getúlio Vargas. Naquele momento, a relação jurídica entre tomador e prestador de serviços era regida pelas normas civilistas. Prevaleciam as ideias do Código Civil francês, napoleônico, quanto à liberdade absoluta dos contratantes. A nova legislação veio para, de certa forma, libertar o prestador dos serviços, já que, em um mercado desequilibrado, com oferta excessiva de mão de obra e escassez de empregos, era compelido a optar.

A par do surgimento das normas trabalhistas, tem-se a criação da Justiça do Trabalho em 1941, após o momento histórico conturbado subjacente às Constituições de 1934 e 1937. Inicialmente surgida como apêndice do Ministério do Trabalho, no âmbito do Executivo, ocorreu a integração ao Poder Judiciário de maneira definitiva por meio da Carta Federal de 1946, permanecendo assim consideradas Constituições posteriores.

A Constituição de 1988, quando da promulgação, não trouxe as modificações aguardadas a respeito da representação classista. Apenas com a Emenda n. 24/1999 findou o anacronismo revelado pela permissão então concedida a leigos – cuja parcialidade não era apenas presumida, mas efetiva, chegando às raias de verdadeiro descalabro – para prolação de decisões judiciais.

A importância do trabalho na construção das modernas sociedades, considerados os mais diversos aspectos da ativi-dade humana – pesquisa científica, engenharia, administração, medicina, comércio, magistério, entre centenas de outras –, fez com que a regulamentação concernente ao contrato, aos direitos sociais, às garantias do trabalhador fosse encarada com a seriedade pertinente.

Em idêntica proporção, deu-se a evolução da Justiça do Trabalho. A solução dos conflitos, no início relegada à atuação das próprias partes, obrigadas a buscá-la mediante intermediação meramente arbitral de leigos, chegou a ser implementada por órgãos instituídos por lei, mas desprovidos de imparciali-dade e de poder coercitivo quanto à execução das decisões proferidas, até que, em terceiro momento, passou a realizar-se em decorrência de prestação jurisdicional, alcançando efetividade.

Passados mais de 29 anos da nova ordem constitucional, tem-se nova tentativa de correção de rumos, com a introdução de legislação a modificar aspectos vários do Direito do Trabalho, tanto no âmbito material quanto processual. É importante, nesse contexto, manter em perspectiva a história das normas trabalhistas e das instituições encarregadas de aplicá-las, de modo a compreender adequadamente o momento e as implicações para o futuro.

3. Casos emblemáticos

A atuação do Supremo em processos que versam temas de natureza trabalhista ou que tenham repercussão na seara do Direito do Trabalho é de grande importância na solução das controvérsias, propiciando aos jurisdicionados segurança abrangente. Os pronunciamentos implicam, não raras vezes, a mudança de rumos da jurisprudência dos demais tribunais. Isso se deve à realização da missão precípua que lhe foi confiada: o exame do caso, ou a análise da decisão proferida pelo órgão judicante de origem, à luz da Constituição Federal.

Embora a jurisdição do Tribunal seja alcançada apenas ocasionalmente – presente o sistema recursal, a dificultar a subida dos processos oriundos da Justiça do Trabalho, e consideradas as limitações do controle de constitucionalidade concentrado –, os pronunciamentos formalizados revelam-se guias fundamentais.

Para além das ações diretas ajuizadas após as modificações legislativas, já referidas na Introdução, há outros processos, inclusive, sob minha relatoria, nos quais debatidas matérias próximas àquelas abrangidas pelas novas normas trabalhistas. Por exemplo: (a) necessidade de negociação coletiva para a dispensa em...

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