Novas tecnologias na publicidade: o assédio de consumo como dano

AutorArthur Pinheiro Basan
Páginas91-124
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NOVAS TECNOLOGIAS NA PUBLICIDADE:
O ASSÉDIO DE CONSUMO COMO DANO
Arthur Pinheiro Basan
Sumário: 1. Introdução. 2. A publicidade inserida na Sociedade da Informação. 3. Inovações
tecnológicas e práticas importunadoras. 4. O problema do spam. 5. O neuromarketing e a tutela
do consumidor. 6. O assédio de consumo como dano. 7. Considerações nais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
É inegável que o desenvolvimento do ambiente da Internet proporcionou base sólida
para a expansão tecnológica, nos mais diversos setores da sociedade. Soma-se a isso a
capacidade das novas tecnologias colocarem em risco direitos fundamentais há muito
consagrados1, sem que, na maioria das vezes, o avanço das respostas jurídicas seja ca-
pazes de oferecer tutela na mesma velocidade das violações.2 Neste sentido, nota-se que
a economia, um dos subsistemas mais benef‌iciados pelo desenvolvimento da Internet3,
passa a ser capaz de ameaçar direitos de maneira cada vez mais veloz, especialmente
levando em consideração que o Direito, enquanto método imprescindível para resolução
de lides, é na maioria das vezes moroso em sua efetividade.4
Em paralelo a isso, com o desenvolvimento constante do mundo virtual, a publici-
dade se destaca como mola mestra da economia informatizada, matéria-prima de uma
milionária indústria mundial, cumprindo também tarefa importante de aproximação
de pessoas, bens e serviços na Sociedade da Informação.5 Para além disso, um ponto
1. Marshall McLuhan já alertava quanto aos perigos provocados pelo avanço tecnológico, af‌irmando que nenhuma
sociedade teve um conhecimento suf‌iciente de suas ações a ponto de poder desenvolver uma imunidade contra
novas extensões ou tecnologias. In: McLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem.
Tradução de Décio Pignatari. São Paulo: Cultrix, 2007, p. 84.
2. BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo:
Editora 34, 2010.
3. MARTINS, Fernando Rodrigues. Sociedade da Informação e Promoção à Pessoa: Empoderamento Humano na
Concretude de Novos Direitos Fundamentais. In: MARTINS, Fernando Rodrigues. Direito Privado e Policontextu-
ralidade: fontes, fundamentos e emancipação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p. 403.
4. PASQUALOTTO, Adalberto. Os efeitos obrigacionais da publicidade no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997, p. 16.
5. A Sociedade da Informação é identif‌icada a partir do contexto histórico em que há a preponderância da informação
sobre os meios de produção e distribuição dos bens na sociedade, decorrente principalmente da introdução dos
computadores conectados em rede nas relações sociais. Nessa linha, desde a segunda metade do século XX, obser-
vou-se a maturação do pensamento sociológico, propiciando projeções de uma sociedade de base informacional,
posteriormente designada de sociedade em rede, com base nos pensamentos de autores como Yoneji Masuda e Fritz
Machlup – já na década de 1960 – e, mais recentemente, Jan van Dijk e Manuel Castells. Estes últimos, no curso da
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importante a enfatizar é que a partir das novas tecnologias de informação e comunicação,
principalmente aproveitando-se de dados pessoais dos internautas em rede, as ofertas
publicitárias passaram a interferir na vida das pessoas de maneira mais intensa e incisiva,
a ponto de em diversas situações perturbar o sossego daqueles que estão conectados.
Nessa perspectiva, surge o seguinte problema: considerando as inovações tecnoló-
gicas notadas na contemporaneidade, e diante do conf‌lito entre livre mercado agenciado
pelas publicidades e direitos fundamentais das pessoas conectadas à Internet, como pro-
mover um elevado nível de proteção às pessoas, de modo a garantir que estas não sejam
prejudicadas pelo assédio de consumo praticado pelas publicidades?
Com base nisso, o presente estudo visa abordar o necessário reconhecimento da
expansão da tutela dos direitos da pessoa humana também às relações eletrônicas. Em
verdade, tendo como base a problemática apresentada, o texto busca destacar como a
publicidade se aproveita das novas tecnologias tornando-se muitas vezes prática im-
portunadora de sossego e, consequentemente, prática abusiva. Ainda assim, almeja-se
demonstrar que essas novas formas de ofertas de produtos e serviços acabam por asse-
diar o consumidor à realização de contratações impensadas, irref‌letidas e muitas vezes
indesejadas, qualif‌icando o assédio de consumo como um verdadeiro dano.
Trabalha-se, portanto, com a hipótese de que as novas tecnologias, relacionadas à
Internet, ao proporcionarem novas formas de publicidade, ampliaram as possibilidades
de causar danos aos consumidores e, consequentemente, surge a necessidade de reco-
nhecer que a integridade humana não se limita mais ao espaço físico, real ou concreto,
tendo também sua manifestação, cada vez mais necessária socialmente, no ambiente da
Internet. Isso, evidentemente, demanda do sistema jurídico novas respostas.
Todas essas ref‌lexões são essenciais para evidenciar que os direitos fundamentais
devem ser estendidos ao âmbito virtual, especialmente nas relações de consumo, onde
há presumida vulnerabilidade. Exatamente por isso que a responsabilidade civil surge
como instituto jurídico essencial para, em última análise, cumprir o papel de garantia
fundamental, isto é, garantindo que direitos fundamentais, como a liberdade e a privaci-
dade, em seu aspecto de “direito de ser deixado em paz”, sejam efetivamente realizados.
Partindo daí, a pesquisa utilizará o método de abordagem dedutivo, investigando o
desenvolvimento das técnicas publicitárias para evidenciar a problemática da tecnologia
sobre o Direito, especialmente destacando a essencial necessidade de concretização dos
direitos fundamentais. Além disso, o trabalho promoverá a análise bibliográf‌ico-doutri-
nária para, logo em seguida, apresentar as considerações f‌inais, das quais se procurará
extrair uma compreensão mais assertiva quanto à problemática explicitada, isto é, buscará
oferecer uma hermenêutica promocional, focada na proteção do valor central do Direito,
qual seja: a dignidade da pessoa humana.
década de 1990, foram pioneiros nas proposições sobre como os modais inter-relacionais que conf‌iguram a base
fundamental de sustentação das atividades humanas seriam afetados pela alavancagem tecnológica, em especial
pela Internet. DUFF, Alistair A. Information society studies. Londres: Routledge, 2000; MASUDA, Yoneji. The in-
formation society as post-industrial society. Tóquio: Institute for the Information Society, 1980; MACHLUP, Fritz.
The production and distribution of knowledge in the United States. Nova Jersey: Princeton University Press, 1962;
VAN DIJK, Jan. The network society. 3. ed. Londres: Sage Publications, 2012; CASTELLS, Manuel. A sociedade em
Rede. Tradução de Roneide Venâncio Majer. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2018.
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NOVAS TECNOLOGIAS NA PUBLICIDADE: O ASSÉDIO DE CONSUMO COMO DANO
2. A PUBLICIDADE INSERIDA NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
A facilidade e a ampliação da comunicação proporcionadas pelo desenvolvimento
da tecnologia possibilitaram evidente expansão da economia, posto que esta superou
fronteiras e limitações, ampliando sobremaneira a exposição de produtos e serviços
no mercado.6 Evidentemente, a economia contemporânea reduziu custos e facilitou a
aproximação das partes contratantes frente as inúmeras possibilidades de oferta e, além
disso, diante da possibilidade de o próprio consumidor buscar, em rede, onde há a oferta
de produtos e serviços de seu interesse. É dizer que, ao considerar todos os subsistemas
sociais modif‌icados pela Sociedade da Informação, o econômico é o mais benef‌iciado,
posto que o conhecimento tem capacidade de se transformar facilmente em substrato para
a produção industrial7 e, em última análise, em objeto de troca nas relações comerciais.
Em verdade, partindo do pressuposto de que a própria informação tornou-se pro-
duto oferecido amplamente no mercado virtual, a publicidade ganha destaque como
instrumento estratégico do marketing, inclusive em relação retroalimentadora8, af‌inal,
é a forma mais barata e mais efetiva de comunicação comercial que se conhece. Dito de
outra maneira, no último século, o desenvolvimento da publicidade, com destaque para
as virtuais promovidas através da Internet9, foi um dos fatores que mais contribui para
a mudança paradigmática no mercado, transformando o sistema econômico em uma
verdadeira economia virtualizada.10 Neste sentido, af‌irma Adalberto Pasqualotto que:
Na economia, [a publicidade] transformou-se simplesmente em mola mestra, insuando necessidades
para depois supri-las com o oferecimento irresistível de produtos necessários. Ela é a moda. Movimenta
as artes, o esporte. Inuencia a moral dominante. Serve de divulgação do bem e do mal. E além de tudo,
representa em si mesma uma milionária indústria mundial.11
Inevitável apontar que a publicidade é um fenômeno social importante para a
sociedade brasileira, tendo em vista que amplia as possibilidades das empresas difun-
direm seus produtos e serviços. Como se não bastasse, é papel também da publicidade
auxiliar os consumidores a encontrarem os bens que procuram, seja para satisfação das
necessidades básicas, seja para a satisfação dos desejos íntimos. Vale lembrar que, “não
há dúvida que o ser humano precisa de supérf‌luos”.12
6. LORENZETTI, Ricardo. Comércio Eletrônico. Tradução de Fabiano Menke. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004,
p. 354.
7. MARTINS, Fernando Rodrigues. Sociedade da Informação e proteção da pessoa. Revista da Associação Nacional
do Ministério Público do Consumidor, Juiz de Fora, v. 2, n. 2, 2016, p. 6.
8. PASQUALOTTO, Adalberto. Os Efeitos Obrigacionais da Publicidade no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 15.
9. Cláudio Torres aponta que “a Internet trouxe para o mundo dos negócios uma grande novidade: o acesso instan-
tâneo às informações sobre produtos e serviços.” TORRES, Cláudio. A bíblia do marketing digital: tudo o que você
queria saber sobre marketing e publicidade na internet e não tinha a quem perguntar. São Paulo: Novatec Editora,
2018, p. 22.
10. MARTINS, Fernando Rodrigues. Sociedade da Informação e proteção da pessoa. Revista da Associação Nacional
do Ministério Público do Consumidor, Juiz de Fora, v. 2, n. 2, 2016, p. 5.
11. PASQUALOTTO, Adalberto. Os Efeitos Obrigacionais da Publicidade no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 15.
12. Rafael Maltez destaca a necessidade humana, para além das necessidades básicas primitivas, de diversão, lazer,
prazer, distração etc. MALTEZ, Rafael Tocantins. Direito do consumidor e publicidade: análise jurídica e extrajurídica
da publicidade subliminar. Curitiba: Juruá, 2011, p. 160.

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