De Novo, o Sistema Registal Austríaco
Autor | Mónica Jardim |
Cargo | Professora Auxiliar na Faculdade de Direito de Coimbra |
Páginas | 157-180 |
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Revista Logos | Edição 1/2015
De Novo, o Sistema Registal Austríaco
Mónica Jardim
Professora Auxiliar na Faculdade de Direito de Coimbra, onde é Regente das disciplinas
de Direito das Coisas (2.ª turma), Direitos Reais II e Direito dos Registos e do Notariado.
Doutora em Direito Civil (Direitos Reais e Registo Predial). Presidente do Centro de Es-
tudos Notariais e Registais. Membro cooptado do Conselho do Notariado. Tem diversos
artigos publicados no domínio dos Direitos Reais, do Direito do Registo Predial e do Direito
Notarial. Participa, como oradora, com frequência, em congressos e seminários nacionais
e estrangeiros sobre Direitos Reais, do Direito do Registo Predial e do Direito Notarial.
1. Sucinta resenha histórica e breve apresentação da função desempenhada
pela publicidade registal, do sistema tabular ou do livro fundiário austríaco,
na alteração da situação jurídico-real
O fulcro e o germe do sistema jurídico da transmissão de imóveis na Boémia,
que teve decisiva importância na evolução histórica do sistema registal austríaco, foi o
instituto do Landtafeln que é qualificado como único no género.
O Landtafeln era público e nele deviam ser inscritos todos os actos jurídicos
translativos ou constitutivos de direitos reais que tivessem por objecto bens imóveis.
A entabulação no registo, inicialmente, limitava-se a servir de prova do consentimento
senhorial – necessário para a validade do acto –, mas, pelo menos, a partir do século
XV, passou a ser considerada como elemento imprescindível para a aquisição do direito.
Por força deste instituto foi afirmado o princípio da especialidade - porque, em
regra, o registo continha a indicação precisa dos bens e dos negócios relativos a estes - e
acabou por ser consagrado o princípio da pública fé (Vertrauenwürdigkeit), uma vez que
o funcionário competente (Landtafelbeamte) controlava o título e o direito do disponente
(princípio da legalidade).
As Landesordnungen de Fernando II, de 1627 para a Boémia, e de 1628 para a
Morávia, consagraram e refinaram os princípios anteriormente adquiridos que passaram
a assumir maior importância com a Lei de Fernando II, de 1640.
Em 22 de Abril de 1794, foi promulgada a Lei Hipotecária austríaca que, impondo
a eficácia constitutiva da inscrição, introduziu neste território, então pertencente ao Sacro
Império Romano-Germânico, o Registo principal (Hauptbuch), tendo em vista agilizar
a possibilidade de conhecer o complexo de direitos que onerasse determinado bem
imóvel. Com o livro principal foi instaurado o sistema de fólios e rubricas separadas e
distintas para cada um dos imóveis, onde passaram a constar os elementos relativos à
sua situação jurídica, enquanto os precedentes Registos davam publicidade aos títulos
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documentais (Instrumenten; Urkundenbücher). Desta forma, por um lado, conseguiu-
se, efectivamente, tornar mais célere o conhecimento sobre o complexo de direitos que
oneravam determinado imóvel; e, por outro, fortaleceu-se a confiança no Registo, uma
vez que o objecto da publicidade deixou de ser o negócio modificativo da situação jurídica
do imóvel, passando a ser o resultado do controlo efectuado pelo juiz tabular quanto à
ocorrência da modificação jurídico-real.
O Código austríaco de 1811 (Allgemeines Bürgeliches Gesetzbuch für das
Kaisertum Osterreichs), ainda vigente, adoptou o sistema do Landtalfen e dos Registos
fundiários, sem modificações substanciais, reafirmando, no § 431, a eficácia constitutiva
da inscrição (Einverleibung).
O sistema austríaco foi, depois, integrado, através da Lei Geral austríaca de
25-07-1871 e respectivo regulamento de 1872, por normas relativas à organização e
à realização do Registo1; lei esta que após várias reformas acabou por dar origem à
Grundbuchsgesetz (GBG) de 1955, actualmente em vigor.
Consequentemente, o sistema tabular ou do livro fundiário (Landtalfen) permanece
em vigor na Áustria2. Assim, neste país, para a aquisição derivada de direitos reais não
é suficiente o título ou acordo de vontades entre as partes3. De facto, segundo o § 380
1 – Data na qual a Áustria já não pertencia à Confederação Germânica. Pois, como se sabe, em 1866 ocorreu a Guerra Austro-
Prussiana, na qual a Itália e a Prússia em pouco tempo derrotaram a Áustria e, em consequência, a Confederação Germânica foi
dissolvida. A Prússia formou, então, uma nova confederação sem a Áustria – a Confederação da Alemanha do Norte – tendo a Áustria
sido excluída e permanecendo, daí por diante, fora dos assuntos alemães.
2 – Sobre o sistema tabular austríaco vide, entre outros: BÖHM, Sachenrecht, Allgemeiner Teil, Wien, LexisNexis-Verl. ARD Orac,
2003; DEMELIUS, Österreichisches Grundbuchsrecht, Entwicklung und Eigenart, Wien, Manz, 1948; DITTRICH/ANGST/AUER,
Das österreichische Grundbuchsrecht, 3. Aufl., Wien, Manz, 1979 e Grundbuchsumstellungsgesetz, Wien, Manz, 1981; DITTRICH/
NAGY, Das österreichische Grundbuchsgesetz, Wien, 1962; EHRENZWEIG, System des österreichischen allgemeinen Privatrecht,
Das Sachenrecht, 2. Aufl., Wien, Manz, 1957; FRANZ TRIEBEL, Materielles Grundbuchrecht, Tübingen, J. C. B. Mohr, 1938; FEIL,
Österreichisches Grundbuchsrecht, ob. cit.; idem, Allgemeines Bürgerliches Gesetzbuch, vol. III, Eisenstadt, Prugg, 1977; FEIL/
MARENT/PREISL, Grundbuschsrecht, Wien, Linde, 2005; KLANG, ABGB – Klangs Kommentar, II, Wien, Springer, 1998; KOZIOL/
BYDLINSKI/BOLLENBERGER, ABGB ─ Allgemeines Bürgerliches Gesetzbuch, Wien-New York, Springer, 2006; KOZIOL/WELSER,
Bürgerliches Recht, II, 13. Aufl., Wien, Manz, 2002; IRO, Bürgerliches Recht IV, Sachenrecht, 2. Aufl., Wien/New-York, Springer,
2002; RUDOLF KAINDL, Project – National Report – AUSTRIA, [on-line] consultado em 16 de Outubro de 2006. Disponível:
http://www.iue.it/LAW/ResearchTeaching/EuropeanPrivateLaw/Projects/Real%20Property%20Law%20Project/Austria.doc;
SCHNITZER/FAISTENBERGER/BARTA/CALL, Österreichisches Sachenrecht, Wien, 1998; UNGER, System des österreichischen
allgemeinen Privatrechts, Leipzig, Breitkopf und Haertel, 1876; WELSER, in Rummel Kommentar zum ABGB, I, Wien, Manz, 1983;
Grundbuchseintragung, [on-line] consultado em 16 de Novembro de 2005. Disponível: http://www.help.gov.at/content.Node/60/
Seite.600200.html; The Austrian Land Book (Grundbuch), [on-line] consultado em 16 de Novembro de 2005 em 16 de Novembro
de 2005. Disponível: http://www.eurocadastre.org/pdf/auer.pdf; Vários, Online Lehrbuch Zivilrecht, [on-line] consultado em 1 de
Novembro de 2007. Disponível: http://www.uibk.ac.at/zivilrecht/buch/autorenliste.html.
3 – No ordenamento jurídico italiano convivem – embora em zonas territorialmente diversas – dois sistemas de publicidade imobiliária:
o da transcrição e o do livro fundiário.
O primeiro vigora na generalidade do território italiano, é um sistema de título, segundo o qual os direitos reais se constituem,
modificam e extinguem por mero efeito do contrato (cfr. arts. 1376 e 2644 do Código Civil Italiano), e o registo (trascrizione) é apenas
condição de oponibilidade dos direitos em face de terceiros – excepção feita à hipótese prevista no 2º parágrafo do art. 2808 do
Código Civil. O segundo nas zonas pertencentes ao império Austro-húngaro antes da I Guerra Mundial.
Ou seja, o sistema do livro fundiário vigora em Itália em toda a Província de Trieste, Gorizia, Trento e Bolzano, em duas comunas
do distrito fiscal de Salò, na Província de Brescia, em algumas comunas dos distritos fiscais de Cervignano del Friuli, Palmanosa e
Pontebba, na Província de Udine e em duas comunas do distrito fiscal de Asiago, na Província de Vicenza. Nestes territórios, por força
do art. 2 do Regio Decreto de 4 de Novembro de 1928 n. 2325, foi inicialmente mantida em vigor a legislação austríaca, constituída
essencialmente pela Lei Geral sobre os Livros Fundiários de 25 de Julho de 1871, n.º 95, B.L.I., pela Lei de 25 de Julho de 1871, n.
96, B.L.I. e pela Lei de 6 de Fevereiro de 1869, n. 18, B.L.I.. Posteriormente, o Regio Decreto de 28 de Março de 1929, n. 499, veio
regular ex novo a matéria, mas salvaguardou as normas pré-existentes não incompatíveis, sendo, consequentemente, redigido o
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