O novo Art. 702, I, F, e seus §§ 3º e 4º, da CLT, introduzido pela reforma trabalhista, e seus efeitos sobre a uniformização de jurisprudência e a edição de precedentes pelos tribunais trabalhistas

AutorJosé Roberto Freire Pimenta
Páginas89-107

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José Roberto Freire Pimenta

Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Doutor em Direito Constitucional pela UFMG, Professor Titular do Centro Universitário do Distrito Federal – UDF, nas áreas de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho, e integrante do Conselho Consultivo da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados do Trabalho – ENAMAT.

1. Introdução

O Direito do Trabalho e a própria Justiça do Trabalho brasileiros, frutos de décadas de construção coletiva em prol da concretização dos direitos sociais em nosso país, passam, nestes anos de 2017 e 2018, por um momento de grande crise e transformação.

Se a consagração dos direitos sociais trabalhistas na Constituição Democrática de 1988 como importante vertente dos direitos fundamentais que passaram a figurar no centro do ordenamento jurídico vigente e a significativa ampliação da competência da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional n. 45/2004 pareceram indicar uma crescente valorização dessa disciplina e desse ramo do Poder Judiciário, a profunda crise institucional, política, econômica e social ocorrida no Brasil a partir de 2014 colocou em xeque, na prática, a centralidade do valor trabalho proclamada no próprio Texto Constitucional e fez nascer, de forma surpreendente, insistentes e despropositadas propostas de extinção dessa Justiça Especial1. E isso apesar do inegável sucesso de sua atuação, ao longo de sete décadas de existência, em prol da concretização dos direitos dos trabalhadores consagrados na Constituição, nas leis e nas normas coletivas de trabalho em vigor que, no entanto, também se refletiu em uma exponencial e crescente explosão no número de reclamações anualmente ajuizadas.

É nesse quadro que deve ser compreendida e situada a polêmica “reforma trabalhista” promovida pela Lei n. 13.467/2017, que, em tempo recorde, alterou ou acrescentou mais de duzentos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, com os declarados propósitos de modernizar a legislação do trabalho, promover a inclusão de amplos setores da população ativa antes excluídos da proteção das normas laborais e diminuir o número considerado excessivo de demandas trabalhistas, por meio do combate à denominada “litigância irresponsável”. A profundidade das modificações nas regras e nos princípios juslaborais foi enorme, exigindo de todos os operadores do Direito do Trabalho um grande esforço para bem compreendê-las, interpretá-las e aplicá-las, de maneira coerente e sistemática, em conformidade com a Constituição, com as normas internacionais de direitos humanos e da Organização Internacional do Trabalho ratificadas pelo Brasil e com o conjunto do ordenamento jurídico infra-constitucional em vigor.

Em momento tão delicado, foi com prazer que aceitei o convite dos ilustres operadores do Direito e acadêmicos do ramo juslaboral, organizadores desta oportuna obra coletiva, para tecer algumas considerações sobre um dos pontos mais relevantes da reforma. Mas o significado maior dessa convocação foi saber que esta obra se destina a homenagear, mere-cidamente, um dos mais destacados magistrados do trabalho brasileiro: o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho e hoje Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, Aloysio Corrêa da Veiga.

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Os mais de quarenta anos de atuação desse magistrado na função judicante (sendo quase duas décadas no Tribunal Superior do Trabalho, como Desembargador convocado e, a partir de 2003, como Ministro), paralelamente a suas igualmente intensas e destacadas atividades acadêmicas e na vida associativa da magistratura do trabalho, dispensam maiores apresentações. O que desejo ressaltar, nesta oportunidade, é que, nos quase oito anos de nossa convivência no TST, minha admiração pela figura humana e pelo juiz, colega e amigo Aloysio, só cresceram, ao observar sua enorme capacidade de trabalho, sua tenacidade e seu entusiasmo na defesa de seus entendimentos (sem prejuízo, no entanto, de seu respeito ao princípio da colegialidade, essencial em um tribunal de precedentes) e seu equilíbrio e capacidade de agregação, em uma Corte que necessariamente enfrenta questões de alta complexidade e relevância, nas quais as decisões quase sempre são obtidas por apertada maioria.

Nada mais acertado, portanto, que trazer à discussão uma matéria que diz respeito à própria razão de ser e aos limites da atuação uniformizadora dos tribunais trabalhistas brasileiros, em uma obra coletiva que celebra a atuação judicante de um paradigma dos juízes do trabalho de nosso país.

2. O novo sistema introduzido pela lei n 13.015/2014 e pela aplicação subsidiária e supletiva do código de processo civil de 2015 no direito processual do trabalho brasileiro para a uniformização da jurisprudência e a edição de precedentes pelos tribunais laborais

Duas das mais profundas e significativas inovações introduzidas pelo novo Código de Processo Civil brasileiro (aprovado pela Lei n. 13.105, de 16.03.2015, alterado pela Lei n. 13.256, de 04.02.2016, e que entrou em vigor, depois de uma vacatio legis de um ano, em 18.03.2016) foram a adoção do sistema de precedentes judiciais obrigatórios e do denominado microssistema de litigiosidade repetitiva (composto pelos incidentes de assunção de competência, de resolução de demandas repetitivas e de julgamento dos recursos de natureza extraordinária repetitivos).

Tais inovações, na verdade, em boa parte já haviam sido antecipadas na esfera processual trabalhista pelas alterações no sistema recursal disciplinado pelos arts. 893 a 901 da Consolidação das Leis do Trabalho promovidas pela Lei n. 13.015, de 21.07.20142 e por sua regulamentação no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho.3

A questão que de imediato se colocou na data da vigência do novo CPC foi se esses sistemas seriam ou não aplicáveis ao processo do trabalho e, em caso afirmativo, se integral-mente ou apenas parcialmente, na medida em que seu art. 15 (que não revogou os arts. 769 e 889 da CLT) reafirma que, na ausência de normas de Direito Processual do Trabalho, suas disposições ser-lhes-ão aplicadas não só de forma subsidiária (como já ocorria, por força dos referidos preceitos consolidados) mas também supletiva. Foi esse o problema fundamental que se procurou equacionar na Instrução Normativa n. 39/2016, aprovada pela Resolução n. 203, de 25.03.2016, do Órgão Especial do TST.

Como ficou expresso em seus consideranda e em sua exposição de motivos, para atender à exigência de transmitir segurança jurídica aos jurisdicionados e órgãos da Justiça do Trabalho e com o escopo de prevenir nulidades processuais em detrimento de desejável celeridade, nela pretendeu-se identificar apenas questões polêmicas e algumas das mais importantes inovações do novo Código de Processo Civil. Para tanto, buscou expressar, ainda que de forma não exaustiva, o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho sobre os preceitos do referido Código considerados não aplicáveis (art. 2º da IN n. 39), os aplicáveis (art. 3º) e os aplicáveis em termos, isto é, com as necessárias adaptações (os demais referidos na IN a partir de seu art. 4º). Como não poderia deixar de ser, o fio condutor dessa norma foi somente admitir a invocação subsidiária ou supletiva do novo CPC se houver, de forma cumulativa, omissão (total ou parcial) das normas processuais trabalhistas sobre a matéria e também compatibilidade das normas processuais do novo CPC com as normas e princípios do Direito Processual do Trabalho.

Especificamente com relação aos temas da uniformização da jurisprudência e da edição de precedentes (persuasivos ou obrigatórios) pelos tribunais trabalhistas, pretendeu-se “transpor para o processo do trabalho as inovações relevantes que valorizam a jurisprudência consolidada dos tribunais” (exposição de motivos da IN n. 39, in fine), o que fez de maneira expressa ao proclamar aplicáveis por inteiro ao processo do trabalho, em face de omissão e compatibilidade, os preceitos do novo Código que regulam os temas da fundamentação da sentença (art. 489, com as adaptações previstas no art. 15 da referida IN), da força da jurisprudência dos tribunais (arts. 926 a 928), do incidente de assunção de competência (art. 947 e §§), da reclamação (arts. 988 a 993) e, com as necessárias adaptações e restrições desde logo explicitadas nos arts. 7º e 8º da IN n. 39, do...

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